Parlamento do Mercosul: retórica ou esperança?

06/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
O processo de integração dos países que formam o Mercosul apresenta uma grande instabilidade, algo que prejudica o próprio aprofundamento da integração. Desde seu surgimento, grandes objetivos foram colocados, mas proporcionalmente pouco foi feito para se alcançar esses mesmos objetivos.

Em grande medida isso se dá em função do voluntarismo do processo, que depende muito da disposição dos presidentes dos países-membros para mostrar avanço ou mesmo retrocesso. Esse voluntarismo, por sua vez, está muito ligado à agenda política doméstica dos países.
Casos como a crise entre Argentina e Brasil com relação à linha branca podem ser encontrados ao longo da história do Mercosul. O problema não está no surgimento de conflitos como esse, algo natural em qualquer processo de integração, mas na forma como as sociedades encaram esses conflitos.
Em geral o que se vê é um tratamento simplista e bastante enviesado das posições adotadas por cada lado, como se estivéssemos num caso puro de conflito comercial. É importante observar que, num processo de integração, o mais importante é desenvolver mecanismos e encontrar soluções que possibilitem a superação do conflito com um mínimo de trauma no relacionamento como um todo.
Porém não é isso que se percebe quando analisamos o posicionamento adotado pela mídia e, em conseqüência, por grande parte da população. Em geral diz-se que a posição do outro país é inaceitável e que não está respaldada em parâmetros minimamente aceitáveis.
Com a população adotando posicionamentos mais simplistas como esses, torna-se bastante complicado para um governante se colocar de forma contrária. Os custos políticos envolvidos em tentar desenvolver um posicionamento mais favorável à manutenção do processo de integração apresentam-se como demasiadamente grandes.
Dessa forma, podemos perceber que o voluntarismo dos presidentes com relação ao Mercosul encontra respaldo na própria lógica política doméstica. Com isso forma-se um ciclo vicioso no qual os governantes não conseguem se comprometer com o Mercosul no longo prazo pois suas respectivas populações não dão apoio político; e estas não dão o apoio necessário pois não conseguem ver no Mercosul uma política interessante e sustentável para seus interesses.
Conseguir romper com esse ciclo é algo vital para construirmos uma integração forte e que seja capaz de trazer benefícios para todos os membros. Nesse sentido, surge como algo interessante a recente proposta de formar o Parlamento do Mercosul, feita pelo deputado uruguaio Roberto Conde, presidente da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul.
A idéia é criar o Parlamento já em 2007, sendo que em 2011 já apresentaria eleições diretas para os parlamentares. Por enquanto há apenas conversas entre os corpos diplomáticos dos países-membros, ainda assim deve-se observar que é uma idéia formalmente lançada, o que gera expectativas.
Nesse cenário, aparentemente uma nova possibilidade se abre para o deslanchar do processo de integração no cone sul-americano. A existência de parlamentares mercosulinos pode fazer com que parte das decisões do processo de integração saia do controle dos poderes Executivos, tornando-se algo mais autônomo. Ao mesmo tempo, a existência de um novo fórum de debate sobre o Mercosul pode ajudar a formar uma base mínima de discussão sobre a integração, modificando o comportamento simplista que a opinião pública tem apresentado.
Por outro lado, não podemos nos iludir acreditando que esse será um processo fácil. Como já apontado, em geral tendemos a colocar objetivos maiores do que aqueles que conseguimos conquistar ou que estamos dispostos a investir. Um parlamento exige gastos financeiros e políticos. A questão que fica é o quanto os governantes conseguirão levar esse projeto adiante.
* Rodrigo Cintra é Diretor da Focus R. I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais e Vice-presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo.


Originalmente publicado em:
Boletim Informativo da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo
Outubro de 2005
www.camarbra.com.br