O príncipe esqueceu as lições do Príncipe?
30/09/2005As elites do mundo em desenvolvimento estão muito vulneráveis a movimentos que acontecem além de suas fronteiras nacionais; isto, somado a outros fatores (incapacidade de organização, excessiva dependência do Estado ou até mesmo a inexistência de elites) faz com que estas mesmas elites não consigam formular uma estratégia de ação consistente e sustentável. Agem, na maioria das vezes, de forma ad hoc, buscando adaptar-se às condições constantemente alteradas.
Os países centrais, ao controlarem parte dos principais fatores formatadores das relações internacionais (processos econômico-financeiros, ideologias dominantes e agenda de discussões) podem desenvolver uma estratégia de ação calcada no médio prazo e, em alguns casos mais raros, de longo prazo. Isso é possível pois há uma proximidade muito grande entre as elites nacionais (especialmente aquelas criadoras dos citados fatores formatadores das relações internacionais) e o governo com toda sua estrutura burocrática.
Nestes países, como é possível estipular estratégias de ação sustentáveis, as elites e o governo podem (até mesmo devem, caso queiram sustentar seu poder) estabelecer um acordo no qual o fortalecimento de um implica no fortalecimento do outro. Na área comercial, podemos perceber mais claramente este “acordo”: enquanto os países centrais exercem uma forte pressão pela liberalização do comércio, praticam as mais variadas formas de protecionismos e subsídios para a agricultura (área na qual são, para colocarmos nos mesmos termos que usam, menos competitivas). Importante notar que os exemplos não se restringem à agricultura (a questão do aço brasileiro, e dos confrontos Embraer versus Bombardier também vão nesta direção).
Diante deste quadro no qual as relações já começam desiguais, coube ao mundo em desenvolvimento esforçar-se para encontrar brechas no sistema ou lutar para conseguir retardar o processo o máximo possível. No entanto, uma mudança está operando-se neste campo. O Mercosul, que no começo da década de 90 era pensado como uma forma de atrasar a ALCA, agora é entendido como uma importante fonte de poder político. Por que teria ocorrido tal transformação?
Ao que tudo indica, ainda não conseguimos agir num sistema internacional no qual podemos estabelecer estratégias de ações sustentáveis. Entre outras, podemos encontrar duas razões: (1) o drástico processo de modernização do Estado e da sociedade brasileira – ainda em curso – fez com que as elites tradicionalmente dependentes do Estado fossem forçadas a buscar a preservação de seu poder em outros campos. Com isso, quebrou o círculo vicioso no qual vivíamos, segundo o qual o fortalecimento de um implicava no enfraquecimento do outro, num jogo geralmente de soma negativa. Essa quebra força elites e governo a buscarem um apoio mútuo benéfico a ambos (basta vermos o aumento das vendas de carne brasileira no mercado internacional após as suspensões de compra, alegando-se contaminação pela “vaca louca”).
Some-se a isto, (2) os países em desenvolvimento estão descobrindo que sua união pode gerar um fortalecimento mútuo. Com exceção do Movimento dos Não-Alinhados – que ocorreu num momento muito particular da história – os países em desenvolvimento esforçam-se em demonstrar que segue à risca o modelo dos desenvolvidos, buscando cair nas graças destes últimos. Neste esforço, a ação individual ganha destaque. O endurecimento do governo republicano estadunidense, somado ao estabelecimento de uma estratégia de ação calcada na sustentabilidade de contínuos e condensados ganhos, dificultou a ação que os países em desenvolvimento experimentaram no sistema internacional.
Originalmente publicado em:
Revista Autor
Política
Ano II – N. 8 – fevereiro de 2002