Candidatura de Obama pode ser “revolução”

02/07/2008 0 Por Rodrigo Cintra
Os Estados Unidos são, provavelmente, o país mais importante do mundo no sentido de impactos que podem ser gerados a partir de cada ação ou medida tomada por seus governantes. Nesse sentido, as eleições norte-americanas são cuidadosamente acompanhadas pelo mundo todo na expectativa de antecipar movimentos importantes e que possam impactar outros países.

Com o Brasil não poderia ser diferente, sobretudo na medida em que temos nos EUA um dos mais importantes parceiros comerciais, além de vivermos num eterno esforço de aproximação e afastamento com relação aos EUA – o que pode ser traduzido também em termos de busca por maior autonomia e liberdade de atuação na América do Sul ou em termos de busca por relacionamentos preferenciais.
Desta forma, é sempre interessante acompanhar o que tem ocorrido nas eleições norte-americanas, sobretudo na medida em que há um conjunto de expectativas que norteiam o comportamento de políticos e empresários brasileiros. É justamente nesse momento que caricaturas e mitos podem gerar interpretações incorretas do que está acontecendo e do que deverá acontecer com os EUA no próximo governo.
Recentemente, o presidente Lula declarou que “Monteiro Lobato escreveu que um dia haveria uma disputa entre uma mulher e um candidato negro nos Estados Unidos. É o que está acontecendo com o Barack Obama. Eu acho que é uma revolução na cabeça do eleitorado americano. Se Obama ganhar será mostra de grande evolução. Essa é a grande novidade desses últimos 100 anos da história”.
Esta declaração do presidente Lula mostra uma idéia que está relativamente consolidada no Brasil: a de que um governo Democrata seria melhor do que um governo Republicano. Assim, é mais fácil ver Obama (e até pouco tempo atrás, Hilary Clinton) como um presidente que será melhor do que McCain. A declaração esconde mais do que um elogio ao desenvolvimento de uma perspectiva eleitoral que permite a candidatura de figuras não-tradicionais.
Em verdade ela esconde uma percepção de que esses candidatos não-tradicionais são mais representativos do verdadeiro “povo” e mostrariam a vontade de mudança por parte do eleitorado. Não podemos nos esquecer que o próprio presidente Lula apresenta as mesmas condições que ora elogia nos EUA: também é um candidato não-tradicional e que expressaria a verdadeira vontade popular.
Por outro lado, para os que realmente querem acompanhar o que está acontecendo na política norte-americana, deve ir além das aparências iniciais e se focar mais nos atos realmente levados a cabo na lógica política. Assim, é importante ultrapassar as características de gênero e raça para conseguir entender qual serão as principais linhas mestras a serem seguidas pelos candidatos.
Especificamente para o caso do Obama, recentemente ele contatou Jason Furman para ser seu Diretor de Política Econômica. Furman trabalhou diretamente com Robert Rubin, Secretário do Tesouro dos EUA durante os governos de Bill Clinton, e é reconhecidamente ligado a Wall Street. Com isso, a indicação que fica é que mesmo com todas as críticas de Obama ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e todo o apoio que tem declarado aos trabalhadores em detrimento dos empresários, agora sua atuação concreta está indicando outro caminho.
A parte da esquerda do partido Democrata já se mostra muito incomodada com essa decisão de Obama e tem expresso isso publicamente. Em grande medida isso ocorre pois, nos EUA, já perceberam que Obama está mudando parte de suas promessas e posicionamentos, agora é hora de percebermos isso no Brasil também. No mundo da política, não se iludir com falsas percepções ou com caricaturas é mais do que um sinal de esperteza, é uma condição básica para ser um bom governante.

*Rodrigo Cintra é professor da ESPM e Diretor da Focus R. I. – assessoria e consultoria em Relações Internacionais

Publicado originalmente em Época Negócios
http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/1,,EDG84005-8373,00.html