Vale a pena investir na internacionalização?

12/07/2017 Não Por Rodrigo Cintra
Rodrigo Cintra, da ESPM: necessidade de formar profissionais para uma gerência multicultural

Rodrigo Cintra, da ESPM: necessidade de formar profissionais para uma gerência multicultural

Por Marleine Cohen

Colocar o Brasil no mapa da educação globalizada, tornando-o um destino universitário cobiçado por quem aspira fazer estudos avançados de qualidade. Essa é a meta da internacionalização do ensino superior que o país começou a perseguir, há cerca de cinco anos. Um caminho longo e árduo, que impõe obstáculos de ordem linguística, administrativa, logística e financeira, além da exigência de conteúdo qualificado em sala de aula. Mas o retorno vale a pena, segundo os especialistas: afinal, é dessa excelência acadêmica e desse intercâmbio multicultural que se alimentarão as próximas gerações de profissionais atuando dentro e fora do mercado nacional.

O primeiro passo para abrir as janelas das IES brasileiras para o mundo foi gerar uma radiografia dos cursos em inglês oferecidos por elas – mapeamento inédito conduzido em 2016 pelo British Council em parceria com a Faubai (Associação Brasileira de Educação Internacional).

As conclusões mostram como demanda e oferta continuam, ambas, muito acanhadas no Brasil: de um total de 2.368 instituições de ensino superior existentes em 2014, segundo estimativa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 270 IES (12% do total) mantêm um departamento de assuntos internacionais ou serviço similar. Destas, apenas 33% responderam ao questionário aplicado, a partir do qual se permitiu apurar que há, ao todo, 671 cursos ou disciplinas ministrados em língua inglesa em 45 IES. Grande parte deles – 418 módulos – tem curta duração e oito em cada dez (78,2%) são pagos. Praticamente metade das grandes escolas (48%) que oferecem cursos em inglês é privada.

Segundo o levantamento, o país acolhe, por ano, não mais que 9.884 estudantes estrangeiros – isto é, apenas um quinto dos 52.173 alunos matriculados em cursos de graduação nessas instituições. A região Sudeste é a que concentra a maior oferta de aulas em língua inglesa: 60,6% do total, sendo que Centro-Oeste e Norte do Brasil contribuem, juntos, com irrisórios 1,04%. Ao todo, existem apenas oito programas de graduação formal em inglês.

Em um primeiro momento, o objetivo do movimento de internacionalização do ensino superior brasileiro é direcionar os holofotes para os campos de conhecimento onde o país desenvolveu mais competência – odontologia e agronomia, por exemplo –, e ultrapassar o número de alunos captados por mercados como Costa Rica e Argentina, que publicam menos e têm estrutura acadêmica mais acanhada, explica José Celso Freire Júnior, presidente da Faubai.

Mais curtos, os cursos em inglês não vão além de um semestre, mas isso tem uma razão de ser: mais curtos, visam testar inicialmente a aderência dos estudantes: “Primeiro, vamos expor nossas instituições para o mundo através de módulos compactos. Depois, vamos construir”, diz Freire Júnior, lembrando que o processo de formatação do conteúdo observa duas etapas: “Num primeiro tempo, o próprio professor toma para si a responsabilidade de estruturar o seu curso; depois, a universidade o consolida institucionalmente”.

Profissionais globalizados
Os benefícios de abrir o ensino superior brasileiro para o mundo são inúmeros: “Atraindo estudantes de fora, desenvolvemos um centro de inteligência e também criamos um ambiente internacional dentro das nossas instituições”, argumenta Freire Júnior. “É a internacionalização a baixo custo, em casa, para quem não tem recursos financeiros para arcar com os custos de uma formação no exterior.”

Para Rodrigo Cintra, chefe do International Office da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a existência de um ecossistema educacional que privilegie a cidadania global é exigência cada vez maior do mercado: “Precisamos formar profissionais para posições globais, com domínio pleno do inglês, flexibilidade em relação à forma como outras culturas pensam e reagem e habilidade para uma gerência multicultural. Hoje, trainee no Brasil; amanhã, quadro em outro lugar do mundo”, completa.

Nesse sentido, “a disciplina se torna um meio, não um fim”, destaca o porta-voz da ESPM, instituição que recebeu, nos últimos três anos, cerca de duas dezenas de estudantes estrangeiros por período letivo e cujo curso superior de Relações Internacionais, ministrado em inglês e em português, já existe há uma década. “Os alunos precisam se expor a outros idiomas; isso nos ajuda a incrementar a interculturalidade, a consolidar as nossas parcerias com instituições em todo o mundo e a aprofundar o intercâmbio com elas”, completa Cintra.

Com cerca de 1.720 alunos brasileiros matriculados anualmente nos seus cursos de graduação, mais do que participar de feiras para captar estudantes – a maneira que a maioria das IES adota para marcar presença no meio especializado –, a ESPM opta por investir em parcerias com escolas de ponta. Ao todo, mantém cooperação com 30 IES internacionais, entre as quais a BCIT (British Columbia Institute of Technology), escola pública politécnica do Canadá, e o Babson College, que ensina empreendedorismo em Massachusetts, nos EUA.

Para Carlos Kamienski, assessor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (Ufabc), uma das mais jovens instituições de ensino superior do Brasil, a internacionalização das IES brasileiras não é benéfica somente para quem estuda, mas também para quem dá aula.

Com um olho nos alunos e outro nos professores, os cursos de graduação e pós-graduação ofertados pela universidade nas áreas de ciência e tecnologia, engenharia e matemática dependem da formação de um corpo docente bem estruturado, capaz de atender diversos públicos e sintonizado com o que há de mais inovador no exterior. “Aqui dentro, a grande maioria dos professores é constituída de pesquisadores que já têm domínio da língua estrangeira e vivência no exterior, o que nos permite ter um corpo docente capaz de realmente transmitir uma experiência internacional em sala de aula”, explica Kamienski. “Como temos autorização para oferecer qualquer disciplina em inglês e somos uma instituição pública que não cobra do aluno, a ideia é transformar esses docentes em multiplicadores da nossa internacionalização.”

Para tanto, a Ufabc investe em parcerias de intercâmbio perenes e em mobilidade de mão dupla: em quatro anos, enviou cerca de 1,4 mil jovens para universidades europeias, norte-americanas, japonesas e canadenses e recebeu outros cem estudantes/ano do exterior. Além disso, costuma contratar professores de fora para ministrar aulas em fim de curso e instiga seu próprio corpo docente a preparar conteúdo em inglês, com base em acordos de cooperação com instituições estrangeiras.

Paralelamente, para ajudar os educadores a diferenciar a aula globalizada da meramente traduzida, a IES promove cursos regulares em inglês, dentro do conceito EMI (English as a Medium of Instruction ou Inglês como Meio de Instrução) – metodologia que elegeu o idioma como língua universal para lecionar disciplinas de todas as áreas do conhecimento em ambientes onde ele não é usado comumente.

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Outro esforço da Ufabc no sentido de internacionalizar seus cursos diz respeito a créditos e grade curricular: “Nossa estratégia consiste em ministrar as disciplinas mais básicas tanto em inglês como em português, sendo que a maior parte dos créditos do aluno está nas disciplinas optativas.

Assim, via de regra, a cada quadrimestre, ele tem à disposição duas ou três disciplinas em língua inglesa”, explica Carlos Kamienski. Visitas a universidades estrangeiras e feiras internacionais, além do esforço em traduzir currículos, ementas e glossários de termos para professores e alunos, também fazem parte do rol de iniciativas adotadas para se abrir para o mundo.

Infraestrutura de acolhimento
Para Eugênio Trivinho, assessor de assuntos internacionais da PUC-SP, a internacionalização da educação superior brasileira vai além da formação de um corpo docente bilíngue. Mesmo porque, em geral, professores universitários têm domínio de pelo menos uma língua estrangeira. “O que falta é desde uma rota de professores palestrantes até a participação em eventos e feiras, no Brasil e fora dele.”

A produção intelectual no exterior bem como a publicação bilíngue ou multilíngue de livros e artigos científicos no mercado nacional e estrangeiro, a realização de estágios de pesquisa, conferências e palestras como professor convidado e a supervisão de pós-doutorandos vindos de outros países são atividades que permitem ao profissional se distinguir no seu meio e estruturar bons cursos, opina.

Isso supõe vencer outra dificuldade que não é só dos educadores, acredita Trivinho, para quem existe no país “uma forte barreira linguística”: “O Brasil acordou muito tarde para a globalização baseada no trato da língua inglesa e não tem cultura intelectual vocacionada para a internacionalização. Mesmo as elites educacionais não estão preparadas para ela”, avalia.

Na contramão dessa realidade, conta ele, a PUC optou por implantar, a exemplo de outras IES, uma política interna de valorização da proficiência em língua estrangeira, um movimento que, reconhece, está apenas ganhando força.

Com quatro campi na cidade de São Paulo e outro em Sorocaba, onde funcionam nove escolas, a instituição recebeu nos últimos três anos letivos, anualmente, cerca de 250 alunos estrangeiros, a quem oferece diversas disciplinas optativas da grade curricular em língua inglesa, bem como cursos de extensão e de especialização. A título de comparação, vale lembrar que a IES efetiva, por ano, a matrícula de cerca de 3,5 mil estudantes brasileiros em cursos de graduação.

Para 2017, a ideia é melhorar esses resultados: “Já em fevereiro, vamos acolher perto de 60 alunos vindos de fora, em contrapartida ao mesmo número de jovens brasileiros que encaminhamos em dezembro de 2016 para 11 países onde mantemos parcerias”, informa.

internacionalização3Outro gigantesco esforço da PUC-SP para se firmar na rota da educação globalizada diz respeito à hospedagem e suporte logístico aos estudantes: “Quatro em cada dez alunos que vêm seguir um curso conosco são captados por organizações especializadas, muitas delas norte-americanas, que oferecem a opção de hospedagem em casas de família ou em apartamentos mobiliados, nos arredores dos campi.

O pagamento, nesse caso, é feito na origem. Outros 50% são jovens cuja matrícula se enquadra em algum dos programas de intercâmbio internacional ou convênio bilateral que a PUC mantém em todo o mundo. Por fim, 10% das captações são alunos que vêm seguir algumas matérias no semestre e pagam diretamente à Universidade na proporção do que estudam”, explica Trivinho.

Para esse público, a PUC mantém uma lista on-line de hospedagem em língua portuguesa, além de um centro de convivência internacional, restaurante e cafeteria.

Fonte: http://www.revistaensinosuperior.com.br/de-portas-abertas-para-o-mundo/ (acesso em 23/06/2017)