O amadorismo da política externa brasiliera
27/03/2006Desde a época do Barão do Rio Branco, no início da República brasileira, o país vem se esforçando para alcançar seu lugar ao sol no sistema internacional. Com momentos de maior ou menos intensidade, o que se percebe é que o país conseguiu se fazer visto e hoje se aproxima de um global trader. A grande questão que está surgindo é se além do desejo de sermos mais ativos no sistema internacional, também apresentamos o preparo e a disposição para isso. E a resposta parece ser não.
A visão de bons mocinhos parece não mais funcionar lá fora, ainda que preserve uma certa força aqui dentro. Sair da condição periférica e se aventurar em projetar poder no sistema internacional tem seus custos, e seus desgastes. Por mais que o mundo seja entendido como um jogo de soma positiva, quando falamos sobre projeção de poder o jogo de soma zero parece ser mais verdadeiro. Assim, agir como se fosse um bom mocinho, ignorando a necessidade de sustentar algumas políticas desagradáveis, pode ser bom para o cotidiano diplomático, mas certamente pouco agrega para a projeção brasileira.
Num jogo no qual os interesses são muito grandes, a agressividade deve ser proporcional. Já é mais do que tempo de aprendermos que nas relações internacionais não existem amigos e muito menos parceiros eternos. Tudo deve ser tratado tema a tema, e cada um em sua temporalidade própria. Ignorar essa característica das negociações internacionais somente trás prejuízo ao país, tanto em expectativas frustradas quanto em desperdício de recursos.
Vários são os exemplos que podem ser levantados e que mostram o amadorismo da ação brasileira nas relações internacionais. Não faz muito tempo o país declamava quase em uníssono os benefícios de promover uma intervenção no Haiti, sobretudo em função da projeção que isso daria ao Brasil, mostrando como estamos preparados para ajudar na solução de crises internacionais. Não bastando, isso também seria a chave para o nosso ingresso como membro-permamente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Hoje nem ao menos nos lembramos que soldados brasileiros continuam por lá e que não temos idéia de como sairemos (numa situação, guardadas as devidas proporções, parecida com a norte-americana no Iraque).
Outro exemplo interessante é o das negociações comerciais de Doha. O Brasil vem colocando grande parte de suas fichas na agricultura, acreditando que finalmente chegou a hora de o mundo tratar desse tema. O que se vê hoje é um movimento intenso de perda de força no âmbito internacional. De uma situação eufórica diante de um já esquecido G-20, a uma aliança pragmática (e confiante demais) com os Estados Unidos, hoje nos vemos não só isolados com essa bandeira, como também objeto de oposição de uma frente anti-Brasil em questões de liberalização do comércio agrícola. Ao cabo, se não formos capazes de modificar a forma como defendemos o tema agrícola, correremos o risco de ficarmos vinculados à defesa de algo desconfortável para a agenda internacional. Temos que entender que nossas bandeiras não podem se sustentar somente numa idéia de justiça, é preciso também buscar pragmatismo e tempo certo.
Até mesmo dentro de casa, na América Latina, estamos enfrentando alguns problemas mais sérios. Enquanto um ainda fantasioso projeto de gasoduto entre a Argentina, Venezuela e Brasil é anunciado, complica-se a situação do já existente gasoduto entre a Bolívia e o Brasil, mostrando que somos melhores em anunciar grandes projetos do que em manter os já existentes, como, aliás, é o caso do Mercosul. O governo boliviano tem endurecido em suas falas e critica abertamente o acordo assinado com o Brasil para compra de gás, apontando o baixo preço pago.
As reticências do governo em usar os elementos de poder que detêm faz parte de um perfil de condução de política externa que marcou o país desde sua independência. A Petrobrás é responsável por 18% do PIB boliviano e responde por 24% dos recolhimentos tributários daquele país e, ainda assim, para preservar o estilo de política externa e a idéia de bom mocinho, se limita a esperar a regulamentação da Lei de Hidrocarbonetos, de 2005, que decidirá o futuro da empresa e seus negócios na Bolívia.
Outros vários exemplos poderiam ser levantados, como a Alca – que nem em sua versão light consegue se concretizar –, o acordo Mercosul-União Européia, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa e assim por diante. Mais importante agora do que ficar levantando esses exemplos, é urgente começarmos a analisar com mais cuidado o que temos feito no âmbito internacional. Para um país que quer seu espaço ao sol, aprender como funciona o jogo internacional e se livrar de auto-imagens românticas é mais do que um simples aprimoramento das ações internacionais, é condição necessária.
Publicado originalmente:
Intercivitas
Ano 5, nº 15 – março/abril de 2006
http://www.tancredo.br/grad_inter.htm#i04