Perspectivas e Estratégias na Internacionalização de Empresas Brasileiras

03/11/2005 0 Por Rodrigo Cintra
A internacionalização das empresas, especialmente no caso brasileiro, depende de uma série de fatores: cultura empresarial, conhecimento do ambiente negocial, legislações, etc. Ao mesmo tempo, as mudanças na estrutura produtiva mundial colocam tanto novos desafios para os empresários, quanto novas possibilidades de atuação. Qualificação e conhecimento passam a ser duas características fundamentais para a elaboração de um planejamento de internacionalização de sucesso. Em especial, destacam-se as normas jurídicas aplicáveis nas mais diversas possibilidades de internacionalização.

Introdução

Discutir internacionalização de uma empresa depende da discussão da própria cultura empresarial de um país ou mesmo região dentro do país. A disposição para investimentos de risco ou ainda para ampliar a linha de atuação, mesmo que isso implique na necessidade de desenvolvimento de competências novas, são características empresariais que impactam diretamente na busca ou não pela internacionalização.

Especificamente para o caso brasileiro, não são raras as vezes nas quais se confundem internacionalização, exportação e negociações internacionais. Alguns analistas acreditam que essas são fases de um mesmo processo, outros chegam a afirmar que são facetas iguais de uma mesma ação. Isso ocorre, sobretudo, em função do histórico de desenvolvimento industrial brasileiro e de suas respectivas relações com os demais países.

Ao recuarmos um pouco na história brasileira, especialmente na história do desenvolvimento econômico-produtivo, veremos que nossas relações comerciais estrangeiras sempre se desenvolveram de uma forma relativamente subordinada aos interesses e demandas internacionais. Ao mesmo tempo, é igualmente possível constatar que esse desenvolvimento encontrava no Estado brasileiro sua proteção e meio de atuação, criando uma condição de mútua-dependência que deitou profundas raízes na cultura empresarial do país.

Essa tendência ainda apresenta uma força inercial muito forte, de forma que é comum encontrar empresas que não se ocupam com uma atuação internacional sustentada e, sobretudo, planejada. Mais do que pensar em um planejamento estratégico de longo-prazo, para aproveitar as potencialidades abertas pela globalização, um significativo grupo de empresas brasileiras ainda limita sua atuação à venda/exportação apenas quando um comprador internacional as procura, ou seja, não é a empresa que vende os produtos, é o cliente internacional que os compra.

Entre outros impactos negativos, devemos destacar aqui o amadorismo da ação, o que gera a possibilidade de a empresa brasileira ser facilmente substituída nessa operação caso um outro fornecedor com melhores condições apareça. Ainda que essa seja uma ameaça constante em qualquer negócio, uma empresa que procura superar as expectativas de seus parceiros e atender à dinâmica consumidora, terá diminuídas as chances de perder seu espaço.

Uma vez conhecida essa tendência a uma atuação passiva no processo de inserção internacional das empresas e da própria economia brasileira, já apresentada por vários analistas do setor, não basta responsabilizar a história e continuar com o mesmo comportamento. Os empresários brasileiros devem ser capazes de superar essa tendência e modificar suas visões e formas de agir, sob risco de colocar sua própria existência em xeque.

Destaca-se que isso não é uma exclusividade daqueles que pensam na internacionalização, ao contrário, essa é uma tarefa constante de qualquer empresário. A permanência de um comportamento conservador no sistema capitalista atual – globalizado – é um convite para o fracasso. Assim, não é a história, nem o governo, que devem ser os pivôs da mudança, são os empresários.

Essa mudança também está relacionada à necessidade de profissionalização dos empresários brasileiros no que tange às negociações dos contratos internacionais do comércio. O processo de negociação no ambiente internacional é complexo: envolve idiomas, culturas, leis, valores e comportamentos diferentes, e, independentemente da técnica utilizada, a comunicação e o conhecimento do ambiente negocial são imprescindíveis.

Com um processo iniciado na década de 70, mas que vai apresentar suas grandes mudanças na década de 90, o cenário empresarial mundial começa a mudar. Certamente essa mudança não foi igual em todas partes do globo e ainda apresenta diversas dinâmicas; no entanto, uma certeza tem se afirmado desde então: o desenvolvimento nos meios de comunicação e o barateamento nos custos envolvidos em transporte fazem com que a interdependência produtiva e comercial entre os países aumente constantemente.

No caso brasileiro, dentre outras conseqüências desse processo, está a abertura comercial iniciada no governo Collor. Com ela o Brasil ficou exposto ao mercado mundial, ao mesmo tempo em que viu esse mercado se abrir. Em alguma medida é possível dizer que não existe mais o mercado brasileiro puro, isolado do resto do mundo, sobretudo naquelas áreas nas quais existem diversas empresas, de diferentes origens, atuando pelo redor do mundo.

No atual perfil do sistema produtivo mundial o produto-final, suas peças, a marca, o atendimento pós-venda, tudo, pode estar localizado em qualquer lugar do mundo sem que o consumidor final se aperceba disso. Enquanto os manuais de usuários e os atendimentos de serviços ao consumidor estiverem em português, não haverá diferença prática para o consumidor.

Diante dessa realidade mundial, as empresas que quiserem sobreviver deverão entender essa nova estrutura de produção mundial. Ainda que focadas em determinados grupos de consumidores, que podem ser encontrados em apenas um país ou região, isso não significa que os fatores de produção devem estar alocados nesse mesmo país. É possível que as melhores condições de produção, ou mesmo a melhor combinação de fatores de produção, esteja localizada em outros lugares.

Ainda que a economia trate justamente da alocação ótima dos recursos escassos, portanto esse tipo de comportamento não seja novidade para os atores econômicos, tal realidade apresenta-se com muito mais força na atualidade na medida em que a alocação agora passa a ser em qualquer ponto do globo.

Tendo em vista essa mudança que vem operando na lógica produtiva mundial, é fundamental a capacitação dos empresários e seus negociadores internacionais. Conhecer a realidade internacional, identificar os fatores-chave de uma empresa, localizar países ou regiões que tenham esses fatores em abundância, implementar uma ação de internacionalização empresarial sustentável e segura, passam a ser as novas demandas de uma economia internacionalizada.

Internacionalização

Para os propósitos desse trabalho, entendemos que a internacionalização é o processo de concepção do planejamento estratégico, e sua respectiva implementação, para que uma empresa passe a operar em outros países diferentes daquele no qual está originalmente instalada. Excetuam-se, aqui, as simples relações de importação e exportação, tanto de partes quanto do produto final. Nesse sentido, a internacionalização envolve necessariamente a movimentação internacional de fatores de produção.

Quando entendemos a internacionalização dessa forma, temos que ela envolve uma relação contínua com o exterior, não podendo ser concebida, portanto, como algo temporário ou mesmo voltado exclusivamente à superação de um obstáculo conjuntural. Mais do que isso, trata-se de um fenômeno de natureza estrutural.

Existem várias formas de estruturar uma estratégia de internacionalização, sendo que sua adequação depende de um conjunto de fatores que permeiam a cultura empresarial, as condições materiais e as condições sócio-políticas.

Uma das estratégias mais simples é iniciar a abertura de mercados internacionais valendo-se de exportações diretas; uma vez conhecido minimamente o comportamento do mercado-alvo, passa-se a estudar ações de maior envergadura tanto em termos de recursos humanos quanto físicos. Nesse sentido, destacam-se a abertura de uma filial para explorar as vantagens comparativas locais, o estabelecimento de parcerias de comércio intra-empresa, os investimentos cruzados entre-empresas, o estabelecimento de acordos de cooperação industrial e/ou comercial, ou ainda a aquisição de empresas já constituídas no país-alvo.

Dentre as principais mudanças que ocorreram nas últimas décadas e que apresentam impacto decisivo na gama de opções estratégicas na internacionalização das empresas está ligada a própria mudança na lógica produtiva. Enquanto nos anos 60 prevalecia a idéia de relacionamento Matriz-Filial, com o desenvolvimento das tecnologias de informação e a convergência em âmbito internacional de regras de investimento e produção, sobretudo a partir dos anos 90, as formas mistas de abertura de empresas permitiu a concepção de novas formas inter-empresariais de atuação. Nesse sentido, empresas menores e com pouco capital também conseguem implementar processos de internacionalização.

Por outro lado, torna-se fundamental, diante desse novo cenário, a boa escolha do método a ser utilizado, dos tipos de sociedade e sócios, bem como das formas contratuais que regerão o processo. Podemos classificar as estratégias de internacionalização segundo três grandes formas:

  • Transações: envolvem a comercialização de produtos, marcas, e patentes.
  • Investimento direto: abertura de plantas produtivas ou de sedes para prestação de serviços, pode ocorrer por meio de investimento total por parte da empresa que busca a internacionalização, ou por meio de joint ventures e fusões.
  • Projetos especiais: desenvolvimento de ações produtivas delimitadas no tempo e no espaço, em geral são projetos que, em função do tamanho e complexidade, são operados diretamente no mercado consumidor. Nesse caso existem também os projetos ligados à transferência de tecnologia, quando envolve treinamento.
A internacionalização das empresas, no âmbito do Direito, cria novas perspectivas que vão desde a proteção do produto (marca, nome, transferência de tecnologia), o transporte da mercadoria (frete, seguro, embalagens), o objeto da relação comercial (compra e venda, locação de equipamentos), a proteção das partes (garantias, créditos documentários), a circulação nos mercados externos (agência, representação, distribuição), até as modalidades contratuais de inserção em novos mercados (joint ventures, leasing, factoring, franchising, etc).

As unidades produtivas internacionalizadas deparam-se com circunstâncias totalmente desconhecidas: concorrência externa, barreiras alfandegárias, proteção das marcas, utilização de moedas diferentes, etc.

Mas, acima de tudo, os produtos não circulam somente em mercados e economias diferentes como também por sistemas jurídicos distintos: quando um empresário participa de negócios além de suas fronteiras, estará sujeito às leis dos países em que atua, e vice-versa, portanto, quando um empresário estrangeiro atua no Brasil, estará sujeito às leis brasileiras, conseqüentemente, é necessário considerar que o conhecimento das leis dos países envolvidos na negociação é de vital importância para o sucesso da operação.

Juridicamente, as opções estratégicas de uma empresa interessada na internacionalização podem ser:

  • utilizar uma trading company;
  • estabelecer um escritório de vendas no exterior;
  • estabelecer concessionárias ou subsidiárias no exterior; e
  • formar uma joint venture.
De todas as opções acima, a constituição de uma joint venture é a única que cria um envolvimento mais forte entre as empresas, é um método de cooperação entre empresas independentes criada a partir da prática negocial norte-americana (surgiu nos EUA para ludibriar a proibição de que uma sociedade anônima fosse sócia de uma sociedade de outro tipo, de responsabilidade ilimitada e limitada).

Joint ventures são formas negociais de alianças empresariais que podem ocorrer, basicamente, de dois modos: por meio da negociação de uma joint venture societária (corporate joint venture), na qual se cria, entre duas empresas, uma terceira (no país hospedeiro), à joint venture societária aplica-se a legislação do país de constituição.

No caso do Brasil, as formas societárias possíveis são a sociedade limitada e a sociedade anônima. Já a segunda opção é a negociação de uma joint venture contratual (também conhecida como consórcio ou non corporate joint venture).

A non corporate joint venture caracteriza-se por ser uma associação de interesses em que os riscos são compartilhados, porém não se forma uma pessoa jurídica, e, em geral, não existe contribuição de capitais.

A distinção entre as joint ventures societárias e as não-societárias resulta da existência, na primeira, de elementos específicos do contrato de sociedade, tais como:

  •  entrada com que os participantes contribuem para possibilitar a execução em comum do projeto ou operação;
  •  repartição dos lucros ou prejuízos;
  • o interesse comum dos participantes de que a associação atinja seus objetivos, em razão do qual exercem ou controlam a gestão do empreendimento.   
A negociação de uma joint venture, e de qualquer contrato internacional, inicia-se com os seguintes documentos:

  •  Acordo de confidencialidade: materializa um contrato de garantia de sigilo entre as partes envolvidas na negociação;
  • Memorando de entendimentos (MOU): resume e formaliza os termos de uma negociação, prevendo a futura celebração do contrato internacional (joint venture); constitui-se numa seqüência de anotações sobre uma negociação que possibilitará às partes recordarem dos termos acordados;
  • Contrato de associação: pode-se citar como exemplo o contrato que estabelece uma joint venture (acordo-base), no qual serão previstos todos os detalhes da futura associação, tais como: financiamento, prestação de serviços, licenciamento de marcas e patentes, etc.
  • Acordo de acionistas: apesar de não ser um contrato internacional, está intimamente ligado à negociação internacional, nasce juntamente com a criação de uma sociedade anônima (uma das formas societárias possíveis da joint venture), criando deveres e direitos aos acionistas.
  • Estatuto social: também não é um contrato internacional, mas está relacionado, também, à uma negociação internacional. Se a associação empresarial der origem a uma sociedade anônima, o estatuto social estabelecerá todos os direitos e obrigações dos acionistas e outros aspectos relacionados à sociedade. 
No caso específico da uma joint venture, sua negociação gera dois tipos de acordos: o acordo-base e os contratos satélites.
Segundo Basso[1], o acordo-base estabelece a instrumentalização dos elementos essenciais da joint venture, contendo os seguintes pontos:

  • a) definição do projeto (industrial, comercial, pesquisa e desenvolvimento, etc);
  • b) pretensões dos co-ventures (aonde pretendem chegar com a constituição do empreendimento comum);
  • c) estratégias de sua implantação;
  • d) tipo de joint venture a ser constituída (em caso de opção pela incorporated joint venture, qual o tipo de sociedade a ser constituída, bem como local de sua sede);
  • e) montante do capital social e se em bens tangíveis e/ou intangíveis;
  • f) direitos e deveres dos co-ventures;
  • g) independentemente do tipo de joint venture escolhida, como se procederá a sua administração (assembléia, através de um coordenador do projeto, diretoria específica, etc) e como serão escolhidos os administradores;
  • h) como proceder se necessário financiamento para o projeto;
  • i) sendo necessária a formação de pessoal especializado, como esta vai se processar, e  quem arcará com seus custos;
  • j) distribuição de ganhos e perdas;
  • k) se há necessidade de futura elaboração de contratos satélites de transferência de tecnologia, de licença de marcas, de fornecimento, etc;
  • l) duração da joint venture (prazo determinado ou indeterminado);
  • m) outras cláusulas: possibilidade de cessão do contrato, lei aplicável, data da entrada em vigor do contrato, acordos de segredo, idioma, entre outras.
Podemos citar outros exemplos de cláusulas constantes do contrato de joint venture:

  • a) qualificação das partes: identificam as partes, estabelecem a denominação social, a nacionalidade das partes, etc;
  • b) declaração de intenção das partes: nesta cláusula ficam determinados o acordo de vontade das partes, a origem do contrato e a razão da associação.
  • c) direito e deveres das partes: definição do que caberia a cada um dos co-ventures em caso de ganho, e com o que cada um responderia, em caso de perdas.
  • d) definição técnica do projeto: especificação da técnica a ser desenvolvida para a realização do objeto, além da definição técnica de etapas futuras, custos operacionais,
  • etc.
  • e) localização do projeto comum: determinação de onde este executará.
  • f) imprevisão e hardship: limitam o risco na contratação; a primeira refere-se às hipóteses de força maior, que impedem o adimplemento (execução) do contrato; e a segunda estabelece a obrigatoriedade de uma revisão periódica das condições contratadas.
  • g) lei aplicável: o contrato internacional de joint venture será regido por mais de uma lei, portanto, esse tipo de cláusula é essencial para se estabelecer as bases para solução do conflito de leis.
  • h) foro ou arbitragem: a primeira remete a solução do conflito a determinado tribunal jurisdicional de algum dos países envolvidos na contratação, já a segunda, refere-se a uma decisão proferida por um tribunal arbitral escolhido de comum acordo pelas partes. 
Os contratos satélites são instrumentos jurídicos complementares ao contrato principal, podemos citar como exemplos know-how, marketing, leasing, franchising, etc. Sua existência está vinculada à existência do acordo base, que deve fazer referência aos contratos satélites. 

Internacionalização de Empresas Médias

A maior parte da literatura que trata do tema da internacionalização de empresas se foca nas grandes corporações, especialmente no estudo das multinacionais. No caso desse tipo de empresas, geralmente o investimento em promoção das marcas consome entre 20% e 50% do marketing no país-alvo, como é o caso da Calçados Azaléia, Natura e Weril. A necessidade de projeção e a grande concorrência em alguns mercados externos fazem com que as ações de promoção tenham que ser contínuas e, ao mesmo tempo, impactantes. Dessa forma, no caso de grandes empresas, é comum a cifra envolvida na internacionalização ultrapassar a casa da dezena de milhões de reais.
Entretanto, é possível perceber um contínuo aumento da atuação internacional de empresas de menor porte. A diferença entre a concentração dos estudos e a realidade ocorre, geralmente, em função da própria dificuldade em se definir o que significa uma empresa de pequeno porte. Quando tomamos por empresas pequenas as familiares com sistema pré-industrial ou aquelas ligadas à linha produtiva de outras empresas maiores, a questão da real capacidade de internacionalização passa a ser discutível. No entanto, quando o foco é concentrado em pequenas empresas com alto conhecimento e especialização em áreas delimitadas, a internacionalização passa a ser algo viável a partir da perspectiva dos recursos disponíveis na própria empresa.

Destaca-se que esse tipo de empresa atua num sistema ampliado de produção, sendo um elo de uma cadeia maior, e não se encontrando na ponta final da produção, de forma que não precisa se responsabilizar por ações custosas, como marketing, distribuição ou atendimento ao cliente. Essa característica faz com que ela possa aproveitar a potencialidade da cadeia para se inserir, reduzindo parte significativa dos custos necessários à implementação de um projeto de internacionalização.

Entre outras razões, isso ocorre pois a pequena empresa especializada já apresenta um papel dado na cadeia produtiva, de forma que não terá que introduzir um produto novo para um mercado em que não participa da dinâmica consumidora, tanto no que tange à existência quanto à concepção do produto. Ao contrário, poderá se valer da existência de cadeias produtivas existentes em outros países e buscar sua inserção exatamente na parte em que atua. Seu maior desafio, nesse sentido, é identificar o padrão de desenvolvimento da cadeia no país em que procura atuar, bem como quais os principais mecanismos de inserção.

O fator central numa estratégia de internacionalização para esse tipo de empresa não está ligado ao grau de internacionalização que a empresa apresenta, mas o grau de internacionalização da cadeia produtiva. Quanto mais internacionalizada for a cadeia produtiva, mais facilidade terão as pequenas empresas especialistas em se tornar um elo produtivo. Dessa forma, torna-se fundamental que as empresas que queiram participar desse processo acompanhem o desenvolvimento da cadeia em termos mundiais, ao mesmo tempo em que busquem a adequação máxima de seu perfil ao perfil da cadeia.

Uma das vantagens desse tipo de ação é que ela demanda um investimento inicial muito menor. Num primeiro momento, o investimento se resume às pesquisas e prospecções de mercados, custos envolvidos em qualquer processo de internacionalização. No segundo momento, por se tratar de um elo de uma cadeia maior, o investimento no estabelecimento de uma filial ou uma possível fusão somente ocorre se a cadeia realmente estiver interessada no ingresso dessa nova empresa. Ao mesmo tempo, a cadeia produtiva somente tenderá a aceitar um novo membro na medida em que apresentar um mínimo de estabilidade e continuidade, o que diminui o risco de retorno por parte da pequena empresa especializada.

Razões para internacionalizar uma empresa

  • Diferenças das vantagens comparativas: no mundo existem grandes diferenças nos custos dos fatores de produção e essa diferença tende a estimular o surgimento de empresas que demandem uma alta concentração daqueles fatores cujos custos relativos sejam mais baixos. Se, por um lado essas diferenças tenderam a ser preponderantes durante a maior parte da evolução do sistema capitalista, atualmente, em face do aumento da interdependência econômica e do barateamento dos custos de transações, tais fatores devem ser considerados como um todo maior que, por sua vez, deve se relacionar com a própria lógica produtiva mundial.

  • Barreiras tarifárias e/ou não-tarifárias: os Estados tendem a adotar um conjunto de barreiras em relação ao comércio internacional, de forma a minimamente controlar a dinâmica econômica doméstica. Essas barreiras podem ter as mais diversas origens, legítimas (combate ao dumping, preservação de padrões mínimos de produção e consumo já solidificados no mercado doméstico) ou ilegítimas (proteção de um setor em função de sua projeção política).

Desde o surgimento do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), mas, sobretudo com o aparecimento da Organização Mundial de Comércio (OMC), os Estados-membros agora dispõem de um fórum capaz de julgar e indicar condenações aos países que não respeitarem as regras.

Por mais que isso signifique um importante avanço na liberalização comercial mundial, é algo que envolve dinâmicas maiores do que aquelas em que os empresários se vêem envolvidos em seu cotidiano. É possível abrir processos no âmbito da OMC e, inclusive, conseguir interromper uma prática comercial desleal ou mesmo alcançar o direito de retaliação.

No entanto, os processos que ocorrem na OMC devem ser entendidos mais como um exemplo do que propriamente como um caminho. Os enormes custos envolvidos nos processos, bem como o tempo demandado para todas as suas fases, fazem com que isso não possa ser entendido como uma estratégia única a ser seguida pelas empresas. Apenas empresas grandes e/ou setores extremamente bem-organizados são capazes de ingressar nesse tipo de ação; empresas de outros portes ou de setores com baixa organização devem buscar nas estratégias da internacionalização a superação das barreiras impostas, de forma que não tenham que esperar a consolidação de grandes tendências.

Fatores exógenos de influência na internacionalização

  • Governo: o comportamento de um governo pode servir como fonte de estímulo ou constrangimento à internacionalização. Questões como burocracia, mudanças constantes nas regras governamentais de tratamento de investimentos estrangeiros, e instabilidade política certamente influenciam sobre a percepção que os empresários têm acerca do futuro.

Ao mesmo tempo, não é razoável reduzir a esses fatores a decisão ou não de internacionalização. Esses fatores existem independentemente da empresa operar apenas no Brasil ou também em outros países; não defendemos aqui a idéia de que eles não tenham relevância, mas sim que seu peso não é tão decisivo quanto geralmente é defendido.
E
m termos estratégicos de longo prazo, a internacionalização inclusive aparece como uma importante alternativa para diminuir seus impactos na empresa, na medida em que a capacidade produtora e o mercado consumidor da empresa em questão passa a estar dividido em outros países, minimizando o impacto de uma mudança governamental no todo da empresa.

  • Desenvolvimento tecnológico: a manutenção do market-share depende, na quase totalidade dos setores econômicos, ainda que não em todos, da capacidade que uma empresa tem em se manter em constante desenvolvimento tecnológico.

O desenvolvimento de novos produtos ou sua adequação às necessidades dos consumidores faz com que as empresas tenham que acompanhar o estado da arte em seus respectivos setores. Essa dinâmica faz com que as empresas busquem investir no desenvolvimento de tecnologias-de-ponta, de forma a se colocar como empresas-de-ponta.

No entanto, as limitações em recursos financeiros e mesmo em capital humano para o desenvolvimento dessas tecnologias resulta na falta de investimento por parte das empresas, a não ser nos casos em que há incentivos governamentais para o mesmo.

Dessa forma, novamente a internacionalização fica dependente de uma ação do governo. Tal percepção esconde o potencial, ainda pouco explorado, de empresas que não apresentam um grande grau de desenvolvimento tecnológico quando temos por referência a média mundial.

O importante aqui é notar que, se por um lado o Brasil, em média, apresenta-se com baixa capacidade de desenvolvimento de tecnologias e mesmo no nível tecnológico atual, apresentamos um desenvolvimento acima daquele apresentado por um conjunto de outros países. Nesse sentido, quando as empresas passam a se concentrar em mercados menos desenvolvidos e exigentes podem encontrar um importante espaço de atuação.

Sob o ponto de vista do Direito, o fornecimento de tecnologia ocorre por meio das operações de transferência, na forma de negociação de contratos: cessão ou licença de  patente; know-how, assistência técnica e a formação de pessoal.

A transferência de tecnologia, juridicamente, tem proteção direta, via concessão da patente; já o know-how tem como característica uma proteção jurídica indireta, pela legislação anti-trust.

A patente é um certificado conferido pelo Estado, da concessão de privilégio que garante a propriedade do autor sobre sua invenção ou modelo industrial. A Lei de Propriedade Industrial brasileira (9.279/96) fixa os critérios de concessão da patente pelos requisitos da novidade, da atividade inventiva e da aplicação industrial.    

No geral, a marca também é objeto de uma transferência numa operação de internacionalização. A marca é um sinal distintivo, visualmente perceptível e claro. A marca deve ser depositada no país em que a empresa atuará, portanto, deve-se analisar a legislação de cada país para efetuar o registro no segmento de mercado para o qual a mesma se destine, com exceção da marca de alto renome, cuja proteção transcende o segmento de mercado original.

Por outro lado, tanto a patente quanto a marca são protegidas internacionalmente pelo acordo TRIPS da OMC (Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade industrial relacionados ao comércio), e é essa legislação, ao lado das leis internas de cada país envolvido na internacionalização, que deve ser observada nas operações de cessão de direitos industriais, licenciamento internacional de marcas, etc.

  • Cultura empresarial: a decisão pela internacionalização geralmente se dá em empresas que já apresentam uma cultura empresarial consolidada, de forma que são capazes de estruturar um bom planejamento estratégico. Dentro dessa perspectiva, ganha destaque a política que a empresa adota em relação aos recursos humanos; é importante que haja um constante estímulo ao desenvolvimento de novos projetos e à valorização das pessoas envolvidas. Com isso, espera-se que todos estejam dispostos a se envolver em projetos que apresentam riscos de natureza diferente daqueles que enfrentam quando as operações ocorrem apenas no âmbito nacional.

No caso de empresas médias, é importante o envolvimento de todos os setores visto que os esforços tenderão a se concentrar em um departamento, quando não em um profissional. Essa concentração pode representar um risco para o sucesso da internacionalização na medida em que a empresa poderá não conseguir atender a todas as demandas do processo não em função da ausência dos recursos demandados, mas por conta da sua não-disponibilidade.

Diplomacia Econômica

O Estado, especialmente no caso brasileiro, é constantemente chamado a participar ativamente do sistema produtivo e comercial. Alguns setores, como a siderurgia e as indústrias de base, apresentam um histórico no qual se pode ver o governo brasileiro como dono de parte das empresas.

Não se trata, aqui, de chamar o governo a participar no sentido de delimitar padrões e regras, ou auxiliar o setor com subsídios direcionados ou mesmo com barreiras comerciais. Ao contrário, o governo envolve-se diretamente na produção (como pode ser visto em casos como o da Petrobrás) em função das concepções ideológicas que se desenvolveram no país e da falta de recursos necessários para que o mercado desenvolva por si só alguns setores.

O que se deve destacar com essa tendência brasileira é que os empresários, mesmo quando atuando em setores que não estão à sombra do Estado brasileiro, tendem a perceber no governo um aliado interveniente. Quando pensamos nas questões internacionais, especialmente na atuação das empresas brasileiras no mercado mundial, o Estado é novamente chamado a participar, e com o mesmo vício de atuação apresentado no mercado doméstico.

Os empresários brasileiros, com raras exceções, encontram no Estado o promotor de sua inserção internacional, procurando diminuir, assim, os riscos envolvidos numa internacionalização.

O Ministério das Relações Exteriores (MRE/Itamaraty), por meio de suas embaixadas e consulados, é constantemente demandado para promover os produtos brasileiros, bem como para combater possíveis distorções de mercado ou proteções ilegítimas de outros países.

Existem alguns problemas com essa concepção. De um lado, a limitação dos recursos disponíveis para as representações oficiais brasileiras no exterior faz com que apenas alguns setores possam ser efetivamente promovidos. Por outro lado, a promoção genérica de uma marca Brasil não apresenta retorno em função da própria lógica produtiva atual, com cadeias produtivas dispersas pelo globo.

Ao mesmo tempo, a função do MRE é representar politicamente o Brasil. Os diplomatas estão envolvidos com a manutenção do bom andamento das relações entre o Brasil e o país em questão. Dessa forma, não deve se esperar que os diplomatas estejam disponíveis para todos os setores produtivos brasileiros, de forma a brigar para cada um deles caso haja necessidade.

A natureza das negociações conduzidas pelo MRE, justamente por estarem voltadas para a manutenção de uma relação amistosa em um nível macro, faz com que as negociações micro possam ser frutos de barganhas cruzadas, ou seja, o MRE pode decidir ceder em um determinado ponto para alcançar outro. Dessa forma, deixar a cargo do MRE as negociações comerciais cotidianas, bem como a promoção de setores produtivos e a internacionalização de empresas é, no mínimo, limitador da capacidade comercial brasileira.

Isso não quer dizer que a diplomacia não deve ser considerada ou mesmo deve ser tratada como uma inimiga dos setores produtivos brasileiros. Ao contrário, ela deve ser entendida como uma importante aliada, mas apenas a partir do momento em que empresários e diplomatas conseguirem convergir em suas leituras de mundo.

É dentro desse contexto que surge a idéia de Diplomacia Econômica. O objetivo aqui é procurar usar a existência de canais oficiais de comunicação (e para isso outros ministérios são considerados, como Indústria, Desenvolvimento e Comércio; Fazenda; e Agricultura, entre outros) para a promoção de empresas brasileiras. Um dos principais objetivos é conseguir uma mútua promoção: a diplomacia promove o potencial econômico do país, ao mesmo tempo em que ela é promovida pela força desse mesmo potencial econômico. Importante notar que esse é um movimento que atende a interesses diversos, portanto não deve ser entendido como uma obrigação exclusiva por parte do governo brasileiro. O investimento no desenvolvimento das ações ligadas à Diplomacia Econômica deve ser rateado entre os diversos atores envolvidos.

Um problema que ainda existe para o desenvolvimento de uma Diplomacia Econômica brasileira está na tensão existente entre o MRE e outros ministérios. Ainda se pode perceber no Brasil uma luta por parte dos diversos ministérios no que tange à formulação de política externa e da manutenção das relações internacionais. Por um lado o MRE continua a demandar exclusividade na condução de todas as questões internacionais, por outro, alguns ministérios, notadamente o MDIC, lutam por uma participação maior nas questões comerciais internacionais. Caso os empresários decidam deixar que o governo encontre seu próprio caminho para somente então defender a existência de uma Diplomacia Econômica, estarão se deixando à mercê de forças que não controlam.

Pressionar pela criação de mecanismos e/ou instituições que promovam o sistema produtivo brasileiro no mundo é um dos primeiros passos para o fortalecimento da internacionalização das empresas e da própria economia brasileira.

É importante perceber que essa dinâmica deve ser construída em conjunto com os empresários e o governo, sobretudo na medida em que serão demandados dos diplomatas e outros representantes governamentais um conjunto de ações e atividades de natureza privada, ou seja, que não estão ligadas ao que um funcionário público geralmente faz, de forma que não necessariamente deve-se esperar que tal funcionário tenha a qualificação técnica necessária para o desenvolvimento dessas novas atividades.

Entre as atividades previstas estão o tratamento da legislação local de forma a auxiliar as empresas em sua entrada no mercado-alvo, a identificação de oportunidades comerciais, a organização de road-shows e outras formas de exposição dos produtos, o tratamento de informações de natureza econômica e produtiva no sentido de transformá-las em informações aplicáveis à tomada de decisões por parte das empresas, entre outras.

O sucesso dessas ações está diretamente ligado à disposição que governo e iniciativa privada têm para sustentar projetos de internacionalização. O objetivo nesse momento não deve ser encontrar culpados que constranjam o processo, ao contrário, é unir esforços para o desenvolvimento de conhecimento e instrumentos necessários para uma melhor inserção internacional das empresas brasileiras.

O potencial mundial foi aberto, gostemos ou não. Agora a questão é descobrir quem pode e quem quer aproveitá-los.

[1] BASSO, Maristela.Joint venture: manual prático das associações empresariais .Porto Alegre: Livraria do advogado, 1998.

Rodrigo Cintra é Diretor da Focus R.I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais; Vice-presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo; professor de Cooperação Internacional no Unibero.

Barbara Mourão é advogada, professora de Direito Internacional no Unibero, mestre em Direito Internacional-Unesp.


Originalmente publicado em:
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)
Ensaio
Ano V, nº 53 – novembro de 2005