Atuação internacional das cidades: origens e objetivos
01/12/2005
Uma primeira explicação possível, e mais ortodoxa, estaria na condição de periferia das cidades latino-americanas. Nesse sentido, o centro ocuparia o papel de vanguarda e a periferia apenas acompanharia o processo uma vez iniciado. O problema com essa percepção é que ela ignora em grande parte a própria dinâmica do sistema internacional atual. Por mais que ainda queiramos pensar sob o prisma de centro-periferia, deveríamos levar em conta que existe uma tal interdependência e movimentação de bens e idéias, que os movimentos de um e de outro deveriam apenas se diferenciar em intensidade e formato, mas não em natureza.
Outra possível explicação passaria pelas motivações do movimento de ação internacional das cidades, que poderia ser considerado algo superficial e sustentado numa moda passageira. Isso significa que alguns prefeitos, vislumbrando o potencial aberto pelo internacional, ou mesmo trazendo para seus governos um pouco de experiências passadas, ofereceriam uma certa preferência para ações internacionais. Ainda que essa explicação pareça ser parcialmente verdadeira para o caso de cidades que iniciam pela primeira vez uma atuação internacional, não é sustentável quando analisamos o caso de cidades que já estão desenvolvendo esse tipo de ações há algum tempo, ultrapassando os limites de uma gestão ou mesmo das gestões de um mesmo partido – como é claramente o caso de São Paulo.
Outra possível explicação passa pela própria ação política. A atuação internacional significa um ampliar da agenda local, de forma que problemas antes exclusivos – ao menos em seu tratamento – dos governos nacionais, agora passam a fazer parte dos debates locais. Esse ampliar da agenda política local, no sentido que aqui é discutido, pode ser resultado de pressões por parte do próprio eleitorado, ou então resulta de uma ação deliberada dos governantes.
Sabe-se que a participação política na América Latina, assim como em outros países com desenvolvimento econômico-social mais incipiente, é baixa. A mobilização dos cidadãos e setores se dá de forma difusa e irregular. Caso isso seja verdadeiro, é possível aventar a possibilidade de a segunda explicação estar parcialmente correta, ou seja, os governantes locais latino-americanos seriam os responsáveis últimos pela formação da agenda internacional das cidades, baseando-se, ao menos inicialmente, em inspirações vindas de outros lugares. Isso explicaria a diferença temporal entre a atuação européia e a latino-americana.
O fato de a prática de atuação internacional das cidades iniciar, no caso latino-americano, em função de um forjar de agenda por parte dos governantes, mais do que como resultado de uma pressão vinda da própria sociedade, certamente apresenta impactos na própria lógica de atuação das cidades. Tal discussão é importante na medida em que se busca o aumento do crescimento da participação democrática na determinação e execução das agendas políticas.
A condução dessa problemática, ainda que não exclusivamente para o caso latino-americano, tem percorrido a idéia de que a ampliação da agenda municipal se dá em função da confluência de dois fatores: (1) interdependência e (2) proximidade entre o cidadão e a cidade.
Nesse sentido, é comum a percepção segundo a qual “as pessoas vivem na cidade, e não no estado ou na união”. No entanto, por mais força retórica que guarde essa percepção, é preciso avançar um pouco mais em seu significado. É verdadeiro que o cidadão mora na cidade, mas isso é tão verdadeiro quanto a idéia de que mora no estado ou mesmo na federação. É necessário fazer uma diferenciação entre o poder político, que controla o território e o território em si.
A divisão de obrigações e competências é um importante elemento para confirmar a idéia da sobreposição de níveis político-administrativos. Enquanto a manutenção das vias de tráfego está a cargo das prefeituras, a segurança pública é uma competência do estado. Dizer que o cidadão mora na cidade e que o estado é algo distante, é, por conseqüência, afirmar que o cidadão está distante da segurança pública.
A questão central a ser discutida nesse momento é sobre a natureza e destinação das diferentes políticas públicas. Em alguns casos há convergência (educação, saúde, transporte), enquanto em outros há separação e independência (segurança). E a defesa descontextualizada de “pertencimento” do cidadão à cidade pode criar uma falsa identidade, visto que não necessariamente encontra respaldo em bases concretas.
A proximidade entre o cidadão e o governo se dá em função de estímulos e canais de contato político, ou seja, ocorre especialmente por meio da concepção, desenvolvimento e implementação de políticas públicas.
Desta forma, a atuação internacional das cidades, caso busque ultrapassar os limites de uma ação de governo e se constituir como uma ação de Estado, deve buscar sua consolidação no formato de uma política pública, o que significa ter uma maior abertura para a participação da sociedade civil, além de buscar objetivos de longo-prazo e que são direcionados para a melhora das condições de vida da população.
Publicado originalmente em:
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)
Seção Internacional
Ano V, n 54, dezembro de 2005