Política Externa no Senado: fortalecimento ou risco?

29/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra

Discutir política externa no Brasil sempre foi uma exclusividade de diplomatas e acadêmicos. A quase totalidade da população brasileira não se interessa por temas internacionais a não ser que estes sejam visualmente impactantes, como guerras e desastres. Os políticos brasileiros, por sua vez, também guardam pouco interesse nestas questões, resultando num baixo interesse por participação nos canais disponibilizados para participação do poder Legislativo na formulação da política externa brasileira, como é o caso da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional – CRE. Ao mesmo tempo, vem se fortalecendo em setores governamentais, acadêmicos e até mesmo da mídia a idéia de que a política externa deve ser mais democrática e, portanto, deve estar mais aberta à participação de outros atores que não os diplomatas no processo de concepção da política externa, deixando a estes apenas a exclusividade na implementação, ainda que com limites, e na condução.
Na esteira desse processo o Itamaraty vem dando certa ênfase nas audiências e participações de empresários em delegações e outras ações que desenvolve em algumas de suas negociações. Neste sentido, destaca-se a manutenção da publicação Carta de Genebra, editada pela embaixada brasileira em Genebra e que procura manter informados aqueles que buscam saber o que ocorre no âmbito das negociações brasileiras na OMC.
Essa tentativa de abertura deve receber o apoio necessário na medida em que estimula a mobilização dos atores brasileiros junto ao governo, mais especificamente junto ao Itamaraty, por determinadas posições. Um dado importante desta mudança – que ainda tem muito a se desenvolver para se consolidar – é o destaque que a capacidade de pressão que os grupos exercerão sobre o governo estará cada vez mais diretamente ligada à capacidade de articulação, inclusive e, sobretudo, setorial.
As barganhas cruzadas atualmente levadas a cabo pela diplomacia brasileira passarão a responder não só aos interesses estratégicos e de longo prazo do Estado brasileiro, mas, sobretudo aos interesses do governo brasileiro e dos setores mais organizados da sociedade civil. Se isso pode representar um risco para a sustentabilidade de grandes movimentos diplomáticos, o que não tem sido confirmado no caso de outros países que adotam padrão semelhante, por outro pode significar uma pressão/estímulo para que a sociedade civil brasileira passe a se ocupar dos temas internacionais com uma atenção mais profissional.
Assim sendo, surge o debate de como fazer a transição entre estes dois momentos. Os argumentos para essa modificação são vários e vão desde os mais ideológicos como a necessidade de participação do povo nos negócios governamentais, aos mais pragmáticos, ligados à busca por fortalecimento da posição brasileira em negociações comerciais, notadamente nas comerciais. Ao mesmo tempo, busca-se em países como os Estados Unidos e a França o modelo ou inspiração para a versão brasileira.
Entre os que estão mais avançados, surge uma proposta há tempos tramitando no Congresso brasileiro sobre a transferência de parte do poder de concepção da política externa para o Congresso, notadamente para o Senado Federal. A idéia básica, inspirada no modelo norte-americano, é que em negociações comerciais internacionais caberia ao Senado aprovar os limites negociadores, que seriam depois exercitados pelos diplomatas. Como no caso do fast track (para Clinton) e do Trade Promotion Authirity (para Bush), o Senado indica os limites negociadores e, em contrapartida, se limita a aceitar ou negar na totalidade o que foi negociado, o que daria um poder negociador maior para os diplomatas.
A idéia per se é bastante interessante e encontra boas linhas argumentativas a seu favor. No entanto, a transposição rápida e não-adaptada de idéias e instituições de outras realidades para a nossa pode significar não só um não-funcionamento segundo os padrões previstos como também, e aqui está o maior perigo, uma ameaça às boas práticas que já são adotadas.
Sabendo do baixo interesse que os políticos brasileiros têm com temas internacionais e, portanto, de sua concomitante baixa disposição para mobilização nesses temas – sobretudo quando estes estiverem em rota de colisão com temas domésticos – corre-se o risco de o Senado trazer a si as responsabilidades da concepção da política externa sem apresentar o real interesse de mobilização em torno desta problemática.
Além desse risco, a captação de uma parte importante do processo de formulação da política externa por parte do poder Legislativo pode servir como moeda de troca com o poder Executivo, que tem cada vez mais na política externa um importante elemento de governo.
Numa discussão no começo do mês no Senado sobre a Medida Provisória 241/05, que abre um crédito extraordinário de R$ 300 milhões para, entre outros, o custeio das tropas brasileiras no Haiti (R$ 85,5 milhões) e oferecer ajuda financeira para os países afetados pelo Tsunami no ano passado (R$ 5 milhões), a posição adotada pelos oposicionistas era de obstrução da votação já que consideravam incoerente o governo oferecer ajuda externa e não socorrer vítimas de enchentes no Nordeste ou de seca no Sul.
A votação só foi adiante e a MP aprovada quando o líder do governo, senador Aloizio Mercadante e o ministro da Fazenda Antonio Palocci disseram que o governo liberaria recursos para estados afetados.
Não bastando esse tratamento descontextualizado e perigoso dado às questões internacionais envolvidas, a negociação de interesses ultrapassou, em muito, qualquer discussão real sobre as ações internacionais do governo brasileiro. Segundo o senador e líder do PFL José Agripino, o ministro da Fazenda também se comprometeu, no bojo desta negociação, a liberar verbas para as obras do metrô de Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza e Recife.
Diante das práticas políticas adotadas no Congresso brasileiro, trazer a responsabilidade pela concepção da política externa para o Senado Federal pode significar mais do que a paralisia temporal de algumas políticas brasileiras, pode significar a incorporação da política externa brasileira ao mercado político imediatista que tem marcado nossa realidade republicana.

* Diretor da Focus R. I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB (ulhoacintra@gmail.com)


Publicado originalmente em:
RelNet
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