A Antecipação das Campanhas Eleitorais

30/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra

A crise energética, além de expor a lógica imediatista que marcou todos os governos desde o fim do período militar, trouxe também à baila alguns dos principais mecanismos usados pelos poderes Executivo e Legislativo. Uma vez anunciado, de uma forma abrupta e rude, o plano nacional de racionamento, não faltaram políticos com pedras nas mãos. Por causa do caos da infra-estrutura? Provavelmente não.

A esquerda, que tradicionalmente critica o governo, aproveitou a oportunidade para dar concretude às críticas, transformando-as em questões técnicas (incompetência administrativa). Desta forma, conseguiu ganhar mais visibilidade e, sobretudo, aceitação por parte de grupos que historicamente não lhe são favoráveis.

No governo, a crise apresenta seus aspectos mais delicados. A popularidade do presidente Fernando Henrique não está em seus melhores dias e não apresenta muitas possibilidades de inversão na tendência à manutenção de índices baixos. E isso mesmo com programas como o Bolsa Escola e a Saúde em Família (não por menos dos ministérios da Educação e Saúde, respectivamente), que são direcionados para as camadas mais carentes.

Um governo desgastado perante a opinião pública e com a base parlamentar fragmentada não se apresenta como um parceiro ideal. Poucos são os que saem na defesa do presidente Fernando Henrique. Pedro Parente, pelos ócios do ofício, apresenta-se na linha de frente, absorvendo uma grande parcela do desgaste político; isso favorece a posição oculta de importantes nomes do PSDB (leia-se "presidenciáveis") como os ministros Paulo Renato Souza e José Serra, além do governados Tasso Jereissati.

Passado o primeiro impacto do plano de racionamento, a tendência é o presidente abandonar sua posição reativa, buscando mudar o foco de atenção da opinião pública. Contrariando o que defende, deverá lançar o candidato tucano à presidência nos próximos meses. Com isso, poderá matar dois coelhos com uma cajadada só: (1) lança o candidato com tempo suficiente para que ele defenda-se dos problemas governo, e (2) pode colocar a discussão política fora do Planalto e, com um pouco de sorte, longe de Brasília.

Se a onda pegar, governo e oposição concentrarão suas forças no debate eleitoral, diminuindo o destaque dos problemas estruturais. Com isso, voltaremos para os tradicionais espetáculos do teatro político brasileiro: agressões pessoais em tribunas públicas, casos escabrosos de corrupção e algumas mazelas sistêmicas.

Caso essa cenário venha a concretizar-se, o quadro sucessório presidencial pode alterar-se completamente em relação àquele que é hoje vislumbrado. Assim, a esquerda que ganha espaço e consistência pode ver-se tragada pelo roda-moinho da superficialidade política, perdendo o traço que hoje lhe dá maior sucesso: a possibilidade de ser uma alternativa real (para o bem ou para o mal).

Faz-se importante lembrarmos que as eleições de 2002 são também para governador e isso certamente influenciará as decisões do PSDB e do PMDB, quando estes forem lançar seus candidatos e, sobretudo, ao determinarem suas agendas de campanha. Mesmo sendo impossível prever os resultados de 2002, qualquer especulação deve levar em consideração o que vai acontecer nos estados (destaque para São Paulo e Minas Gerais).


Originalmente publicado em:

Revista Autor

Ano I – N. 1 – julho de 2001