Política brasileira: entre as eleições e a mídia

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
Numa percepção mais purista da política prevalece a idéia de que ela dispõe dos métodos e cenários necessários à formação de um projeto nacional. Neste sentido, um governo é avaliado em termos de capacidade de forjar e implementar um projeto capaz de ordenar as forças sociais e econômicas. É comum surgirem comentários comparativos entre FHC e Lula justamente neste sentido. O “continuísmo” de Lula, encarnado em Palocci, representaria a inevitabilidade em se continuar um projeto bem estruturado.

Entretanto, quando se busca romper com o conservadorismos tradicionalista brasileiro, reconhecendo que a política não é apenas o espaço para uma grande discussão nacional, porém o espaço para o embate cotidiano de interesses e projetos (nacionais, regionais, pessoais), surgem duas novas questões que devem ganhar atenção: as eleições e a mídia.

O momento eleitoral não significa apenas o momento em que os eleitores mostram sua aprovação ou recusa ao que vem sendo feito; não nos esqueçamos que a reeleição de FHC está mais ligada ao medo do fim da estabilidade monetário que à aceitação do governo FHC propriamente dito. Se não podemos ignorar o papel das eleições para a manutenção dos grupos no governo, também não podemos reduzi-la a isso. As eleições também servem aos grupos como espaço de manobra e percepção das mudanças que ocorrem continuamente na estética do poder. Entender a complexa estruturação das relações de camaradagem e sustentação política – tão importantes à manutenção do posicionamento político – é fundamental para o não deslocamento político.

As eleições locais (prefeituras) são especialmente interessantes para o este exercício, na medida em que expõem as lógicas cooperativas internas da política, ao mesmo tempo em que devem cuidar da manutenção do discurso político-partidário coerente, que será importante para o jogo das eleições presidenciais. No caso das eleições municipais paulista, por exemplo, surgem casos como o de um PPS oficialmente apoiador de Serra (PSDB), mas com grandes pressões internas para mudar o apoio para Marta (PT). Não se trata de uma divergência que envolve apenas o Diretório Municipal, ao contrário, envolve algumas de suas mais importantes lideranças, como Ciro Gomes e Roberto Freire, que, por sua vez, estão imersas na lógica de Brasília. Assim sendo, percebe-se que não se trata apenas do apoio a um projeto municipal, trata-se de ensaios para projetos políticos muito mais amplos e distantes do que é mostrado aos eleitores.

Portanto, quando analisamos a política brasileira, precisamos ultrapassar as impressões mais imediatas que nos surgem. Para isso, é igualmente necessário compreender o que acontece com a mídia, a outra questão indicada no começo deste artigo. Aqui também se deve ir além das tradicionais impressões sobre ser papel. Não se procura aqui negar que a mídia seja um “quarto poder”, porém esse poder não é tão facilmente perceptível, como em geral se crê. O verdadeiro poder da mídia é que ela tem a capacidade de mostrar o que quer, mais do que de deturpar a realidade.

O processo comunicativo exige um mínimo de elementos comuns aos dois lados para que seja iniciado. E é justamente isso que cria limitações à estruturação de idéias. Não foi a Globo que fez Collor, foi uma confluência de fatores encontrados também e, sobretudo, no imaginário social brasileiro. O papel desempenhado pela Globo e por vários outros meios de comunicação foi não dispor acontecimentos que pudessem tensionar essa percepção, deixando-a se consolidar. A mídia se fortalece a partir do momento em que consegue estabelecer um canal direto com a estrutura política, participando ativamente da construção de seus limites. Desta forma, ele serva a duas funções principais: de um lado ela auxilia na divulgação de idéias políticas e de seus respectivos emissores; por outro lado, ela serva como ensaios para estas idéias.

Isso é o que acontece se4mpre que uma troca ministerial ou de secretários municipais, por exemplo, começa a ser divulgada. Os meios de comunicação começam a publicar nomes possíveis. Note-se que muitos destes nomes são “vasados” por um “importante funcionário do governo”, o que permite uma organização das forças políticas contrárias e favoráveis à nomeação, de forma que se torna possível fazer um teste neutro e sem maiores custos políticos.

Com isso, é possível perceber que a mídia desempenha um papel não apenas informativo, mas sobretudo, formativo; de forma que exige uma leitura que consiga ir além dos fatos em si. Ainda mais importante do que perceber as diferenças de ordem ideológica entre os meios de comunicação, torna-se fundamental compreender o porquê da disponibilização de determinadas notícias. A cada nova matéria, grupos ganham e grupos perdem.

É preciso ultrapassar as leituras mais superficiais para se alcançar um grau de análise mais sofisticado e que efetivamente consiga estabelecer um melhor mapeamento da realidade brasileira.

Cotidiano: A temporada de discursos e debates começou e o mercado político será invadido de fatos e contra-fatos. Neste momento, a maior parte da energia se concentrará em debater essa infinidade de informações desencontradas e, no final das contas, chegaremos à conclusão de que os mesmos continuam onde sempre estiveram.

Moral da história: Em política, quanto mais se explica, menos votos se ganha.

Conselho literário: Cada poder deve, com efeito, ter as faculdades legais necessárias para satisfazer sua missão; a Assembléia Geral tem a missão de efetivamente dar boas leis à sociedade; é conseqüente  que desempenhe a missão conexa de fazê-las práticas e reais.

Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império – Marquês de São Vicente


Originalmente publicado em:
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)

Política

Ano IV – nº 38 / Agosto de 2004