Política e mídia: correlações

30/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra
A política moderna (ou pós-moderna, segundo querem alguns) tem como principais canais de existência os meios de comunicação em massa. Um governo só consegue mostrar que fez algo quando usa os jornais e a televisão, de outra forma, cai no esquecimento.

A busca pelo fazer-se notícia logo transforma-se no objetivo, deixando de ser uma mera conseqüência. Desta forma, os grandes projetos políticos – que resultavam em projetos nacionais – desapareceram. Dizer uma coisa, fazer outra transforma-se em regra na vida política já que as eleições (quando o coração do eleitor deve ser conquistado) e o mandato (momento em que valem apenas as regras dessa política midiática) tornam-se momentos separados e com uma interdependência quase nula.

Aquelas pessoas que procuram manter um posicionamento crítico (algo indubitavelmente exaustivo no Brasil) devem manter-se duplamente atentas. De um lado têm que identificar quando um governante está governando e quando está atuando. De outro lado, precisa questionar incessantemente a abordagem dos meios de comunicação. Esta difícil tarefa é fundamental pois com sua realização poderemos separar o joio do trigo.

Para ilustrar, peguemos um exemplo recente: por ocasião da visita do primeiro-ministro inglês, Tony Blair, dois importantes protagonistas da vida política brasileira não titubearam em fazer comentários que pudessem atrair a atenção da mídia. Ao mesmo tempo, esta não perdeu a oportunidade para ecoar esses "efeitos especiais" da política-midiática.

Enquanto o presidente Fernando Henrique tentava mostrar a importância da visita, o presidenciável Lula defendia a idéia de que tudo não passava de um blefe. Ideologias e pragmatismos à parte, nem eles, nem a mídia, conseguiram captar a profundidade do que estava em jogo: a questão da agricultura e da estrutura social.

Talvez o que melhor resuma essa discussão seja a posição adotada pelo presidente Fernando Henrique. Para ele, Blair apoiará o Brasil pois é muito caro e, portanto, oneroso socialmente manter uma agricultura fechada na Europa. Este, que era um dos eixos da visita, passou ao largo da cobertura jornalística e do debate público. Talvez isso tenha ocorrido justamente porque toca numa questão que não poder ser resolvida com a rapidez e simplicidade que a política-midiática exige.

Vejamos um pouco mais de perto esta questão. Uma economia (ou setor) fechada diminui a concorrência. A concorrência menor faz com que a relação preço-qualidade não necessariamente tenda ao ponto ótimo da ótica do consumidor. Com isso, o consumidor pagará mais caro por um produto de menor qualidade – se comparado com o resto do mundo. Essa parece ser a lógica que prevalece para o presidente Fernando Henrique, daí sua defesa da abertura da agricultura européia. Este raciocínio é tão lógico e perfeito que torna-se inquestionável.

No entanto, devemos fugir à essa tendência de isolar o que analisamos. Se procurarmos agregar outros elementos à esta análise, poderemos chegar à conclusões opostas as apresentadas acima. Além de produzir alimentos, a agricultura européia sustenta uma das bases culturais e, portanto, sociais da Europa. Assim, se eles produzem produtos mais caros, também produzem referenciais culturais que são fundamentais para a organização das diversas comunidades. Precisamos romper com essa tendência à encarar a sociedade através de valores monetários e pensar no bem-estar geral.

Antes que leitores mais apressados venham dizer que estou defendendo o protecionismo agrícola, adianto que defendo um posicionamento que leve em conta, sempre, o bem-estar geral e a solidificação do espaço-público. Por isso repito: cuidado para não ser enganado pelas frases bem montadas ou pelos jornais bem escritos – mais vale um conteúdo feio do que uma forma bonita!

Originalmente publicado em:

Revista Autor

Ano I – N. 2 – agosto de 2001