Uma prova à capacidade negociadora brasileira: o caso dos têxteis chineses

29/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra

A invasão de produtos chineses no mercado mundial tem prejudicado diversos países, e que agora ameaçam impor barreiras protecionistas caso o volume de exportações não se modifique. Esse é o caso do Brasil, que deve regulamentar nos próximos dias a imposição de salvaguardas para os produtos chineses que ameaçam a indústria nacional. Em reunião entre os membros da Camex e Lula em maio, ficou decidido que o presidente assinaria dois decretos, um regulamentando as salva-guardas para produtos em geral (com duração até 2013) e outro exclusivo para têxteis (com duração até 2008).

Dia 23 de junho uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado tinha como pauta a proposta da FIESP em discutir o reconhecimento da China como uma economia de mercado. A falta de quorum por conta da reunião CPI dos Correios fez com que a reunião fosse adiada para o início do próximo semestre.

Mesmo com esse adiamento, o contencioso vem ganhando destaque na iniciativa privada e no governo. O objetivo da FIESP e dos senadores com essa audiência era discutir as reais conseqüências que as exportações chinesas apresentam, tanto para a produção nacional quanto para as exportações brasileiras.

Os possíveis impactos desse contencioso podem ser mais graves do que uma simples batalha comercial. A ameaça de impor barreiras não vem apenas do Brasil, sendo vista também nos EUA e Europa. A China, por sua vez, rebate com o endurecimento de sua posição para a liberalização dos produtos agrícolas, principalmente nos fóruns multilaterais de comércio, como ocorre na OMC.

Caso a China confirme esse posicionamento mais duro, as negociações do G-20 serão bastante comprometidas. Sendo um importante membro do bloco, ao adotar um posicionamento contrário ao que vinha sendo defendido mostrará um enfraquecimento da posição do grupo nas negociações internacionais. Para o Brasil, líder do bloco, esta retaliação enfraqueceria todo o esforço diplomático que tem sido aplicado na Rodada Doha com bastante sucesso.

Porém o ponto mais sensível das relações comerciais entre China e Brasil está no fornecimento de soja, hoje a principal commodity de exportação do agronegócio brasileiro. A relação de dependência entre os dois países no que concerne à compra e venda de soja permite que a China tenha em suas importações uma moeda de troca para negociações comerciais, econômicas e políticas. De todo o volume de soja exportado pelo Brasil, 30% tem a China como destino.

É importante considerar os possíveis impactos para a sojicultura que resultarão da imposição de salvaguardas às importações de produtos chineses, especialmente os têxteis. A importância desta commodity para a balança comercial brasileira impede que a sua comercialização seja colocada em risco, ou negociada como moeda de troca; a manutenção da política econômica atual também depende da permanência ou crescimento das exportações do grão.

A diminuição dos carregamentos de soja brasileira para a China, fruto das super-safras americana e argentina, pode se agravar com a imposição das salvaguardas. A grande oferta do mercado possibilitará à China negociar em posição favorável com o Brasil, tanto em aspectos comercias quanto políticos. Basta saber em qual deles o país está mais disposto a ceder.

A imposição da barreira será cautelosa. O Brasil procura sinalizar para a China que a salvaguarda efetivamente só será adotada em último caso e após negociações. Com isso o governo procura acalmar os setores da economia prejudicados pelas exportações chinesas, e aqueles que poderão ser afetados com possíveis retaliações do país, a exemplo máximo da soja.

* Diretor da Focus R.I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais e Vice-Presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo

** Consultora da Focus R. I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais (www.focusri.com.br)


Publicado originalmente em:

RelNet – Colunas de RelNet no. 11 ,mês 1-6 ,ano 2005