O problema do Brasil não é a troca de governo, mas a falta de elite

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
O problema do Brasil não é a troca de governo, mas a falta de elite Rodrigo Cintra O problema do Brasil não é a troca de governo, mas a falta de elite. A afirmação não será simpática para grande parte dos leitores, porém como elogios só fazem bem ao ego e à crítica cabe enobrecer a alma, acredito ser necessário iniciar uma discussão verdadeira acerca das causas dos males que marcam o Brasil desde que este se tornou um país.

Escolhamos o embasamento teórico que for, ao olharmos para nossa história, perceberemos uma eterna luta para conseguir mais do mesmo, para acomodar interesses particulares e, não poucas vezes, mesquinhos. Grandes vozes pátrias já tentaram acabar com o silêncio da ignorância que tantas vezes escurece nossos céus, mas foram caladas ou mandadas à pregar no deserto. Dos grandes abolicionistas como Castro Alves e José Bonifácio, aos modernos irmãos Andrade, tudo o que vimos foram palavras que se perderam no ar.

Ao "você sabe com quem está falando?" soma-se a idéia dos privilégios como algo exclusivo de um grupo – ou será que poderíamos chamar de casta? – que se julga em posição superior aos demais membros da sociedade brasileira. Até onde a história ajuda-nos a chegar, não podemos dizer que as aristocracias brasileiras alguma vez chegaram a saber o real significado dos privi legios. Para os brasileiros típicos que, como eu, não puderam aprender na vida seu real significado, divido esta minha nova descoberta: os privi legios eram regras que as verdadeiras elites colocavam-se a si mesmas a fim de melhorar a execução de suas obrigações, ou seja, direcionar o desenvolvimento de uma sociedade. Assim sendo, não eram poderes a mais, contudo leis a mais que deveriam seguir.

Ao contrário, no Brasil, os grupos mais abastados aprenderam a usurpar os limites do respeito humano e da conduta social. Não devemos cair no exagero de achar que corrupção é um problema único e exclusivamente nosso, no entanto ela também não pode ser creditada às instituições políticas ou sociais. Grande parte de nosso corrompimento encontra bases morais profundas na concepção de mundo dos brasileiros.

Como bons frutos do mundo moderno, também acreditamos que o progresso e a satisfação de nossos desejos é algo natural, que basta removermos alguns obstáculos para que ocorra. Temos uma incrível incapacidade para perceber que tudo o que conquistamos (de bom e de ruim) é resultado de esforço e privação de gerações. Sendo o Brasil um país relativamente pobre e para satisfazer todos os seus desejos, a pseudo-elite brasileira vale-se das riquezas produzidas pelo total da população para manter um nível de satisfação dos desejos semelhante àquele encontrado nos países mais ricos. Não precisamos percorrer muito numa cidade como São Paulo para encontrar carros, motos, casas e restaurantes cujos preços ultrapassam o rendimento mensal de famílias inteiras.

Ser elite não é fácil. É preciso estar imbuída de um código ético denso e da capacidade de conduzir toda uma nação. Talvez a principal característica da elite seja a sua inquestionável disposição à auto-impor-se restrições quando a sociedade assim o exigir. Os membros que formam a elite sabem que sua glória não está no tamanho do castelo em que vivem, todavia na satisfação de sua cidade.

Um país que não pode contar com um grupo de indivíduos como esse, não consegue desenvolver-se como nação senão em função de um movimento de inércia que nos obriga a sempre seguir em frente. Cabe justamente à elite decidir para onde é o "em frente". E é justamente isso que parece faltar para o Brasil: enquanto aqueles que deveriam formar a elite brasileira jogam para o governo a obrigação de comandar o barco, os governantes são tomados pelo discurso tecnicista e, por isso mesmo, sem qualquer responsabilidade moral.

Mais do que melhorar nossas instituições políticas – mas nem por isso menos importante – devemos nos ocupar em formar uma elite verdadeira. Mas tenhamos consciência de que isso não é responsabilidade do presidente, das universidades ou das igrejas, é algo que todos devemos fazer. Todos e cada um de nós carrega em si a capacidade de sermos elite, mas para isso é preciso estarmos dispostos a nos dedicar ao desenvolvimento do país, mesmo que isso implique em abandonar alguns planos individuais.

Ao leitor que me acompanhou até aqui, aproveito para pedir-lhe desculpas por esse, digamos, copo de água fria, num momento em que a euforia e a crença num futuro diferente marca nossa sociedade. Mas acredito que é preciso aproveitar justamente este momento para refletirmos um pouco mais do que somos e o que queremos ser.

Moral da história: ao que parece, o Santo Graal não passa de um simples copo de barro.

Conselho Literário:

“"Nas escolas que foram motivo de orgulho para o século passado, não foi possível fazer mais do que ensinar às massas as técnicas da vida moderna, mas não se conseguiu educá-las. Foram dadas a elas instrumentos para viverem intensamente, mas não a sensibilidade para os grandes deveres históricos; nelas se inocularam, atropeladamente, o orgulho e o poder dos meios modernos, mas não o espírito. Por isso não se interessam pelo espírito, e as novas gerações dispõem-se a tomar a direção do mundo como se o mundo fosse um paraíso sem pegadas antigas, sem problemas tradicionais e complexos"
A Rebelião das Massas – José Ortega y Gasset

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Política

Ano III  nº 20  – Fevereiro de 2003