Contraponto – O profissional de relações internacionais

02/03/2006 0 Por Rodrigo Cintra
Você entende que o profissional de Relações Internacionais deve ter um lugar próprio no mercado de trabalho?
Não.

 Inicialmente, quando se discute o espaço de atuação de um profissional, é importante levar em conta a dualidade existente entre a formação/especialização do profissional e as necessidades/potencialidades do mercado. Nesse sentido, a resposta à pergunta sobre a “desejabilidade” da existência ou não de um nicho de mercado passa pela compreensão dessa dualidade, mais especificamente, de como cada uma das partes consegue influenciar a outra. Com isso, “dever” ter um nicho é uma questão que deve ser tratada em função da realidade da inserção profissional, mais do que segundo desejos.

 Existem algumas profissões que apresentam nichos “naturais” de mercado, sobretudo em função de seu grau de especialização e de especificidade. Ortodontista, médico obstetra, engenheiro de alimentos e tradutor são alguns exemplos. Ainda que potencialmente qualquer indivíduo sem a formação na área possa apresentar a capacidade de desenvolver as atividades dessas profissões, parece claro que sempre acabarão por atuar de forma amadora.

Esses casos mostram a forte ligação existente entre a formação e o nicho de atuação. Porém, existem atividades profissionais que podem ser desenvolvidas por indivíduos com diferentes formações acadêmicas. Essa tendência é particularmente forte naqueles casos nos quais o desenvolvimento das atividades profissionais não implica risco para outras pessoas, o que faz com que o Estado não tenha tanta preocupação em determinar regras de quem pode e quem não pode atuar.

Ao analisar empresas, é possível encontrar na diretoria e nos seus postos mais altos diferentes perfis no tocante à formação acadêmico-profissional. Os engenheiros, especialmente os mecatrônicos, assumiram posições que seriam “naturalmente” exclusivas de administradores de empresas. Essa constatação, quando analisada à luz da dualidade formação-mercado, direciona nosso foco para a questão da competência desenvolvida/apresentada pelo profissional.

Acredito que o elemento central nessa discussão passe pela questão do conhecimento técnico e do domínio sobre o instrumental profissional. Nesse sentido, é o perfil da demanda de mercado por conhecimento técnico que determina a existência ou não de um nicho de mercado. Certamente, é possível forjar nichos de mercado por meio de legislações e regulamentações, como ocorre especialmente com algumas áreas jurídicas, que exigem a participação de um advogado. Contudo, não considero esse caminho, por achar que ele é contra-produtivo.

Ao ter essas questões como base para a discussão sobre a possibilidade ou a existência de um nicho específico para os profissionais de relações internacionais, a pergunta que fica é: pode um profissional desse tipo ignorar a lógica das especializações quando pensa em sua atuação? Acredito que não. Um diplomata pode ser formado em Relações Internacionais, Direito, Economia, Agronomia ou qualquer coisa que o valha, e, ainda assim, desempenhará atividades próprias da diplomacia. O mesmo é válido para negociadores comerciais internacionais ou para negociadores de paz.

Pode até ser que o formado em Relações Internacionais se mostre mais preparado para o desempenho de algumas atividades profissionais, mas certamente isso não implica um nicho próprio de atuação. A grande possibilidade de atuações faz com que existam vários perfis de profissionais de relações internacionais; determinar de antemão quais são esses espaços é destruir um potencial cada vez maior.

** Rodrigo Cintra (www.rodrigocintra.pro.br) é doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB).


Originalmente publicado em:
O Debatedouro

Edição 72 ::: 27 de fevereiro de 2006