Política externa e política pública

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
O estudo da política externa geralmente é abordado segundo uma concepção que se baseia na independência entre ela e as demais políticas. Neste sentido, aquela estaria menos mutuamente influenciada por estas. Tal forma de analisar a realidade pôde ser aplicada sem enfrentar maiores limitações explicativas enquanto as questões de política externa tinham na segurança nacional seu principal elemento norteador. Contudo, na medida em que a agenda nacional e internacional são ampliadas, a política externa revela uma face muito mais próxima àquela das demais políticas públicas.

A fragmentação institucional no processo de tomada de decisão, somada à emergência de novas problemáticas e atores, torna cada vez mais complicada a separação entre as políticas domésticas e a política externa, de forma que não é mais possível identificar apenas uma instituição responsável (Department of State, no caso estadunidense ou MRE, no caso brasileiro) por sua formulação (Hersman, 2000), ainda que seja possível identificar o ator ou instituição que, em última instância, responde pela divulgação formal da política adotada.

A política externa, ao não se destacar das demais políticas adotadas por um Estado, apresenta apenas aquelas características que lhe são peculiares e, apenas neste sentido, seria diferente das demais, como aliás ocorre quando se tenta diferenciar as demais políticas entre si. Seu estudo, portanto, deve ser feito à luz de uma discussão que envolve a própria noção de políticas públicas.

Uma política pública "se présent sous la forme d’un ensemblem de pratiques et de normes émanant d’un ou de plusieurs acteurs publics" (Kessler, 2002 : 168). Entre suas principais características encontram-se:

(1) existência de um conteúdo que orienta os recursos humanos e materiais na busca de determinados resultados, de forma que não pode ser confundida com um ato isolado. Apresenta uma estrutura relativamente permanente e que oferece referência para os atores em seus processos de tomada de decisão; e

(2) tem como um de seus postulados basilares a existência de convergência entre o conteúdo da política, os atores e os mecanismos disponíveis para sua execução.

No caso específico da política externa, e tendo em vista as características supramencionadas, ela confirma sua condição de política pública visto que se trata de uma atividade exercida pelo Estado e que visa orientar suas relações com outros Estados, valendo-se para isso de um corpo burocrático próprio e especializado, bem como de consulados e embaixadas.

Dessa forma, torna-se necessário delimitar o estudo de política externa no âmbito de um contexto maior, ou seja, uma determinada política externa não pode ser analisada apenas em função do conjunto de ações e burocracias formalmente envolvidas por ela. Seu estudo deve considerar não apenas a capacidade de intervenção e influência das partes envolvidas de forma direta e indireta, mas também o conjunto de interesses destas mesmas partes e que podem ser resultantes de barganhas cruzadas, ocorridas no âmbito doméstico.


Originalmente publicado em:
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)

Especial CNPq

Ano V – nº 47 / Maio de 2005