O apagão e a “sociedade” brasileira

30/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra
Alguns meses já se passaram desde que fomos brindados com mais um exemplo de amadorismo estadista e sobra de competência na retórica política – marca dos governantes brasileiros desde o primeiro gabinete de El-rei Pedro II. Refiro-me ao apagão.

Após o primeiro susto e os incansáveis murmúrios de reclamações, vemos tudo voltar ao que sempre, de uma forma ou de outra, foi. Uma lâmpada trocada, um freezer desligado, um banho reduzido; essas foram as grandes transformações que vimos. E foi assim que nós, vítimas de um corpo político distante das ruas, agora fazemos parte deste imenso e ridículo teatro.

Basta um pouco de atenção aos telejornais para perceber o orgulho das pessoas em contar como reduziram o consumo em mais de 20% ou daqueles felizes por não mais precisarem pagar as contas, e ainda ganharem algum bônus.

Essa conquista da população brasileira é invejável. Talvez poucos países conseguiriam arregimentar, em tempo de paz, um exército tão grande e competente. No entanto, ela mostra o quão subalternos somos. Não por termos colaborado com a busca de soluções mesmo porquê, no nível em que estamos, não sobram muitas outras saídas. O ponto é que nós estamos invertendo as responsabilidades.

Bradamos ao mundo, aliviados, que conseguimos atingir nossas cotas. Enquanto isso, o governo – que não hesitava em convocar cadeia nacional de rádio e televisão para anunciar as mais espalhafatosas punições – ainda não conseguiu expressar qualquer sinal de gratidão à população brasileira. Novamente, nossas manchetes voltaram a ser ocupadas por cifras: balança comercial, valor do dólar e acordos com o FMI.

Antes que os filiados políticos de plantão leiam estas palavras como uma crítica ao governo federal, adianto que voltei a esse assunto não por ele mesmo, mas pela possibilidade que abre de nos aproximarmos de algumas estruturas da sociedade brasileira.

Destarte, chamo a atenção do caro leitor para a nossa tendência à travas batalhas sozinhos. Corremos para dentro de casa e cortamos nossos gastos com energia elétrica e depois vamos às ruas em busca de medalhas. Quantos de nós saímos em busca dos vizinhos para ver o que poderíamos fazer em conjunto? Uma resposta imediata  que podemos buscar é: "porque as cotas são por residência e não por rua ou prédio".

Resposta simples mas não convincente; em primeiro lugar porque este é um problema coletivo, em segundo porque as soluções coletivas também ajudam em problemas particulares. Por exemplo, as crianças de uma rua ou prédio poderiam se concentrar cada dia em uma casa, de forma que só uma televisão estaria ligada. Como este, muitos outros exemplos poderão surgir, basta que comecemos a exercitar uma concepção coletiva de mundo. De outra forma – oxalá eu esteja equivocado – nenhuma melhora institucional da democracia brasileira será suficiente para alterar alguns de nossos mais profundos problemas sociais.

Originalmente publicado em:

Revista Autor

Ano I – N. 3 – setembro de 2001 – Política