Reforma do Estado: Correções Sistêmicas vs. Alterações Estruturais

06/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
Resumo: O texto aborda a questão da reforma do Estado brasileiro, para tanto discute a questão da Assembléia Nacional Constituinte e suas percepções sobre o formato ideal do Estado; a estrutura federal e a autonomia dos entes federados, e suas relações com constantes crises institucionais; e, por fim, discute-se a questão de um projeto nacional e sua relação com a concepção de Estado desenvolvida no Brasil. Toda essa discussão é confrontada com um cenário político e econômico em mutação, discutindo as perspectivas atualmente apresentadas sobre a reforma do Estado.

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue n’esta hora o brigue immundo
O trilho que Colombo abrio nas vagas
Como um iris no pélago profundo!
Mas é infamia de mais!… Da etherea plaga
Levantai-vos, heroes do Novo Mundo!
Andrada! Arranca esse pendão dos ares!
Colombo! Fecha a porta dos teus mares!
Castro Alves (O Navio Negreiro)

No Brasil, desde a promulgação da Constituição de 1988, identificamos problemas das mais diversas ordens (econômicos, políticos, administrativos, sociais…) e as estruturas constitucionais aos quais estariam ligados. Assim, a falta de representatividade política adviria da ausência do voto distrital e da falta de fidelidade partidária; os problemas tributários seriam resultado de uma estrutura confusa e onerosa para o contribuinte; e assim por diante.

Nesse clima, um conjunto gigantesco de estudos e propostas vem sendo apresentado, todos procurando opinar sobre as reformas pelas quais o Estado brasileiro deve passar a fim de corrigir esses vícios constitucionais. Para conhecermos um pouco melhor a crise pela qual passamos, devemos colocar-nos uma série de perguntas: Será tudo culpa de uma constituição mal-estruturada ou existem fatores mais profundos? Uma vez reformado o texto constitucional, as instituições passarão a funcionar da forma como é previsto no nível teórico? Quem estabelece, e de que forma, a profundidade das reformas? O Congresso Nacional é capacitado para empenhar a reforma do Estado ou seria necessária a convocação de uma nova Assembléia Nacional Constituinte?

Seria muita pretensão tentar responder a todas essas questões. Elas não devem ser buscadas nas idéias dos intelectuais nem nas ações dos políticos: devem ser resultantes de um debate sério e profundo que pode ocorrer na sociedade. Digo pode, pois esse debate nem sempre ocorre naturalmente; muitas vezes, e acredito que esse é o caso brasileiro atual, devem ser estimuladas pelo governo (com todas as suas unidades estatais) e pelos diversos atores sociais já organizados (como as organizações da sociedade, as universidades e os núcleos econômicos).

Aproveito a oportunidade deste texto para apresentar-lhes algumas reflexões introdutórias sobre a reforma do Estado. Desde já esclareço que não apresento modelos e sugestões de reformas pontuais a serem feitas; ao contrário, procuro destacar alguns elementos que devem ser de domínio corriqueiro daqueles que pretendem discutir seriamente essa questão. Em termos mais amplos, acredito que uma reforma do Estado brasileiro não conseguirá alcançar um sucesso duradouro sem que antes discutamos o que é o Brasil.

Lembro que o pensamento mecanicista e suas respectivas ações imediatistas, mais do que promoverem mudanças estruturais, trabalham apenas com conseqüências sistêmicas. Neste texto, ver-nos-emos questionados não só quanto às reformas técnicas que devem ser feitas, mas, sobretudo, quanto à estrutura da sociedade brasileira. Para pensarmos o Brasil, nos ensina o professor Francisco de Oliveira (2001), devemos pensar (1) com radicalidade, para romper com o minueto constantemente repetido, e levando em conta (2) a especificidade brasileira.[1]

O tamanho ideal de um Estado não pode ser dado somente em face de argumentos filosóficos ou mesmo políticos: deve ser resultado do desenvolvimento das relações entre sociedade, mercado e Estado em face do dever-ser. Ainda que discutir o “tamanho” do Estado possa ser apenas uma brincadeira com palavras – expressando a realidade somente por meio de uma simplificação tão grande que inviabiliza qualquer reflexão mais séria –, aproveito esta introdução para apontar o que cada um desses conceitos significa, e somente então partiremos para uma análise mais complexa da realidade. Nesse sentido, por Estado grande entendo aquele que tem um orçamento grande (em termos relativos ao PIB) e, portanto, um corpo funcional igualmente grande. Já o Estado forte é aquele cujas ações afetam necessariamente a estrutura social e as relações sociais (que inclui, além das questões ligadas à defesa da privacidade, aquelas da cidadania e do mercado).

De qualquer forma, somente se baseados em tipos ideais weberianos podemos dizer que um tipo de Estado é ruim e outro, bom. Cada Estado deve ser considerado bom quando está integrado com a sociedade, sendo um meio para promover o bem-estar da população. Talvez um dos maiores problemas de se conceber o Estado dessa forma dinâmica seja a necessidade de pensar temporalmente, ou seja, além de observarmos a adequação que tem com a sociedade no presente, também devemos levar em consideração os possíveis desdobramentos nos futuros próximo e distante.

O Estado moderno é fruto de um contexto especial; portanto, não é uma “evolução natural” da organização social. De qualquer forma, em sua vertente mais abstrata e genérica ele foi adotado em todas as regiões do globo. Essa advertência introdutória é importante, pois nos força a lembrar que o Estado é uma instituição e não uma forma de organização social. Para entendermos a real importância disso, comecemos nosso estudo pela formação do Estado brasileiro recém-democratizado.

Após duas décadas de regime militar (1964-1985), o país vem sendo lentamente redemocratizado. Como democracia não é simplesmente um sistema técnico de escolha de governantes, a instauração das eleições sozinha não é suficiente para concretizá-la. Diante disso, durante o governo do presidente José Sarney foi convocada uma Assembléia Nacional Constituinte, com o propósito de escrever uma nova Constituição brasileira.

Os membros da Assembléia Constituinte representavam as mais diversas correntes políticas que atuavam no Brasil de então e foi o espaço privilegiado para a exposição dos desejos e anseios dessa elite política. Lá podemos encontrar desde defensores do antigo clientelismo patrimonialista até liberais radicais. A despeito de todas essas diferenças, a arraigada mentalidade de dependência do brasileiro para com o Estado – segundo a qual acredita-se que o Estado é capaz de resolver todos os problemas particulares dos cidadãos – fez que as principais correntes políticas presentes à Assembléia procurassem o aumento do estatismo, ou seja, da presença dos aparatos estatais nas várias dimensões da vida.

A Constituição de 1988 refletiu essa cultura política, acabando por repetir outra característica brasileira, que é a de distanciar o discurso da prática. Criaram-se enormes estruturas estatais e paraestatais para satisfazer os desejos dos constituintes, uma vez que eles acreditavam que a submissão de várias práticas da vida social às normas constitucionais seria suficiente para garantir sua padronização e efetivação. Ao não se ocuparem mais especificamente com a funcionalidade e a aplicabilidade das macropolíticas que foram colocadas na Constituição, os constituintes findaram por postergar a resolução de uma série de problemas políticos, sociais, tributários e econômicos. São esses problemas que, potencializados pelas mudanças no sistema internacional e na estrutura social, hoje colocam a necessidade de pensarmos em uma profunda reforma do Estado brasileiro.

O casuísmo foi um dos principais impulsionadores das atividades constituintes, de forma que o texto constitucional acabou por tornar-se desconexo, omisso e até mesmo conflitante. Dentre os problemas do texto, dois são fundamentais para discutirmos a reforma do Estado – ainda que não estejam ganhando a devida atenção: o sistema de governo e o pacto federativo.

A Assembléia Constituinte desenvolveu seus trabalhos com uma forte tendência ao parlamentarismo; porém, já próximo ao final de seus trabalhos, reverteu-se essa tendência, de forma que o sistema presidencialista foi adotado. Em face da dificuldade de construção do texto constitucional e do aumento da pressão popular (que começava a ficar descrente quanto ao sucesso da Constituinte), não houve tempo suficiente para “corrigir” as disposições constitucionais sobre o Poder Legislativo, adequando-as ao sistema então adotado.

O resultado disso foi o estabelecimento de uma série de disposições sobre as competências do presidente da República e do Congresso Nacional que não poderiam ser harmonicamente conjugadas. Entre elas, destaca-se a capacidade de legislar, o que gerou um sistema que não é nem presidencialista nem parlamentarista. É por isso que a medida provisória, que deveria ser um recurso para casos de excepcional urgência, tornou-se algo corriqueiro; por outro lado, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são a forma de o Congresso Nacional sobressair-se diante da opinião pública.

Mesmo naqueles casos nos quais o Poder Legislativo desempenha sua função de legislar, ele é minimizado, uma vez que os efeitos que serão produzidos pela lei nem sempre estão diretamente relacionados a ele. Isso ocorre porque as nomeações/demissões e a liberação de verbas estão sob controle do Poder Executivo, que tem o poder prático de administrar a aplicação das normas.

A despeito desses vícios legados pela Constituinte, seu trabalho é fundamental, pois nele expressa-se um projeto normatizador de país. Os países apresentam desenvolvimentos reais e potenciais. Enquanto os primeiros são resultantes imediatos de um longo processo histórico de elaboração de uma cultura política adequada (ou não) a um modelo de Estado e de mercado, o crescimento potencial envolve a capacidade de formulação de um projeto nacional articulado, de forma a conseguir arregimentar a sociedade e as instituições para a sua execução. Uma Constituição engloba não só a normatização de algumas das práticas da sociedade, mas também alguns dos objetivos que possa ter essa sociedade.

A Assembléia Constituinte decidiu pela manutenção do sistema federal, mas não ocupou-se do necessário para a reformulação do pacto federativo. Ao não promover um novo pacto federativo, a sociedade brasileira[2] permitiu que a estrutura estatal entrasse em uma situação de pré-colapso, na qual hoje vivemos. Para explicarmos isso, devemos partir da implementação do sistema no Brasil.

O federalismo foi implantado no Brasil pela Constituição republicana de 1891, e em seu artigo 5º dava a incumbência à cada estado de “prover, a expensas próprias, as necessidades de seu governo e administração”. Dessa forma, podemos perceber que o nascimento do federalismo foi algo imposto pelos constituintes republicanos; no entanto, algumas décadas depois já mostrava sua realidade, como fica explícito por meio do abrupto aumento dos dispositivos que determinavam as competências da União (ver Tabela 1).

Esse aumento dá-se a expensas dos dispositivos dos estados, que não têm autonomia muito maior do que a de que dispunham as províncias. A questão central, nesse sentido, não é a possibilidade de eleger uma autoridade local, mas a extensão de suas prerrogativas. “As grandes diretrizes legislativas, a elaboração dos grandes projetos administrativos, sociais e econômicos são todos da alçada do governo central; basta que se examinem os artigos 21 e 22 da Constituição Federal” (SILVA, 1989, p. 135).

Tabela 1: Evolução constitucional dos dispositivos sobre as competências da União

Constituição

Dispositivos

1891

6 (art. 9°)

1934

41 (arts. 5° e 6°)

1937

11 (arts. 14 e 15)[3]

1946

33 (art. 5°)

1967

43 (art. 8°)

1988

61 (arts. 21 e 22)

Não nos basta, todavia, pensar a Federação brasileira somente por meio de sua constituição legal: precisamos abordar o real funcionamento desse sistema na sociedade. Acompanhando o pensamento do cientista político Umberto Cerroni (1993), encaramos o Estado moderno como um sistema político representativo. Dessa forma, ainda que tecnicamente o Estado signifique o ordenamento jurídico e político de uma determinada soberania-povo-território, não podemos entendê-lo apenas por meio de sua dimensão jurídica ou política. O principal elemento para entendermos o desenvolvimento de um Estado específico é a correlação entre o desenvolvimento de um povo (processo no qual percebe-se a nação) e sua identidade formada geo-histórica e socioeconomicamente.

Existe uma história verdadeira – que bem poderia ser uma anedota – que demonstra a complexidade legal brasileira, que permite que os governos sempre encontrem recursos para eximirem-se da responsabilidade que são dotados: a proteção dos jacarés no Brasil segue esta lógica: “se o bicho estivesse dentro d’água, a competência seria da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe); se na beira do rio, seria da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema); e, se um pouco adentrado à terra, a competência seria do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) (…). Não será demais lembrar que até poucos anos atrás dispúnhamos de um órgão denominado Comissão Executiva da Mandioca” (SILVA, 1989, p. 128).

A complexidade institucional brasileira facilmente transforma-se em crise institucional ou em omissão estatal. Sendo isso verdadeiro e negando a idéia de que a democracia é somente um sistema de escolha de governantes, devemos proceder à análise da democracia.

Existem quatro referenciais básicos que podem nos apontar a existência de uma democracia: (1) divisão entre os três Poderes; (2) extensão dos direitos individuais civis e públicos; (3) participação popular; e (4) representação popular. Já o conteúdo democrático (cultura política) só estará presente se esses referenciais forem aplicáveis em si mesmos, ou seja, não podem ser controlados por elementos externos a eles. Nesse caso, teremos formas de governo oligárquico disfarçado de democracia.

O ideário democrático, com sua origem na polis grega, tende a anular a diferenciação entre governantes e governados; assim, só seria realmente alcançado quando todos participassem igualmente nas decisões políticas. Diante da complexidade do mundo contemporâneo e do incrível aumento nas concentrações populacionais, esse ideário seria realizado indiretamente, por meio da criação de canais diretos de participação. Isso também encontrou problemas em sua efetivação, pois para participar com a profundidade que é requerida nesse caso o cidadão deveria dedicar tanto tempo para as questões públicas que pouco ou nenhum sobraria para seus afazeres particulares.

As grandes concentrações populacionais também impediriam o funcionamento de um sistema de participação direta, pois o tempo necessário para articular os cidadãos em torno de cada uma das questões a ser deliberada seria de tal ordem que as funções governativas ver-se-iam constantemente paralisadas. Em face dessas dificuldades, surgiu a democracia indireta, na qual são escolhidos alguns membros que se ocuparão das questões do governo em nome dos demais.

Não precisamos de estudos mais detalhados para perceber que a democracia brasileira ainda se apresenta num estado rudimentar. A despeito dos enormes avanços técnicos que encontramos no processo democrático brasileiro (de urnas eletrônicas e e-mail dos governantes aos Tribunais de Contas e Ministério Público), a participação popular efetiva e a representação popular ainda encontram diversos entraves no nível da cultura política. Isso, aliado ao que ficou identificado por globalização (voltaremos a esse tema em “Globalização: algumas notas”), ajuda na legitimação do discurso de reforma do Estado. Vejamos algumas de suas implicações.

Os grupos mais radicais, conhecidos por neoliberais e ultraliberais, defendem a tese de que o Estado é prejudicial sempre que intervém na economia, lesando a melhor alocação dos recursos. Assim, colocam-se numa posição de ataque em relação ao Estado. No momento em que ocorre a globalização, porém, o Estado não pode mais ser entendido como inimigo; ao contrário, tem de ser o aliado que, ao receber apoio e se fortalecer, poderá agir em prol daquelas organizações, presas ao nível nacional, que o apoiaram. Mas como centrar-se no Estado justamente no momento em que ele vem sendo fortemente criticado?

É importante lembrarmos que a política é, por definição, o reino do discurso e que, dessa forma, tal pergunta só é cabível dentro de um determinado discurso. O que propomos neste trabalho é justamente o debate, ou seja, a presença ativa de vários discursos político-econômicos.

O aumento da rapidez dos fluxos de informação e produção, que promovem mudanças igualmente rápidas da organização social e na forma como os atores compreendem essa organização, faz que movimentos antes identificados com valores universalistas agora vejam-se ligados a questões mais localizadas. Dessa forma, as associações sofrem alterações, e assim antigos parceiros podem se encontrar em lados distintos agora, e vice-versa.

O novo localismo, mais do que ligado a questões culturais e/ou étnicas (a não ser em alguns países que estão vivenciando a passagem de estruturas tradicionalistas para modernas), está ligado ao cotidiano e a suas condições de reprodução (como bem mostra a grande atenção dada a questões como o desemprego, a educação e a saúde). Ao privilegiar as práticas do cotidiano, as instituições/organizações devem procurar ligar-se com aquelas envolvidas diretamente com ele, o que coloca a burocracia e o aparato estatal num outro prisma.

Em geral, a percepção de uma crise do Estado é generalizada; no entanto, a profundidade da crise é muito discutível. Temos atualmente a percepção de uma crise muito aguda, pois há uma convergência de discursos colocando seus elementos institucionais em questão, o que diminui a legitimidade dada ao pacto social. Destarte, até mesmo as leis estão sendo privatizadas (só são obedecidas quando benéficas no imediato). Se entendemos o Estado – o que só deve ser aceito em alguns casos teóricos, para a prática de estudos específicos – como um sistema de administração, é importante manter em mente que a administração envolve o que é administrado (bem público), o administrador (grupos que estão no poder institucional) e o objetivo da administração (manutenção de um projeto político). Ou seja, em última análise o Estado serve, neste sentido, para a preservação de um determinado status quo ou para sua substituição.

Dessa forma, o Estado sempre esteve em xeque, pois representa e força a observância de um projeto nacional – a não ser que haja uma crise que impossibilite a formulação de projetos nacionais, levando ao desmonte do Estado entre os vários grupos que conseguem dele se aproximar. A tendência, em um Estado que tem um projeto nacional, é transformar os objetivos políticos do grupo que o domina em demandas sociais, garantindo a legitimidade necessária à promoção desses objetivos.

É a ausência de um projeto nacional articulado no Brasil que faz que o Estado pareça (e, nesse sentido, de fato esteja) em uma profunda crise; permitindo um discurso tecnocrático no qual as políticas adotadas são apresentadas como não-políticas. Essa tecnocratização leva a um acentuamento da crise institucional do Estado, uma vez que o questionamento da sociedade civil passa a ser dirigido para a estrutura estatal e não para os governantes, colocando-se a cidadania como a abóbada da velha catedral gótica, abraçada tanto pela esquerda quanto pela direita.

O que achamos ser o atual questionamento do Estado pelas “inexoráveis forças da globalização” faz parte da concepção do mundo vigente, que tenta descartar algumas funções do Estado por meio de sua destruição ou repasse para a sociedade civil. O Estado é uma identidade política. Dizer que ele está perdendo sentido é muito, posição que peca pela simplicidade pois resume-o à condição de um centro de formulação de políticas econômicas. Ainda existem várias formas de desenvolvimento que dependem de escolhas no âmbito nacional, ainda que restringidas pelo nível internacional.

O Estado brasileiro não oferece serviços públicos, porém estatais. Os serviços públicos são voltados para a promoção e manutenção do espaço público; quando os serviços disponibilizados pelo Estado não são universalizáveis (seja porque não conseguem abranger toda a sociedade, como é o caso da segurança, seja porque “expulsa” cidadãos de sua prestação, como é o caso da saúde para os grupos mais abastados), o Estado está premiando/punindo determinados grupos. Isso faz que o espaço público torne-se algo ainda mais distante e intangível, mesmo porque deixa de ser preocupação do Estado e da sociedade civil: os canais de atuação política passam a ser outros que não aqueles desejados.

Pensar o Estado (tipo, escopo e tamanho) é um exercício de retórica se feito de forma isolada e fechado em si mesmo. O Estado é uma materialização das relações sociais de poder, bem como um conjunto intricado e interdependente de instrumentos que permitem que uma visão de mundo seja transformada em práticas realizadoras. Modelos formais de Estado não devem ser julgados em si, mas em suas relações com a realidade social; nesse sentido, o Estado deve ser mínimo naqueles setores sociais que têm uma articulação interna já solidificada, limitando-se ao papel de regulador da ordem. Ao mesmo tempo, deve ser máximo nos setores sociais desarticulados, fragilizados ou de estrutura incipiente. Ainda assim, não cabe ao Estado determinar e gerenciar todas as dimensões desse setor social, sob o risco de transformar-se num Estado totalitário. E em ambos os casos deve ser forte.

Os discursos reformistas, de um lado e de outro, exageram em suas posições de forma a procurar legitimidade para uma reforma muito mais profunda do que aquela que pode ser feita. Lembrando que o Estado é uma instituição e que, portanto, não deve ser o impulsionador exclusivo de uma mudança social, podemos encarar melhor essas posições. Uma corrente acredita que:

no século XX, todo o poder se definiu em relação e em função do Estado. Diante da dificuldade de desmontá-lo, o poder econômico optou por enfeudá-lo. O resultado é que o Estado continua tendo um peso relevante na sociedade, mas dele já não emanam valores políticos, e sim econômicos. (RAMONEDA, 2000, p. 54.)

A outra corrente defende a necessidade de empreender um conjunto de reformas que poderiam tirar o Estado de cima da sociedade, sem dar-se conta de que devemos nos ocupar em corrigir os fatores opressores.

O Estado perdeu parte da autonomia de ação com a globalização, mas o maior impacto foi a quebra do consenso keynesiano pós-Segunda Guerra Mundial, que dava legitimidade à intervenção do Estado nas mais diversas esferas da vida social, principalmente na econômica. O novo consenso que ora forma-se – primeiro entre as elites e, agora, na população – é o de que tanto o governo quanto a política, diante dos impactos negativos que causam (nesses momentos os bons resultados são esquecidos), são prejudiciais à apregoada eficiência alocativa dos mercados. Vale, contudo, destacar que mercado eficiente não significa, necessariamente, uma sociedade equilibrada.

De acordo com Igancy Sachs (apud BRESSER PEREIRA, 1999), o papel do Estado vem sendo discutido desde a Segunda Guerra Mundial em diferentes fases, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2: Evolução do referencial analítico do papel do Estado

Fase

Características

Regulação

(1945-1970)

– aumento da intervenção governamental;

– nacionalização;

– ampliação da regulação

Transição

(1970-1980)

– predomínio das teorias econômicas antiintervencionistas

Desregulação

(1980-atualidade)

– redução da intervenção do governo;

– privatizações e cortes orçamentários;

– desregulamentação

Dentro do raciocínio neoliberal, as propostas de Keynes e dos desenvolvimentistas que procuravam desenvolver a industrialização, o pleno emprego e o crescimento da produção aliado a uma melhor distribuição de renda perdem espaço, sendo que o equilíbrio macroeconômico e a estabilidade financeira passam a ser os objetivos centrais. Uma vez alcançados, os objetivos keynesianos seriam realizados em decorrência deles. Assim, podemos dizer que o desenvolvimento foi substituído pelo crescimento.

O programa neoliberal (que não é propriamente de origem liberal, senão em face de uma grande deturpação dos pressupostos liberais clássicos) não distingue claramente a privatização, a desregulamentação, a liberalização dos mercados e a modernização (Osvaldo Sunkel, apud BRESSER PEREIRA, 1999). Enquanto os três primeiros são recursos que podem ser usados para alcançar determinados objetivos, a modernização é algo mais complexo e que está diretamente ligada à cultura e às instituições de um povo, bem como aos tipos e regras que regem as relações sociedade-mercado-Estado; ou seja, a adoção – em qualquer profundidade – de qualquer um dos três elementos antes citados não é suficiente para garantir a modernização da sociedade, sendo, antes, demanda quase natural dessa modernização.

A fim de prosseguirmos com essa discussão, notemos que o capitalismo está voltado para os interesses econômicos imediatos, de forma que as empresas procuram impor unilateralmente as soluções que mais lhes parecem interessantes (REALE, 2000a, p. 25). O mercado, como instituição capitalista, está pautado no utilitarismo e no imediatismo.

A queda do Muro de Berlim, num primeiro momento, levou à hegemonia do discurso capitalista, mas conforme apareciam problemas novos ou ocultos possibilitou o desenvolvimento e/ou fortalecimento de outras posições que não as genéricas “capitalista” e “socialista” dos tempos da Guerra Fria. Entre elas, podemos identificar o neoliberalismo argumentado (que procurou diminuir o Estado e reduzir a ação política às questões econômico-financeiras, compreendendo o Estado como um ente financeiro-administrativo) e a Terceira Via[4] (que identifica a importância do livre mercado ao mesmo tempo que reconhece a falência do Estado entendido como empreendedor, buscando uma nova posição para ele).

De acordo com o World Labour Report 1997-1998, da Organização Internacional do Trabalho, os

economistas tendem a pensar no mercado e no governo como substitutos. Boa parte das intervenções do governo é vista como inimiga à operação dos mercados. Por outro lado, a expansão dos mercados é percebida como prejudicial à efetividade das ações governamentais – nos níveis macro e microeconômicos. Contrariamente ao que muitos economistas poderiam esperar, o escopo de ação do governo tem crescido, e não diminuído. Com efeito, reduzir as dimensões do Estado – o que tem sido uma tendência dos anos 90 – pode ameaçar a manutenção do livre comércio em escala global. A globalização requer grandes, e não pequenos governos.

Em alguma medida, os mercados são auto-destrutivos. Se forem deixados a sua própria sorte (o que, a rigor, não é possível, pois o mercado é uma instituição e, portanto, é uma emanação da sociedade, o que implica influências sociais), os atores procurarão potencializar – numa perspectiva racional – seus interesses. Um primeiro ponto a observar é que nem sempre a conjunção dos interesses econômicos (especialmente nesta fase do capitalismo mundial, quando alguns poucos entes econômicos dominam grande parte do fluxo econômico mundial) leva a uma situação favorável para a sociedade como um todo, o que pode ser claramente observado por meio da crise ecológica que se avizinha. Outro ponto importante é a tendência à formação de cartéis e monopólios, fruto da tentativa de alguns grupos econômicos para evitar os custos de uma concorrência econômica real; isso leva à diminuição e até mesmo à anulação da capacidade de escolha (lembremos que a argumentação pró-liberdade de mercado surgiu para defender a livre-escolha de todos os entes econômicos e não só dos setores produtivos).

O mercado: uma instituição

Estado e mercado são duas instituições criadas pela sociedade: a primeira, para regular ou coordenar toda a vida social inclusive estabelecendo as normas do mercado; a segunda, para coordenar a produção de bens e serviços realizada por indivíduos e empresas. Sendo instituições, Estado e mercado são criações da sociedade, são extensões da vida social, que precisam, a cada instante, a cada momento histórico, ser revistas e reformadas. (BRESSER PEREIRA, 1999, p.  71.)

Isso coloca-nos a questão de identificar que atores sociais estão em melhor condição de empenhar a reforma. De qualquer forma, deve-se notar que, nesse processo, somente a sociedade é uma categoria sociológica. O mercado e o Estado são instituições, ou seja, se a reforma é executada sobre as instituições, somente a sociedade é capaz de empreendê-la. Querer reformar a sociedade através da reforma e posterior imposição de um modelo por parte das instituições carrega um risco de fracasso muito grande, além dos enormes custos sociais que disso advêm.

As relações entre o Estado e o mercado sofrem alterações em face de novas forças que passam a atuar no nível social. Cada uma delas favorece um determinado grupo social. Cada um desses grupos aproveita-se para, através de uma prática discursiva que leva em conta a força que lhe dá legitimidade, promover sua defesa do tipo de Estado que procura (ver tabela Tabela 3).

Tabela 3: Novas forças sociais e atores sociais resultantes

Novas forças

Fortalecimento dos atores

aumento da produtividade e da renda com aumento da desigualdade

neoconservadores

novos padrões de relação socioeconômico-cultural, identificados por globalização

esquerda burocrática

consenso sobre a necessidade da democracia

Terceira via social-liberal

Por meio de uma análise mais cuidadosa e isenta de preconceitos ideológicos, percebemos que o mercado é um sistema extremamente competente para alocar recursos; corrigindo os problemas ligados à natural tendência capitalista ao monopólio, o funcionamento do mercado aproxima-se da perfeição para o que se propõe. A questão que deve ser colocada é a dos inputs e outputs do sistema. Em geral, discutem-se as conseqüências que o mercado tem para com as demais dimensões da vida social (as mais graves são as resultantes da transformação da diferença em desigualdade), ignorando-se a alimentação da lógica do mercado. O mercado responde da melhor forma (racional) aos desejos dos consumidores (por vezes, irracional). Assim, cabe ao Estado assumir uma posição ativa nesses casos também. Talvez uma boa forma de encarar o mercado seja por meio da diferenciação entre utilidade social e valor pessoal que um produto tenha; dessa forma, poderemos tratar o mercado como algo dinâmico e, sobretudo, intermediário, abandonando posições mais radicais que apresentam o mercado como algo acima e, em alguma medida, isolado da dinâmica social (lembremos que o mercado é a institucionalização das relações sociais de natureza econômica).

Resumidamente, essa tese é defendida pelo professor Reale (2000a, p. 15), segundo o qual a crise atual do capitalismo não poderá ser resolvida apenas com medidas de natureza financeira e econômica, mesmo porque as forças capitalistas só obedecem ao seu próprio interesse. Outro ponto importante de ser destacado é o de que o crescimento econômico trata genericamente a sociedade, ou seja, é preciso algum controle e intervenção estatal para corrigir algumas desigualdades que têm origem sociocultural, como fica claro no caso das mulheres e dos negros.

A crise do Estado brasileiro, como nos aponta Lourdes Sola (apud BRESSER PEREIRA, 1999), não tem seus fundamentos apenas naquilo identificado com a crise fiscal, com o modo de intervenção na economia ou com o modo de gestão; o foco deve ser dirigido para a crise de legitimação do Estado. As novas condições estruturais do mundo contemporâneo deram maior fluidez às fronteiras nacionais, o que afeta a tradicional legitimação que o Estado tinha num determinado território. Na América Latina, o Estado atuava como um agente de desenvolvimento capitalista (o que implica vícios na solidificação do capitalismo, que, em sua versão pura, exige uma quase inexistente atuação do Estado a fim de potencializar as forças do mercado e evitar qualquer desvirtuamento exógeno), de forma que era o responsável pela incorporação e, em alguma medida, gestão de novos grupos no sistema capitalista. Quando ele entra em crise, não se trata apenas de uma questão de funcionamento institucional (qual uma empresa com problemas gerenciais ou de receita), mas envolve, sobretudo, a forma de coesão social.

A reforma do Estado tornou-se central na década de 1990, em face da crise endógena do Estado e do desafio colocado pela chamada globalização (que limita a autonomia do Estado). Assim, a reforma do Estado passou a pautar-se em dois diferentes pontos: (1) redução do tamanho do Estado e (2) capacitação para que enfrente os desafios da globalização.

No mundo pós-Guerra Fria tanto o discurso quanto as ações daquilo que é hoje chamado de globalização[5] mostraram-se muito mais fortes do que as forças que prevaleciam no momento anterior, com destaque para a força ideológica e para a militar – o “mundo do comércio” de Richard Rosecrance (1986). Uma das principais características que disso advém é o questionamento da soberania nacional, uma vez que tanto os indivíduos quanto os Estados estariam mais dependentes de fatores externos, com pouca possibilidade de influenciarem nesses fatores. Sem dúvida, a soberania clássica não mais pode ser aplicada na realidade contemporânea, mas nem por isso somos autorizados a declarar seu fim. Assim, o processo que ora está em curso não deve ser entendido simplesmente como uma diminuição do poder dos Estados, porém como algo que nos obriga a repensar a função do poder.

Adam Przeworski (1996), criticando a posição neoliberal mais radical, é contrário à limitação total da capacidade de o Estado intervir na economia. Ele defende que a intervenção, sempre que voltada para a melhor alocação dos recursos, é importante. Para alcançar esse objetivo, acredita na necessidade de uma reforma institucional, de forma que o Estado ofereceria informações e até mesmo incentivos para que os agentes econômicos agissem de uma forma mais cooperativa. Se em tese essa proposta é interessante, na prática ela mostra-se de difícil aplicação, especialmente em países como o Brasil.

Então, continuando em nossa caminhada para entender a realidade brasileira e os possíveis caminhos de mudanças, vamos deparar novamente com a globalização, que apenas limita o poder de atuação do Estado. A grande responsável pela baixa capacidade de formular e implementar políticas é a falta de governabilidade (legitimidade junto à sociedade civil para implementação de políticas) e governança (ligada aos aspectos técnicos do Estado, engloba a saúde financeira do Estado bem como os quadros técnicos e institucionais necessários para implementação das políticas).

Com a Revolução de 1930 e a tentativa de superação do Estado oligárquico, a relação entre a sociedade civil e o Estado mudou de tal forma que nenhum grupo específico foi capaz de oferecer a legitimidade do poder estatal, como ocorria até então.

A partir de então, a manutenção do poder associava-se à capacidade do Estado responder às reivindicações básicas deste novo ator político, e de manipulá-la contra ou a favor dos interesses dos diversos grupos sociais. O Estado coloca-se como árbitro dos interesses nacionais, regulando e mantendo um suposto equilíbrio dos interesses nacionais, regulando e mantendo um suposto equilíbrio entre as classes, além de realizar uma política incisiva de cooptação e controle das massas populares. (SILVA, 2000, p. 151.)

Mesmo com as políticas adotadas, é difícil dizermos que existiu uma social democracia no Brasil, ou mesmo um Estado interventor capitalista; suas ações foram votadas para a manutenção da legitimidade do poder estatal, o que implica uma certa continuidade do status quo político.

Nesse momento a questão social começava a ser reconhecida, pelo governo brasileiro, como algo universal. No entanto, a forma de se trabalhar com ela não deveria ser simplesmente importada. Esse reconhecimento não era resultado de conflitos sociais, mas oriundo da consciência dos revolucionários de 1930. Nesse sentido, não foi quebrada a tradicional lógica segundo a qual o Estado forja a estrutura da sociedade civil – e não o contrário, como era de esperar. Atualmente, quando pensamos nas reformas necessárias, só discutimos aquelas diretamente ligadas ao âmbito produtivo-econômico, transformando o Estado de agente político em agente de regulamentação econômica. Cada uma das reformas em questão, se importantes, devem ser analisadas sob a ótica da estrutura da sociedade civil; antes de simplesmente se retirar algumas áreas, o Estado deve promover condições para uma auto-organização da sociedade civil, a fim de que ela possa melhor enfrentar os crescentes desafios de um mundo cada vez mais complexo. Enquanto a sociedade civil não tiver uma estrutura mínima que a permita ser auto-suficiente, o esvaziamento do Estado é um crime que atenta contra a democracia e contra a liberdade.

Para pensarmos nas reformas do Estado é fundamental termos consciência do papel especial que o Estado vem desempenhando, incorporando os conflitos entre os grupos sociais em vez de ser o troféu dos grupos vencedores (como apregoam algumas teorias da hegemonia, especialmente Gramsci). Nesse sentido, numa primeira onda de reforma devemos realizar mudanças naquelas atividades estatais que mais limitam o desenvolvimento dos grupos sociais; na segunda onda, devemos contemplar a outra face da moeda, ou seja, é preciso realizar algumas reformas que possibilitem uma participação mais democrática e múltipla no Estado brasileiro – dessa forma, teremos forçosamente a noção de sociedade no funcionamento do Estado.

As reformas brasileiras ocorrem em torno de estatísticas e sob os auspícios de um discurso da inexorabilidade histórica. As reformas não são de empresas, portanto não podem ser contábeis. Devem se basear nos sonhos da sociedade em vez que o Estado existe para servir a sociedade e não o contrário.

Melhorar o desempenho” é o novo grito de guerra, baseado na idéia de que o Estado deve eliminar os entraves burocráticos e a tendência ao déficit e à baixa qualidade dos serviços oferecidos. Os ajustes que disso advêm são “1. as novas exigências de uma economia de mercado globalizado na produção e no consumo; 2. as conseqüências do processo de implantação de uma era da informação; 3. as peculiaridades de uma vida no ambiente da globalização; e 4. as alterações nas relações políticas internacionais após o desmanche da União Soviética. (Jorge Wilheim, apud BRESSER PEREIRA, 1999, p. 18.)

A reforma do Estado deve levar em conta a estrutura que foi criada desde o surgimento do Estado. Se, historicamente, vemos uma luta para proteger os cidadãos de um Estado excessivamente forte, atualmente coloca-se a necessidade de controlar e combater a captura do Estado por interesses particulares. Esses interesses são, por vezes, disfarçados de interesses econômicos mais amplos. Essa, porém, é uma visão muito fatalista do Estado[6] e de suas relações com a sociedade e com o mercado, além de transformar o Estado num mecanismo econômico que procura reduzir os custos e riscos para os empreendimentos. No extremo, um Estado desse tipo pode anular a possibilidade de desenvolvimento da sociedade, pois apenas acobertará aqueles desenvolvimentos que prometerem um retorno econômico.

A reforma econômica foi importante ao acabar com os monopólios que bloqueavam a produção e a circulação de riquezas. Em seguida, deveriam ter feito a reforma política, uma vez que a Assembléia Nacional Constituinte criou uma Constituição que não se sabe ao certo se é presidencialista ou parlamentarista (prova disso é a previsão de um plebiscito para que o povo escolhesse). Isso faz que o presidente comporte-se como um primeiro-ministro, buscando a construção de uma base parlamentar de sustentação. Assim, as diversas casas do Legislativo (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais) passam mais tempo deliberando sobre questões de imediato alcance eleitoral do que propriamente legislando.

Neste momento, é útil que aproveitemos as discussões realizadas até esse ponto e pensemos um pouco mais cuidadosamente o que é a globalização, para, assim, fazermos algumas propostas de como o Estado deve ser. Observe que aquilo convencionalmente chamado globalização é um conjunto de movimentos multidimensionais e, por vezes, contraditórios entre si. Deve-se manter em mente que, a despeito de tudo isso, a lógica que a compõe é a lógica do fluxo.

Dizem que o movimento globalizador convive paradoxalmente com a regionalização (Mercosul, Nafta, União Européia…). Note-se que essa visão enfoca-o não como um processo multidimensional, mas sim como um processo único. Pensando nos fluxos, fica claro que a regionalização é necessária ao fluxo produtivo e, em alguns casos, ao fluxo cultural.

Enquanto o fluxo financeiro internacional tem uma força de movimentação própria, forçando a destruição de qualquer elemento que a ele tente opor-se, o fluxo produtivo internacional, para melhor funcionar, pressiona pela construção de elementos que o orientem. Concretamente, por exemplo, o fluxo financeiro precisa de taxas de juros diferentes, ao passo que o fluxo produtivo procura compatibilizar as normas dos países a fim de ter uma fluidez maior.

Dessa forma, podemos perceber que uma ação, ao ser efetivada, promoverá respostas concomitantes e divergentes. Isso promove a hierarquização dos fluxos a serem beneficiados e que, dessa forma, formatarão as políticas adotadas. Mais do que agir nessas políticas, deve-se trabalhar com a hierarquia de privilégio dos fluxos que será tão mais instável quanto mais instáveis forem a sociedade e suas classes dirigentes. Com isso, temos que o processo globalizador não pode ser entendido como algo bom ou ruim em si. Não se trata de ser a favor ou contra a globalização, mas sim contra ou a favor de uma dada hierarquização dos fluxos.

A sensação de que não existem caminhos alternativos é algo real, assim como pode ser realidade a inexistência deles; no entanto, esses caminhos nada mais são do que as políticas adotadas para satisfazer a hierarquia. Ou seja, tanto a esquerda quanto a direita, ao focalizarem nas conseqüências e não nas causas das políticas adotadas, ignoram o grande potencial aberto pelo processo globalizador.

Com o processo globalizador e a conseqüente hierarquização dos fluxos, quem tiver mais informações terá mais poder para atuar e adequar o processo a seus desejos. Os que têm mais meios de comunicação são aqueles países mais desenvolvidos tecnologicamente, que portanto demonstram as melhores explorações do movimento globalizador. Nos países menos desenvolvidos, como é o caso do Brasil, a baixa qualidade da infra-estrutura geral prejudica o fluxo de informações. São as aceleradas transformações tecnológicas que colocam os movimentos de base na defensiva e os de comando na apatia, uma vez que não são de ponta. Uma importante conclusão que podemos tirar para este trabalho é a de que não é o Estado propriamente que foi colocado em xeque, mas as políticas adotadas, bem como a capacidade de implementá-las.

A reforma tributária testemunha a distância entre a amplitude das reformas necessárias e a tecnicidade com que são tratadas. Entre as propostas, apenas encontramos um grande rearranjo dos tributos, sem que vislumbremos uma perspectiva de melhora tributária, o que implica melhor aproveitamento dos recursos e diminuição da carga tributária geral. A reforma tributária que necessitamos requer uma revisão do próprio Estado brasileiro, examinando-se a origem dos problemas federativos.

A Federação brasileira tem uma estrutura muito frágil. Das entidades federadas é de se esperar ao menos auto-suficiência, de forma a poderem reger-se a si próprias; no entanto, mais de dez estados brasileiros não têm condições de sustentar-se, sendo que o mesmo ocorre com mais da metade dos municípios. Assim, criamos uma grande estrutura tributária para poder sustentar todos esses estados e municípios que não têm condições reais de serem entes federados. Assim sendo, à reforma tributária deve anteceder uma discussão sobre o sistema político brasileiro, ou seja, devemos promover as reformas políticas.

A Federação deve ser saudável e factível para que possamos discutir as demais reformas.

Enquanto o Estado [sic] de São Paulo contabiliza cerca de 95% de arrecadação própria e 5% de transferências da União, através dos fundos de participação, o Acre conta com 10% de arrecadação própria de 90% de transferências. São os extremos, e não é fácil imaginar um sistema tributário que todos julguem conveniente. (Alcides Jorge Costa, apud FERRARI, 1998, p. 32.)

O jurista Ives Gandra Martins também corrobora a tese de que a reforma tributária não é suficiente sem uma reforma do Estado. Segundo ele, a

reforma tributária sem reforma do Estado é apenas um exercício acadêmico para saber como a sociedade encontrará meios para se defender de uma vontade cada vez maior do Estado (…). Se não mudarmos o conceito federativo, se não mudarmos primeiro aquilo que é fundamental (definir qual o perfil que a sociedade deseja para a Federação), estou convencido de que, em última análise, a reforma tributária desembocará na ilusão do contribuinte de que elas lhe trarão alguma coisa útil. Mas, na realidade, ela se destinará exclusivamente a beneficiar a estrutura política da Federação e seu custo político, que a sociedade já não tem como sustentar. (apud FERRARI, 1998, p. 49.)

Podemos nos ocupar agora com a otimização dos recursos conseguidos com os tributos, mas em pouco tempo uma nova reforma tributária será necessária, uma vez que os custos continuarão altos; nesse caso, a sociedade será punida duplamente: pelos custos inerentes a qualquer reforma do aparato estatal e pela manutenção de um pacto federativo incompleto. É preciso discutirmos não só a redefinição do papel do Estado, mas sobretudo a estrutura geral que ele deve ter.

Existem bons estudos sobre o federalismo no Brasil; no entanto, a maior parte deles apresenta problemas:

a maior parte não se apoia [sic] em referenciais teóricos e tende a isolar as questões econômico-financeiras das questões políticas. Essa separação obscurece o melhor entendimento do federalismo no Brasil pelo fato de que as regras do sistema tributário e fiscal, incluindo a distribuição de recursos entre níveis de governo, sempre formam capítulos detalhados das constituições. Isso significa que qualquer mudança nas regras fiscais torna-se politizada porque requer mudanças na Constituição. (SOUZA, 2001, p. 8.)

A reforma política também é útil para percebermos o descompasso entre o ser e o dever-ser; esse descompasso é mais grave no caso brasileiro, pois na maioria da vezes não temos consciência disso. Entre as propostas de reforma, encontramos os defensores do sistema distrital. Existem bons argumentos a favor e contra, ainda que os a favor tenham mais força; de qualquer forma, eles são teóricos e baseados num sistema que ignora o seu uso, ou seja, a participação real da sociedade.

Voltando na história brasileira, veremos que o sistema distrital foi implementado pela primeira vez em 1855, e foi praticado no Império (1855 a 1875 e 1881 a 1889) e na República Velha (a partir de 1892).

O interessante é notar que a linha argumentativa permaneceu, em essência, a mesma desde a implementação do sistema; ou seja, precisamos discutir o uso que a sociedade faz de um determinado sistema, e não ele em si mesmo. Comparemos duas linhas argumentativas favoráveis à instalação do voto distrital: a primeira durante o Império e a segunda já em face da promulgação da Constituição de 1988

Durante o Império,

os adeptos do sistema distrital partiam da suposição de que este sistema poria o eleito em contato com o eleitor, dando lugar a uma maior vinculação entre representante e representado, enquanto a eleição por província tornava essa vinculação mais impessoal e formal. Esta maior vinculação, em conseqüência, faria com que os interesses locais fossem consultados e considerados na casa legislativa, sendo que estes interesses seriam melhor conhecidos  quando se tratasse de deputados de distrito. (KINZO, 1980, p. 109.)

Já fazendo comentários ao sistema político pós-Constituição de 1988, temos que:

o sistema distrital traz quatro conseqüências benéficas: os candidatos são pessoas conhecidas dos eleitores; a campanha eleitoral fica barata; a cobrança dos eleitores sobre a atuação do representante é constante; a representação fica moralizada e valorizada. (SILVA, 1989, p. 140.)

Para encerrar esta parte, lembremos que o Estado deve servir aos cidadãos e ao bem comum e não deles servir-se.

Um espaço especial deste trabalho é dedicado à cultura política, por acreditar que toda e qualquer discussão de reforma do Estado deve basear-se na cultura política que o brasileiro tem e, em menor medida, naquela que seria esperada pelos modelos teóricos.[7]

As lembranças sociais do passado influem na consciência do presente, de forma que não podemos negar ou simplesmente esquecer as instituições que marcaram nosso passado, assim como não podemos fingir que não existem características peculiares às relações sociais no Brasil. Entre os principais elementos desse passado historicamente distante e socialmente presente, temos o caudilhismo hispano-americano, o positivismo francês (“ordem e progresso”), a hegemonia do estabelecimento militar ainda no início da República e o populismo institucionalizado de Getúlio Vargas.

A fim de nos aprofundarmos na questão da cultura política brasileira, citemos uma reflexão do padre José de Anchieta (apud ABREU, 2000, p. 79):

ensinam-lhes os padres todos os dias pela manhã a doutrina, em geral, e lhes dizem missa, para os que quiserem ouvir antes de irem para suas roças; depois disso ficam os meninos na escola, onde aprendem a ler e a escrever, contar e outros bons costumes, pertencentes à polícia cristã; à tarde tem outra doutrina particular a gente que toma o Santíssimo Sacramento. Cada dia vão os padres visitar os enfermos com alguns índios deputados para isso; e se têm algumas necessidades particulares lhes acodem a elas; sempre lhes ministram os sacramentos necessários… O castigo que os índios têm é dado por seus meirinhos feitos pelos governadores e não há mais que quando fazem alguns delitos, o meirinho os manda meter em um tronco um dia ou dois como ele quer; não tem correntes nem outros ferros da justiça… Os padres incitam sempre os índios que façam sempre suas roças e mais mantimentos, para que, se for necessário, ajudam com eles aos portugueses por seu resgate, como é verdade que muitos portugueses comem das aldeias, por onde se possa dizer que os padres das Companhias são pais dos índios, assim das almas como dos corpos.

Ela mostra que, desde o começo de nossa formação cultural mista, a distância entre o discurso e a prática, assim como a tendência à imposição de modelos sociais, institucionalizou-se desde muito cedo.

Uma das principais características de nossa cultura política é o legalismo. Nele, acredita-se que a transformação de um desejo em lei basta para transformá-lo em realidade.[8] Isso ocorreu durante o regime militar, quando todos os partidos brasileiros deixaram de existir, por força da lei, e resumiram-se à Arena e ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O mesmo ocorreu na Constituinte de 1988, quando várias posições e desejos foram englobados no corpo constitucional. Além de tornar a Constituição Federal uma obra complexa e contraditória, o Supremo Tribunal Federal viu-se obrigado a manifestar posições quanto a temas sem importância ao desenvolvimento da sociedade brasileira. Mas, como nos adverte Miguel Reale (2000b, p. 29):

além das leis, um país se governa com ação, com dinamismo, com dedicação, com a consciência da própria dignidade e da própria idoneidade. É mister a dupla consciência da personalidade e da cidadania.

Parte da dificuldade de romper com essa tendência autoritária de promoção da transformação da organização social vem do rápido processo de modernização[9] pelo qual passamos, que saiu do período do café para entrar diretamente na industrialização e na sociedade de massas; grande parte das estruturas sociais pôde ser preservada.[10] O favor e o patriarcalismo são dinâmicas de interação social que ainda prevalecem, de forma que ainda não conseguimos sedimentar uma cultura política mais formal, que implica necessariamente uma maior equalização da importância que cada cidadão tem.

Nas sociedades com pouco ou nenhuma tradição civilista, quando a democracia a adota, é entendida como um mecanismo político e não como um sistema político. Concebendo-a como um mecanismo, todos os possíveis erros e vícios são analisados levando-se em conta o mecanismo, ou seja, pensa-se apenas nas possíveis modificações que permitam seu funcionamento com o mínimo possível de ruído. Já quando concebemos a democracia como um sistema político, ela deixa de ser o único elemento de nossa análise, que agora envolve o maquinário estatal e as formas de integração e articulação da sociedade civil, para ficarmos com os mais importantes. Dentro dessa segunda perspectiva, qualquer proposta de modificação dos mecanismos da democracia enquadrar-se-á num contexto mais amplo e altamente interdependente; dessa forma, esses mecanismos serão pensados sobretudo em função do uso que deles é feito e dos resultados concretos desse uso.

A peça central da democracia não é o eleitor (ao menos não pode ser), mas o cidadão. Ao cidadão não compete apenas direitos e obrigações eleitorais e de natureza privada: também tem direitos e obrigações para com a sociedade e para com o Estado. Quando o cidadão participa do debate público, ele permite que o pluralismo político – alma da democracia – deixe de significar apenas a existência de várias posições para transformar-se em diálogo. É no confronto das idéias e projetos de ação que os cidadãos de um país podem entender-se como membros de uma mesma totalidade e, portanto, lutarão por ela. Quando o debate político fica restrito a questões técnicas ou entrincheirado, cada grupo tentará tomar a maior parte possível do aparato estatal a fim de promover seus interesses particulares. Assim, uma das principais tarefas de um governo é promover o debate público, o que implica a criação de mecanismos de debate intra-social.

A necessidade de promoção do debate intra-social vê-se acentuada com as transformações pelas quais o mundo passa, já que esse debate deve ocorrer primeiramente nos níveis locais. A cidade surgiu na Grécia antiga em reconhecimento à passagem de escravo a cidadão; nela ocorre a superação do mito em busca da lei, tornando possível a busca da razão (filosofia) e do pluralismo (política).

A cidade desenvolveu-se e agora enfrenta o contexto globalizador, no qual não é o indivíduo que vai ao mundo, mas o mundo que vem ao indivíduo através de seu cotidiano. As metrópoles surgem assim como as principais vias pelas quais os fluxos da globalização invadem a vida das pessoas, mudando-as. As cidades têm suas estruturas aumentadas em razão da multiplicação das funções que passa a desenvolver. Enquanto há um século as questões que envolviam as relações internacionais davam-se primordialmente por meio do governo federal, atualmente as grandes metrópoles passam a desenvolver muitas dessas tarefas (procurando financiamento internacional para seus programas, por exemplo).

As metrópoles de hoje são o resultado direto da concentração espacial do processo de modernização (ferrovias, telégrafos, rodovias, centros culturais), sendo através delas que os fluxos da globalização se traduzem em práticas cotidianas, ou seja, as características práticas dela dependerão da qualidade das metrópoles: quanto mais desorganizadas forem, mais desordenados serão os fluxos.

A metropolização está concentrada nos países menos desenvolvidos tecnologicamente, uma vez que esses países têm verbas reduzidas para atender à modernização de todo seu território, levando a uma concentração ainda maior do poder em torno de algumas elites que possuem essa infra-estrutura de tradução das forças da globalização em políticas e projetos concretos. Diante da incapacidade de criar a convergência de objetivos intentando a formulação de uma mesma política em razão da rapidez com que mudam as orientações de cada um desses detentores da infra-estrutura de tradução, as políticas governamentais são enfraquecidas (falta-lhes a dinâmica necessária aos tempos atuais).

Ao trazer o mundo a si, as metrópoles dos países menos desenvolvidos tecnologicamente findam por acentuar também as diferenças sociais, já que um grupo cada vez mais reduzido procura manter os mesmos padrões daqueles países mais desenvolvidos, ao passo que pouca atenção é dada àquela parcela da população que não pode manter esses níveis, como pode ser visto com o crescente aumento das favelas e de subúrbios cada vez mais distantes do centro comercial diretivo da metrópole.

A primeira conclusão a que podemos chegar é a de que a reforma do Estado deve contemplar uma significativa discussão do pacto federativo antes de iniciar reformas mais profundas e custosas em outras áreas. Duas seriam as razões para isso: (1) como está, o pacto federativo é, em termos tributários, insustentável em médio prazo, pois alguns entes federados são responsáveis pela manutenção de todo o aparato federal e, diante da necessidade crescente de recursos, até mesmo esses entes financiadores poderão ficar impossibilitados de continuar a sustentar o funcionamento da Federação; e (2) o pacto federativo deve ser refeito diante da nova estrutura mundial, ou seja, federação, estados e municípios não podem ser concorrentes em algumas funções; deve ser claramente estabelecida a função de cada um dos entes federados. Isso permitirá uma melhor otimização dos esforços políticos, bem como fortalecerá o município que, como foi apontado anteriormente, vem ganhando destaque no mundo globalizado.

Outra conclusão a que chegamos é que à reforma política e, em alguma medida, administrativa deve preceder um trabalho com a cultura política do país. Qualquer mudança nessa cultura por certo demora algumas gerações; todavia, o importante de iniciarmos uma discussão real e aberta sobre a questão é que isso permitirá que nos entendamos melhor, o que levará ao estabelecimento de algumas metas de reforma política mais condizentes com nossa realidade.

Acabo este texto sem propor tipos, modelos ou exemplos de reformas pelas quais o Brasil terá de passar. No entanto, isso faz-se necessário para que promovamos uma reforma que ultrapasse a reforma do Estado, por uma reforma que envolva toda a sociedade brasileira.

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* Professor do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Ibero-Americano (UNIBERO) e Diretor da Focus R. I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais.

[1] Ainda que pensando em um outro momento de nossa história e com diferentes perspectivas, esse exercício foi feito por Antônio Cândido, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes e Celso Furtado.

[2] Ainda que os principais atores que podem atuar nesse novo pacto sejam as elites políticas e, em menor medida, as elites econômicas, acredito que a responsabilidade por ele é de toda a sociedade, já que envolve questões políticas mais profundas e que, portanto, afetarão a estrutura social.

[3] A abrupta diminuição dos dispositivos não significa uma diminuição do tamanho da União, uma vez que ao presidente foram conferidos grandes poderes, como mostra o art. 14 da Constituição: “o Presidente da República, observadas as disposições constitucionais e nos limites das respectivas dotações orçamentárias, poderá expedir livremente decretos-leis sobre a organização do Governo e da administração federal, o comando supremo e a organização das forças armadas” (grifos meus).

[4] A Terceira Via surgiu com o trabalhismo inglês de Tony Blair e com os socialistas franceses de Jospin.

[5] O termo globalização ainda não alcançou o status de conceito, de forma que é usado das mais diversas formas e para os mais variados propósitos. Enquanto alguns críticos apontam para sua origem nos movimentos do capitalismo da era da informação, outros procuram suas origens nas Grandes Cruzadas, que recuperaram as terras e almas católicas para a Igreja e expandiram os mercados para a nascente burguesia. Para os propósitos deste texto, não buscarei desenvolver uma visão teórica ampla das origens e qualidades da globalização, ao contrário, aqui a entendo como (1) a possibilidade que abriu-se para que as pessoas sintam-se membros de uma mesma coletividade e, em alguns casos, que essa coletividade entenda todas as pessoas como membros; e, causa e conseqüência disto, (2) as relações de natureza econômica, facilitadas pelo fantástico desenvolvimento tecnológico, que hoje apresentam-se de uma forma com tendência homogeneizadora em todo o planeta.

[6] “Ainda que o Estado continue sendo um agente importante na indução do desenvolvimento, seu papel essencial consiste em receber e processar os sinais do sistema global interconectado e adequá-lo às possibilidades do país, deixando que sejam as empresas privadas que assumam o risco, invistam e criem riqueza ou miséria conforme sua capacidade e competência.” (Manuel Castells, apud BRESSER PEREIRA, 1989, p. 153)

[7] A importância disso advém da tendência à importação de modelos teóricos e de formas de reflexão que ocorrem em sociedades com uma cultura política diferente daquela encontrada aqui. Para dar apenas uma idéia da dimensão da necessidade de pensar a particularidade brasileira, veja-se a inversão – em relação ao caso europeu clássico – de formação da nação e do Estado.

[8] Entre as propostas de reforma política, destaca-se a defesa do estabelecimento da fidelidade partidária. Nela, o governante teria seu mandato atrelado ao partido com o qual elegeu-se, o que impediria a troca constante – por interesses pessoais – de partido. Sem dúvida, essa idéia procura tratar de um problema da realidade política brasileira; ainda assim, reafirma o legalismo ao promover a fixação de uma identidade político-partidária através da lei. Além disso, pode ocorrer de um partido mudar sua forma de atuação durante uma legislatura, o que forçaria os governantes com identidades político-ideológicas fortemente sedimentadas a mudar de partidos. Outro fator que deve participar dessa discussão é a tendência de o brasileiro votar em candidatos específicos e não em partidos.

[9] Dentre os traços da modernidade, podemos citar: (1) o individualismo, que permite à pessoa pensar-se como um ente único e não mais constituinte de um grupo maior; (2) o racionalismo, que só aceita certezas que estiverem fundadas na razão; e (3) a primazia da lei escrita, que substitui o costume (KUJAWSKI, 1982, p. 99).

[10] “No âmbito da sociabilidade, os efeitos não podem ser menos que desagregadores. Jogada dos ritmos e tempos tradicionais ao vórtice de poderosas transformações das quais não é o sujeito, o que poderia ser o surgimento do privado na sociedade transforma-se em privatismo, fuga desesperada do informal, do azar e sorte, do medo do outro” (OLIVEIRA, 2000, p. 62-3).