Atuação internacional das cidades e OMC

03/11/2005 0 Por Rodrigo Cintra
Para melhor compreender o novo cenário internacional no qual deverão se inserir os atores internacionais – dentre os quais se incluem os governos subnacionais –, faz-se necessário antes mapear tanto o perfil particular de cada ator com as características fundamentais do sistema como um todo.

Diante disto, tem-se que “a estrutura da economia global é produzida pelas dinâmicas da competição entre agentes econômicos e entre os locais (países, regiões, áreas econômicas) onde estão situadas. Tal competição ocorre baseada em fatores que são específicos da nova economia informacional, num sistema global articulado por uma rede baseada nas tecnologias de informação” (Castells 1996, 103).

A existência de instituições internacionais capazes de oferecer parâmetros que orientem o comportamento dos atores internacionais dependem de alguns pontos: a existência de interesses mútuos, uma relação entre os atores numa perspectiva de longo prazo e a reciprocidade entre os atores de acordo com os padrões coletivamente determinados (Woods 2001). Uma vez presentes estes pontos, torna-se possível o mapeamento de forças e tendências que tenderão a contribuir para a formação futura do sistema internacional e, portanto, da própria lógica que marcará o comportamento dos atores internacionais.

O sistema internacional pós-Guerra Fria, neste sentido, é profundamente marcado por transformações estruturais que levam à necessidade de reinterpretarmos as relações internacionais. Do surgimento de novos atores – como é o caso dos atores subnacionais – ao aumento significativo da importância da pauta econômica como linha condutora das diversas formas de inserções internacionais (Gilpin 1987), o que se pode perceber atualmente é a necessidade de desenvolvimento de novas alternativas, voltadas para a maximização dos potenciais criados.

Globalização

As novas condições abertas pelo fim da Guerra Fria e pela consolidação dos fenômenos ligados à chamada globalização (financeira e produtiva) criaram condições que, mesmo sendo grandemente herdeiras da estrutura internacional do passado, aprofundam questões como a interdependência econômica.

Neste sentido, o fenômeno da globalização é marcado primordialmente por três pontos:

(1) Internacionalização: aumento das transações entre Estados como reflexo dos fluxos de investimento e comércio; este processo é facilitado pelos acordos inter-governamentais e por políticas domésticas direcionadas para sua facilitação;

(2) Revolução tecnológica: o avanço tecnológico (satélites, internet, computadores) fez com que os fatores distância e localização perdessem parte de sua centralidade;

(3) Liberalização: trata-se das políticas governamentais voltadas à diminuição do papel do Estado na economia (desregulamentação, privatização, abertura comercial).

Como resultado, houve o aumento da interdependência e da interconectividade, o que levou à elevação da sensibilidade dos diversos atores internacionais sobre as questões que os envolvem diretamente ou mesmo indiretamente. Diante deste cenário, surgiu uma maior pressão para o estabelecimento de instituições internacionais capazes de promover uma maior regulamentação, cooperação e previsibilidade das questões econômicas internacionais – como é o caso do GATT/OMC.

Novo cenário internacional

Em face do atual cenário internacional, o resultado da competição econômica será dependente de quatro fatores: (1) capacidade tecnológica; (2) acesso a um mercado grande e integrado; (3) diferença de custos de produção no local da produção e nos locais de venda; e (4) da capacidade política das instituições nacionais e supranacionais executarem tarefas ligadas ao crescimento econômico de suas respectivas áreas.

Por outro lado, as Organizações Internacionais[1] vêem cada vez mais assumindo uma posição de destaque nas relações internacionais contemporâneas. Além das finalidades específicas das organizações, os Estados procuram aderir a essas organizações dada a atual configuração do sistema internacional, no qual existe uma certa homogeneidade de macro-tendências que se solidificam nestas organizações. Desta maneira os Estados procuram, por meio das organizações internacionais, participar, modificar, influenciar, antecipar, e/ou prever as políticas que darão rumo à ordem internacional.

OMC

Os policymakers do pós-Segunda Guerra Mundial estavam convencidos de que uma das razões que levara o mundo a um dos maiores conflitos da história da humanidade foi a disputa comercial travada pelos principais países nesse período (Seitenfus 2000, 159-60); diante disto criaram o GATT, no intuito de criar um conjunto de normas que pudessem reduzir as tensões internacionais.

Com o passar do tempo e o aumento substancial do fluxo comercial internacional o GATT se mostrou desprovido dos mecanismos necessários para o tratamento das questões e disputas econômico-comerciais. Desta maneira, surge a rodada do Uruguai em 1994 que tinha como pauta a redução de mais de um terço das tarifas de todos os produtos, inclusive agrícolas, até o ano de 2000; a inserção de novos temas para negociação; e a liberalização do setor de serviços. A partir desse momento e da instituição de um Órgão de Solução de Controvérsias, o GATT, após meio século de atividades, dá lugar à consolidação de uma organização de fato e de júri: a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Um desafio enfrentado pela OMC e que exerce influência nos canais de comércio mundial e local é a questão de que os países menos desenvolvidos do mundo continuam a reclamar por tratamento diferenciado, tanto sobre o seu acesso aos mercados mais desenvolvidos e centrais, quanto sobre as tarifas que deverão proteger seus mercados.  Para isso faz-se necessário um maior fortalecimento dos países em desenvolvimento – como é o caso do Brasil –, o que pode ocorrer em face de uma atuação mais participativa por parte dos municípios, ou seja, caberia aos municípios a identificação das demandas comerciais locais, buscando-se potencializar tais demandas por meio dos canais institucionais domésticos e dos mecanismos da OMC (panels).

Uma vez entendida a dinâmica econômica internacional, deve-se passar para a análise de sua institucionalização, ou seja, é no nível das organizações internacionais que se encontra a materialização das principais regras e tendências internacionais.

 “Em seu nível de maior abstração, a noção de um quadro de referência ou de uma estrutura histórica é um retrato de uma particular configuração de forças. Essa configuração não determina ações em nenhuma direção ou de forma mecânica, mas impõe pressões e constrangimentos. Os indivíduos ou grupos podem se mover de acordo com as pressões ou resistir e opor-se a elas, mas não podem ignorá-las (…). Três categorias de forças (com expressão potencial) interagem numa estrutura: possibilidades materiais, idéias e instituições” (Cox 1986, p. 217-8).

É importante analisar a relação dos municípios brasileiros com a OMC. Isto se deve eminentemente ao fato de que as políticas e resoluções dessa organização afetam diretamente as economias locais e toda a suas respectivas cadeias produtivas. Desta forma faz-se necessário que os grupos de representação econômica, comercial e produtiva interna saibam lidar com os fatos da realidade que a OMC envolve.

Sendo assim, o propósito central de uma abordagem nesta perspecitva é desenvolver os canais que possibilitem aos entes federados brasileiros criarem mecanismos capazes de antecipar aos seus quadros políticos internos as políticas comerciais que lhes afetarão num futuro próximo, bem como preparar meios suficientemente eficazes para uma transição e adequação menos onerosa e mais vantajosa às regras e padrões estabelecidos por essa organização, uma vez que a relação tempo-custo tende a ser cada vez maior, ou seja, os governantes terão um tempo maior para consolidar o processo de mudanças, permitindo uma melhor absorção das pressões por mudanças.

Bibliografia

CASTELLS, Manuel. The rise of network society (vol. I). Massachusetts. Blackwell Publishers Inc., 1996.
COX, Robert. “Social forces, states and world orders: beyond international relations theory” in KEOHANE, Robert. Neorealism and its critics. New York. Columbia University Press, 1986.
GILPIN, Robert. The political economy of International Relations. Princeton. Princeton University Press, 1987.
SASSEN, Saskia. Los espectros de la globalización. Buenos Aires. Fondo de Cultura Económica, 2003.
SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2000.
VAZ, Alcides. Cooperação, integração e processo negociador – a construção do Mercosul. Brasília. FUNAG/IBRI, 2002.
WOODS, Ngaire. “International political economy in an age of globalization” in BAYLIS, John & SMITH, Steve. The globalization of world politics. Oxford. Oxford University Press, 2001.
Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1986.

__________________________
[1]
Pode-se defini-las como “uma sociedade entre Estados, constituída através de um Tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns através de uma permanente cooperação entre seus membros” (Seitenfus 2000, 27). Já Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1986 as define como: “uma organização intergovernamental” (art. 2).

Originalmente publicado em:
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)

Política
Ano V, nº 53 – novembro de 2005