Comércio internacional e a necessidade de novos padrões de negociação

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
O comércio internacional sempre esteve presente no desenvolvimento do Brasil, contudo somente nas últimas décadas passou a preocupar uma parcela maior da sociedade brasileira. De soja a aviões, o país passou a se mobilizar cada vez mais na procura por novos mercados internacionais.

Essa intensa exposição que enfrentamos hoje faz com que tenhamos que nos posicionar cada vez mais decididamente em negociações internacionais. Competitividade e protecionismo passam a ser preocupações centrais para aqueles que encontram no mercado internacional o eixo de suas estratégias.

Para garantir mercados e acessos privilegiados várias são as ações possíveis. É neste cenário que se destacam os protecionismos, diretos ou não, como foi o caso de proteção da siderurgia americana, dos frangos na União Européia ou da soja na China. Além dos impactos de deturpação da lógica de livre-mercado, tais protecionismos levam a interpretações distorcidas da realidade comercial internacional.

É comum escutar dos negociadores brasileiros que “o comércio internacional é uma guerra”. E deste corolário, seguem-se vários chavões que dificilmente nos ajudam a buscar o mercado internacional. Nem mesmo como metáfora esta idéia deve ser sustentada, sob pena de nos desviar de alguns importantes parâmetros de negociação internacional.

Um primeiro impacto desta visão é que passamos a encarar os demais atores internacionais como exércitos inimigos, os quais devem ser combatidos com as armas que dispusermos. A questão central aqui é que, com isso, minimizamos a busca por cooperação. Tanto no mercado doméstico quanto no internacional sempre existirão atores que complementam nossos trabalhos e aqueles que estão em direto confronto com ele.

Divergências comerciais não ocorrem entre os EUA e o Brasil, porém entre setores da economia americana e setores da economia brasileira. Reduzir o conflito à lógica entre Estados é eximir-se da responsabilidade de buscar parceiros no mercado internacional, deixando para o governo a necessidade de busca por soluções.

Isso nos leva a um segundo problema, que é a diferença entre os comportamentos do governo e do setor privado. Enquanto o setor privado é fragmentado e tem várias entidades representativas, o governo deve se apresentar no cenário internacional com um posicionamento único e coerente. No caso brasileiro, os empresários tendem a perceber o governo, sobretudo o Ministério das Relações Exteriores (MRE/Itamaraty), como um dificultador das negociações internacionais na medida em que não representaria os interesses que os setores produtivos nacionais apresentam.

Tanto governo quanto setor privado devem se planejar no longo prazo, porém enquanto aquele deve se concentrar nas decisões que busquem impactos de longo prazo, os setores produtivos devem apresentar um planejamento estratégico de longo prazo, mas sem descuidar do cotidiano, visto que são muito mais suscetíveis aos movimentos de curto-prazo. Isso cria uma tensão praticamente infindável entre governo e setor privado.

Certamente não é possível ignorar a existência do governo bem como do papel que este deve desempenhar na lógica econômica dos países, porém se faz necessária uma participação mais intensa dos empresários, criando fóruns internacionais de empresários e coligações que lhes permitam um comportamento semelhante ao desenvolvido pelos governos. Isto é, os diversos setores empresariais estarão mais capacitados para executar políticas e estratégias cruzadas, as quais permitam uma negociação permeada por ganhos e perdas, cujo resultado final deverá ser positivo para todos os lados.

Ao seguir exemplos de países com alto poder de negociação internacional, devemos buscar uma melhor interação entre o governo e o setor privado; contudo isso não significa que cabe ao setor privado apenas municiar o governo, o qual deverá executar as negociações internacionais. A convergência deve ocorrer no sentido da determinação de macro-objetivos, sendo que cada lado deve assumir suas respectivas responsabilidades na busca destes objetivos.

Desta forma, se o governo deve criar mecanismos automáticos e legítimos para a participação efetiva do setor privado no processo de tomada de decisões; cabe, por outro lado, ao setor privado arcar com os custos da projeção de seus setores no mercado mundial. A criação de escritórios de representação em outros países pode e deve contar com o apoio do governo, entretanto não deve ser uma iniciativa deste, porém das entidades representativas dos setores produtivos nacionais.

Esse tipo de comportamento é fundamental para o acesso e sustentabilidade no mercado internacional, visto que comércio internacional não é guerra, mas sim convencimento, comprometimento e competência. Em última instância é o consumidor final que determina os produtos consumidos, então a eles devemos oferecer um produto que tenha a qualidade solicitada. Por outro lado, não podemos esquecer dos distribuidores e todos os demais intermediários, que são fundamentais para o sucesso do negócio. A estes devemos oferecer comprometimento e sustentabilidade nos negócios.

Numa estratégia de inserção internacional também devem ser considerados os governos e suas preocupações com a proteção de determinados setores produtivos, bem como com a proteção do mercado consumidor como um todo. A estes devemos apresentar a competência necessária, alcançando os níveis mínimos exigidos. Em última instância, não devem ser encarados como o alto comando de guerra – como costumam fazer aqueles que vêem o comércio como uma guerra – porém como um ator que deve ser convencido da necessidade de comprar produtos estrangeiros.


Originalmente publicado em:

Revista Autor (www.revistaautor.com.br)

Especial CNPq

Ano IV – nº 37 / Julho de 2004