Internacionalização versus exportação: o caso da suinocultura brasileira

09/03/2006 0 Por Rodrigo Cintra
As empresas brasileiras são, cada vez mais, forçadas a enfrentar o mercado mundial, tendo que desenvolver estratégias de inserção de seus produtos e marcas sob pena de serem ultrapassadas e se tornarem pouco competitivas. Assim, a participação no mercado mundial não é apenas mais um diferencial para um crescente número de empresas, é uma questão de sobrevivência.

A questão central passa a ser “que tipo de internacionalização é mais adequada?”. Existem várias formas de se envolver com o tema da internacionalização, começando com simples exportações até a abertura de unidades produtivas em outros países. No meio desse caminho, é possível encontrar ações de representação, contratação de agentes internacionais, distribuidores ou ainda joint ventures.

É importante salientar que não existe um modelo ideal, já que essas ações podem ser desenvolvidas concomitantemente ou como fases de um processo maior. No entanto, cada caso é um caso, e assim deve ser tratado. As empresas devem estar dispostas a investir seriamente no desenvolvimento das estratégias de internacionalização, conhecendo os riscos, custos e possibilidades de retorno.

Um setor que tem sido particularmente obrigado a enfrentar o mercado mundial é a suinocultura brasileira, especialmente quando se pensa no caso de sua participação no mercado russo.

Atualmente a Rússia é o destino de 65% das exportações brasileiras de carne suína, um volume de 404,739 mil toneladas, correspondentes a US$ 805 milhões (segundo dados da ABIPECS), sendo a maior parte de carcaça congelada (baixo valor agregado). O país estabeleceu uma política de cotas para importação de carnes e, apesar do Brasil ser seu principal fornecedor de carne suína, não possui uma cota própria – ficando suas exportações restritas a uma cota compartilhada com diversos países.

Para 2006 as cotas continuam bastante rígidas, o Brasil dividirá um volume de 181,032 mil toneladas (38% do total) com os outros países exportadores de carne suína para a Rússia. A tarifa de importação é de 15% e a extra-cota 60%. No entanto as oportunidades brasileiras no mercado russo são oriundas principalmente da incapacidade dos demais países em abastecer (ainda que parcialmente) a demanda, em face da baixa capacidade produtiva ou problemas com epizootias. A alta competitividade brasileira, cujo custo de produção de carne suína é o menor do mundo, faz com que os importadores optem pela carne advinda do país.

Para determinar uma possível estratégia de aumento da inserção do setor suinícola brasileiro em seu principal mercado importador é necessário analisar alguns fatores tais como: qual a tendência de consumo na Rússia? quais os padrões produtivos e suas tendências? quais são os principais competidores e que estratégias têm adotado?

Um estudo desse perfil ultrapassaria os limites desse artigo, porém é possível indicar algumas das respostas, de forma a melhor compreender como podem ser feitas escolhas no tocante à internacionalização das empresas brasileiras.

Tendências do mercado russo

O breve aumento da produção interna de carne na Rússia (totalizando 4,7 milhões de toneladas, mesmo com o incentivo governamental) faz com que o país ainda dependa quase em 50% de importações. Se considerarmos as estimativas de que em 2010 o consumo de carnes chegará a 10 milhões de toneladas. Essa dependência se manterá por bastante tempo, com as quotas pressionando os mercados mais resistentes, e as reexportações aflorando nos momentos de crise.

Na tentativa de abastecer esse mercado com um volume e variedade maior de produtos industrializados à base de carnes, a empresa russa Euroservice fez um investimento de € 277 milhões na construção de 10 indústrias processadoras para o complexo carnes russo; um sinal de que tanto o governo quanto o setor privado estão dispostos a incentivar o aumento da demanda por proteína animal no país.
Além de ser uma necessidade mercadológica, a empresa tem seus maiores lucros com a venda de carne importada em forma de produtos industrializados. Em 2004 dos US$ 430 milhões, US$ 350 eram provenientes da venda de carne importada, o que faz com que a empresa tivesse interesse em solidificar-se nesse segmento do mercado e aumentar seu market share dentro da Rússia.

A Euroservice é a pioneira em investimento de grande porte na indústria de carne processada no país e possui estratégias bem definidas para uma expansão sólida. Seu histórico evidencia como, por meio da múltipla atuação, a empresa é hoje um player de peso no mercado de carnes russo. Desde sua fundação em 1991 (após o fim da União Soviética), como distribuidora de produtos norte-americanos à base de carne de frango foi paulatinamente transformando-se e, pela própria necessidade da empresa, foram iniciados investimentos em áreas correlatas do complexo carnes.

Essa expansão ocorreu devido às próprias dificuldades enfrentadas; a empresa se adaptou ao mercado, procurando resolver suas dificuldades mercadologicamente. A maioria delas era fruto da falta de desenvolvimento dos negócios e dos próprios consumidores. Às oito décadas de União Soviética impossibilitaram investimentos e desenvolvimentos consumidores. Assim, quando o país se abriu, faltava estrutura e mercado diversificado.

É interessante ressaltar que a estratégia da empresa é múltipla, ou seja, ela atua como distribuidora de produtos importados e de seus próprios produtos, cuida da promoção de sua marca e do melhoramento de seus processos produtivos e de distribuição, por meio da verticalização e aumento das redes distribuidoras, respectivamente.

A grande jogada se encontra nas oportunidades de oferta internacional de carne suína barata e em como a transformação desta em produtos industrializados abre uma oportunidade de mercado que não foi até o momento totalmente explorada na Rússia pelo complexo carnes de alta tecnologia.

Quando consideramos que 97% das lingüiças do país são feitas por produtores regionais, e que a Rússia apresenta um consumo de carnes com crescimento de 10% por ano, é evidente que este mercado precisa de processadores que consigam abastecer a demanda com baixo preço. A Euroservice projeta um aumento de 400% na fabricação de lingüiça, de 4 mil toneladas para 20 mil toneladas/mês.
Atualmente a Euroservice atua no ramo de refrigeração e transporte de produtos cárneos, produção de ração animal, e de produtos de alto valor agregado (processados e embutidos) de carne bovina, suína e aves.

Ao mesmo tempo, a empresa russa Miratorg, grande distribuidora de produtos importados do complexo carnes, – como os da marca Sadia – investirá na construção de uma granja com capacidade produtiva de 100 mil toneladas/dia.

Os fatos indicados acima apontam que este é o momento em que as empresas russas e as subsidiárias internacionais no território decidiram investir no crescimento da demanda e da capacidade doméstica em abastecer o mercado com produtos industrializados.

Outro importante ponto que auxilia e impulsiona a venda e consumo de carne processada na Rússia é a descoberta de que a substituição de nitratos e nitritos permite a conservação de produtos à base de carne frescas e resfriadas por mais tempo. Essa descoberta aumentará a venda de produtos do complexo carnes, já que o prazo de validade dos alimentos será maior. O período de conservação da lingüiça fresca, de 2 a 3 dias, poderá passar para 20 a 30 dias, permitindo a estocagem desses produtos que são amplamente consumidos no país.

Um importante fator também para as empresas é a possibilidade de vender carne fresca e resfriada para regiões mais extremas do país, atividade comprometida pela distância dos grandes centros produtores de algumas regiões do leste.

Vale ressaltar que, em comparação com a Europa, EUA e Japão, a população russa está em um diferente estágio de consumo. Enquanto os primeiros se preocupam com qualidade, implicações à saúde e variedade dos produtos, na Rússia o problema ainda é renda e capacidade de abastecimento da indústria doméstica, que só se mantém com os altos níveis de importação.

O inverno russo e seus impactos na dinâmica do mercado

Considerando a realidade do país – que durante o inverno torna-se inacessível via mar – a idéia de garantir produtos com alto valor calórico e protéico, fácil armazenagem e relativa perecibilidade, é muito pertinente. Como não há acesso dos navios aos portos do país durante o inverno, a importação e consumo de carne suína in natura fica comprometida.

As importações de carne durante os 9 meses seguintes – com níveis acima do consumo para estocagem durante o período de inverno e futuro processamento – é um grande negócio e é necessário para a manutenção do abastecimento do país.

Por isso a tática da indústria de carnes russa (de aumento da produção de produtos industrializados) é mercadologicamente interessante. É importante ressaltar que esses investimentos poderiam muito bem ser feitos por uma joint venture brasileira, ou mesmo por uma indústria nacional instalada no país que percebesse essa demanda.

É uma excelente oportunidade de mercado que não ganhou destaque na indústria de carne suína brasileira, muito interessada em manter o volume de exportação de carne suína in natura, ao invés de investir em indústrias locais para a produção de produtos elaborados – e o mais importante: não pertencentes ao sistema de cotas.

O aumento anual da demanda por produtos processados, principalmente de carne suína e aves é significativo na Rússia; desta maneira, proporcionar aos consumidores maior variedade e condições de consumo é praticamente criar um novo nicho de mercado.

Enquanto os produtores de carne suína preocupam-se em exportar carcaça congelada para a Rússia, presos no sistema de cotas e ao baixo valor do produto, outros países avançam na corrida de consolidação do mercado do país.

Também as empresas que produzem derivados da carne suína têm sua parcela de responsabilidade, pois ainda optam por ter seus produtos distribuídos na Rússia (como é o caso da Sadia na Miratorg) ao invés de os fabricarem no país, o que possibilitaria uma inserção no mercado muito maior.

Conclusão

Empresas como a Euroservice, Danish Crown e Smithfield são tão competentes quanto as principais processadoras brasileiras, a grande diferença é que elas parecem dispostas a investir nos grandes mercados a partir da construção de indústrias, projetos de marketing dos produtos e incentivo ao consumo, ou seja, procuram adentrar os mercados criando sólidas bases e não somente exportando ou vendendo por meio de intermediários.

O exemplo da Euroservice é interessante, pois a empresa tornou-se um importante player nacional devido à sua capacidade de detectar oportunidades de mercado dentro da Rússia, criando uma estrutura própria de produção e distribuição, numa lógica importadora muito diferente da realidade brasileira. A Rússia é predominantemente importadora de carne suína, assim a Euroservice foi buscar na oferta internacional seus produtos para consolidação no mercado interno; diferentemente, o Brasil – que é exportador – tem de buscar acesso a mercados e por meio do marketshare alcançado se consolidar.

Seria uma oportunidade para o Brasil (considerando a necessidade de abastecimento do país e a extensa parceria comercial, firmada diplomaticamente entre ambos os países) que as empresas passassem a produzir em território russo, por meio de joint ventures ou subsidiárias, conforme a reciprocidade do mercado.

Uma outra dificuldade que se apresenta é o parco acesso inicial a fornecedores, distribuidores e frigoríficos. A Euroservice atualmente possui uma estrutura completa de apoio na cadeia russa, construída em pouco mais de uma década de existência e intensa atuação no mercado. As empresas brasileiras, a princípio, não teriam todos estes canais abertos e seria necessário o emprego de estratégias de mega-marketing para facilitar a criação de um estrutura de mercado; considerando a importância da Rússia para a sobrevivência do setor suinícola brasileiro, ainda que estas dificuldades apareçam o custo de oportunidade é inferior aos ganhos.

Isso auxiliaria o país a sair de uma lógica basicamente exportadora para um mecanismo de investimento externo que, apesar de apresentar maiores riscos, também pode conferir maiores e consolidados ganhos no médio e longo prazo.

Há mercados e há oportunidades, no entanto é preciso coragem para sair da inércia exportadora que cerca a suinocultura brasileira e adentrar com firmeza o mercado internacional.

* Rodrigo Cintra é Diretor Executivo da Focus R. I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais e Vice-Presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo
** Mariana Ricci é especialista em suinocultura na Focus R. I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais


Publicado originalmente em:

RelNet

Colunas de RelNet no. 13 ,mês 1-6 ,ano 2006