Eleições 2004 e algumas tendências de longo prazo

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
A conclusão da quase totalidade dos trabalhos de apuração do 1º turno, juntamente com as declarações de candidatos e outros políticos mostram interessantes tendências na política brasileira. Um melhor mapeamento destas tendências é importante para a compreensão da dinâmica política de médio-prazo, o que inclui os rumos nacionais em 2006.

Uma primeira questão que pode ser levantada está ligada aos partidos que obtiveram crescimento mais significativo. PT e PSDB são os partidos que mais apresentaram um crescimento relativo às últimas eleições municipais. Em alguma medida, tal tendência já era esperada, sobretudo num contexto de saturação difusa das idéias e propostas mais ortodoxas, que marcaram o cenário político nos anos 1990. Porém, o que realmente se destaca nesta tendência é o crescimento do PT em cidades menores e ao norte do país. Isso certamente deitará profundos impactos na lógica partidária petista na medida em que a hegemonia paulista dentro do partido será fortemente pressionada. O debate deverá se acirrar com o surgimento de novas lideranças significativas no âmbito regional e que serão importantes para o próprio jogo eleitoral nas próximas eleições presidenciais. O destaque deverá ficar para Mias Gerais, que agora conta com um prefeito em Belo Horizonte com disposição para alçar vôos que ultrapassam os limites da prefeitura e um governo estadual tucano com projeção presidencial em eleições vindouras, sobretudo a partir de 2010.

Uma segunda questão está ligada ao próprio perfil do processo eleitoral. A mídia deu grande importância para as eleições na capital paulista, que estaria materializando o ensaio das eleições presidenciais. Isso parece, entretanto, se verificar apenas na medida em que provavelmente o embate central ocorrerá entre o PT e o PSDB. No entanto, estas eleições mostraram um posicionamento mais “profissional” por parte dos eleitores. Estes apresentam uma capacidade analítica até então não vista, o que pode ser percebido na “esquecida” votação para vereador. Ao menos nos grandes centros, os vereadores eleitos estão mais próximos das coligações que efetivamente polarizaram as campanhas, bem como apresentam propostas de ações mais próximas de suas efetivas funções. Desta forma, deve-se esperar uma diminuição da força partidário-ideológica em favor de uma percepção mais pragmática da função política. Entre outros sinais pode-se citar a diminuição profunda dos votos de protesto, em geral dirigidos para candidatos caricatos e com baixa capacidade de inserção política, representando um anti-modelo de político. Numa perspectiva de médio prazo, deve-se observar uma mudança no padrão comportamental dos políticos, que passarão a buscar o acúmulo de projetos pragmáticos que possam surgir como soluções efetivas para os problemas reais. Em certa medida isso já vem ocorrendo como demonstram as mudanças de exposição da agenda nacional, quando o foco sai das políticas macro-econômicas e vai para o desemprego, ou sai da idéia de “custo Brasil” para se transformar em cobrança em cascata de impostos.

Uma terceira questão a ser levantada, e que é decorrente das duas anteriores, liga-se às identidades partidárias. O fortalecimento do eixo centro-esquerda, somado à grande proximidade entre o PT e o PSDB (que parecem se diferenciar mais na forma de condução das questões do que propriamente das questões a serem tratadas), reforça a tendência de pragmatismo político, visto que o debate efetivamente ficará em torno das implementações. O que chama a atenção neste ponto é que este perfil de ação é tradicionalmente executado pela direita, ainda que o conteúdo litúrgico-programático esteja atualmente na centro-esquerda. Essa confluência tornará mais normal a aproximação de partidos até então antagônicos. Partidos sem rumo como o PMDB ou em reestruturação de papel como o PFL deverão ainda patinar um pouco e oferecer apoios e trocas pouco imagináveis até então. Neste sentido, o caso paulistano deverá se apresentar como um bom ensaio, com figuras como José Sarney e Paulo Maluf participando mais ativamente de um 2º turno que, em si, não deveria interessá-los diretamente.

Diante destas questões, pode-se concluir que políticos que insistirem em agir de forma ortodoxas deverão perder o espaço no cenário político, sendo substituídos por políticos mais ligados aos problemas mais cotidianos. Isso permitirá a emergência de novas lideranças regionais, mas que ainda carecerão da projeção necessária a vôos mais altos, de forma que o velho e o novo ainda conviverão por um tempo, ainda que o novo deva crescer em detrimento do velho.

Moral da História: em tempo de mudança só existem dois tipos de pessoas, os revolucionários e os conservadores.

Cotidiano: Os debates vão encontrar um perfil mais pragmático e, por isso mesmo, mais técnico. Além do risco inerente que existe em confundir o Estado com uma empresa a ser gerida (perdendo a dimensão política), há o eterno risco de tecnificar tanto as discussões que a política se transforme num lugar sem paixão e enfadonho, deixando de ser um espaço privilegiado para a esperança.

Conselho Literário: "O Brasil no tempo do rei d. Sebastião era reputado por um estado tão espaçoso, e de tanta importância, que muitos fidalgos e pessoas de muita prudência e conselhos representaram àquele monarca que se passasse para ele e mandasse povoar com todas as forças de Portugal; mas que sucedeu?"

Sermão da Aclamação de d. Pedro I – Frei Joaquim do Amor Divino Caneca


Originalmente publicado em

Revista Autor (www.revistaautor.com.br)

Política

Ano IV – nº 40 / Outubro de 2004