Negociações Internacionais e Política Externa- perspectivas teóricas

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
Um estudo cientificamente válido faz referências a teorias e metodologias aceitas pela comunidade científica à qual está ligado. Mudanças na natureza do objeto ou da própria dinâmica científica faz com que, por vezes, tais filiações encontrem limitações práticas. No caso das relações internacionais, a incertidão sobre os limites do(s) objeto(s) de estudo(s), somado às profundas mudanças por que passa o sistema internacional e todos os atores nele presentes, aumentam significativamente esta dificuldade. Em face disto, neste capítulo visa-se apenas o desenvolvimento de discussões pontuais de ordem teórica (mais epistemológicas que propriamente ontológicas), tendo por objetivo central identificar alguns instrumentais teóricos que serão aproveitados durante a elaboração do estudo de caso. Esse caminho será percorrido por permitir o tratamento de determinadas hipóteses que serão, ao longo do trabalho, compreendidas como premissas analíticas.

"Se é possível falar de crise hoje em dia, esta é, antes de mais nada, a crise das referências (éticas, estéticas), a incapacidade de avaliar os acontecimentos em um meio em que as aparências estão contra nós. O desequilíbrio crescente entre a informação direta e a informação indireta, fruto do desenvolvimento de diversos meios de comunicação, tende a privilegiar indiscriminadamente toda informação mediatizada em detrimento da informação dos sentidos, fazendo com que o efeito de real pareça suplantar a realidade imediata. A crise das grandes narrativas da qual nos fala Lyotard denuncia aqui o efeito das novas tecnologias, que enfatizam mais os "meios" que os "fins" " (Virilio, 1993: 18).

Tal leitura é particularmente importante para o campo das relações internacionais. A amplitude dos objetos de análise, somada às várias perspectivas teóricas, faz com que a quantidade de informações disponíveis para um determinado estudo empírico se mostrem particularmente amplas. Neste sentido, as teorias cumprem um papel importante ao determinar o conjunto de variáveis que deverão ser consideradas numa determinada análise. No entanto, justamente por se tratar de ferramentas criadas, são simplificações da realidade e que buscam explicar um determinado fenômeno apenas e tão somente dentro de uma situação pré-limitada por premissas e conceitos. Dois riscos podem surgir desta forma de organizar a análise e devem ser constantemente considerados pelo cientista: (1) tensão entre o real e o esperado; (2) o tipo de recorte do real pode levar a perda de capacidade analítica.

Tais riscos são diminuídos pela presença de tomadores de decisão nos meios acadêmicos, e vice-e-versa, o que força uma aproximação entre as duas perspectivas; e solicita a elaboração de análises de estudos de caso que também sejam sustentadas por percepções e posicionamentos de tomadores de decisão. Por conta disto, parte significativa deste trabalho será baseada em bibliografia oriunda autores que são, antes de mais nada, tomadores de decisão, bem como em entrevistas com alguns dos atores envolvidos ao longo do processo.

A responsabilidade, a pressão e a temporalidade inerentes aos diferentes trabalhos (tomada de decisão e análise da tomada de decisão) por vezes levam a perspectivas analíticas diferentes. Entretanto, existem alguns fatores que são comuns a ambas perspectivas e que podem construir pontes comunicativas entre estes dois "mundos". Segundo George (2001), estes são: (1) conceitualização de estratégias; (2) conhecimento geral ou genérico; e (3) modelos comportamentais específicos para atores. Essas três categorias abarcam os conhecimentos mínimos que tanto o analista quanto o tomador de decisão devem ter ao executarem seus trabalhos. Deve-se destacar que esta discussão tem um princípio utilitarista e se baseia na idéia de que uma teoria sobre o processo de tomada de decisões deve se destinar primordialmente a auxiliar os tomadores de decisão em suas ações.

Acompanhando este raciocínio, tem-se que o processo de tomada de decisão em política externa é algo particular e que não pode ser tratado como uma conseqüência de uma leitura teórica mais ampla. Ou seja, ao dispor de um conjunto mínimo de fenômenos e dados, este tipo de estudo não é sustentável numa contraposição com a realidade quando estiver baseado apenas em leituras cuja base teórica for resultante de processos únicos de dedução a partir e dados e premissas desenvolvidas para outros tipos de problemas. Com isso, percepções como o realismo estrutural, a escolha racional e as teorias dos jogos são aqui tratadas marginalmente na medida em que são leituras dedutivas e que, por isso, acabam por ofuscar o processo amplo de tomada de decisões ou mesmo, por vezes, as interações estratégicas entre os Estados (George 2001), isso pois tais fenômenos são tratados por suposição.

É possível analisar a política externa a partir de duas grandes perspectivas teórico-metodológicas: (1) teoria substantiva, que trata das grandes bases e estratégias de política externa: e (2) teoria de processos, que trata das estruturas e administração do processo de formulação de políticas. O desenvolvimento deste estudo de caso será baseado na segunda perspectiva. Com isso, procura-se identificar o processo de formulação e implementação das políticas protecionistas da siderurgia estadunidense na administração de George W. Bush a partir de uma base estendida: dos movimentos de organização da própria sociedade (grass roots lobbying) à tomada de decisão pelo Poder Executivo.

______________________

Bibliografia:

GEORGE, Alexander. Bridging the gap – theory& practice in foreign policy. United States Institute of Peace Press. Washington, 2001.

VIRILIO, Paul. O Espaço crítico – e as perspectivas do tempo real. Editora 34. São Paulo, 1993.


Originalmente publicado em"
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)
Especial CNPq

Originalmente publicado em"Revista Autor (www.revistaautor.com.br)Especial CNPqAno V – nº 45 / Março de 2005