O estudo das relações internacionais
24/11/2006O estudo das relações internacionais tem se desenvolvido no Brasil de forma mais acentuada a partir da última década, de forma que ainda são tidos como incertos tanto o perfil de formação num bacharelado em relações internacionais, quanto o perfil profissional do egresso. Encontrar o ponto de intersecção entre a formação e a atuação profissional tem sido o caminho mais percorrido por aqueles que querem discutir o futuro dessa profissão.
Seguir por esse caminho pode ser algo prejudicial para a discussão, na medida em que transformará a formação em um instrumento do profissional e não em um fim em si mesmo. Para melhor entender a diferença entre ambos é possível recorrer a uma metáfora-aparente, que são as academias de ginástica. Quando alguém vai a uma academia de ginástica, vale-se de aparelhos, exercícios e treinos voltados para a tonificação muscular e/ou aumento da capacidade de realizar atividades aeróbicas. O que é importante diferenciar aqui é o objetivo e a finalidade da academia: enquanto o objetivo está relacionado com a tonificação do corpo, a finalidade tende a variar de acordo com cada um. Do emagrecimento ao desfile, passando pelo preparo para o desempenho de uma competição, cada indivíduo terá sua própria motivação, que irá variar de acordo com suas condições e seus interesses.
Numa academia de ensino não deve ser diferente. Os alunos, quando ingressam nas faculdades, devem ter em mente que suas finalidades são individuais. As disciplinas, assim como os exercícios, devem ser entendidos como formas de organização das atividades, formas de potencialização dos objetivos a serem alcançados. Lá tonificação corpórea, aqui tonificação reflexiva. Assim, cada disciplina deve contribuir para o desenvolvimento/fortalecimento de uma capacidade analítica, cabendo ao aluno a consolidação daquelas capacidades que mais lhe interessam, construindo seu perfil de atuação. Não deve ser responsabilidade do curso ou dos professores a formação do aluno, mas sim a tonificação específica, dentro daquelas áreas que conhecem.
O cientista
Nada mais perigoso que um intelectual certo de suas verdades científicas, dono de um latifúndio de afirmações que se querem perenes. O verdadeiro cientista não passa de um curioso, de alguém que sabe que cada nova verdade é apenas o caminho que leva a novas dúvidas, a novos questionamentos sobre uma realidade que nunca se mostra completa por ser dinâmica.
Mais do que ir contra a corrente, o objetivo de qualquer ciência é romper continuamente com todo o conhecimento sólido, expondo sua incompletude e acumulando novos desafios. Só devemos confirmar em nossas certezas durante o tempo em que as estivermos conhecendo; depois disso, é fundamental termos a coragem para duvidar.
Todos os conceitos devem ser colocados à prova e mesmo a mais densa base empírica não pode nos servir de garantia da última palavra – sobretudo porque até mesmo o empirismo não passa de uma forma temporária de organizar artificialmente o mundo.
Tal qual um poeta, um cientista deve ser movido por suas paixões, por seu desconforto frente a um objeto que é sempre mutável, dinâmico, temporário. Ser um cientista é temer as teses e se encantar com as hipóteses. É buscar a superação de si mesmo, reconhecendo-se como o deus que cria seu mundo com a dúvida.
Essa perspectiva é especialmente válida para campos do conhecimento que foram apenas recentemente delimitados, como é o caso das relações internacionais. Nele, comumente as teorias são confundidas com afiliações ideológicas, de forma que surgem afirmações como “eu sou Realista” ou “eu sou Neo-liberal Institucionalista”. Tal confusão entre o cientista/pensador e sua ferramenta (a teoria) impacta na própria capacidade de tratamento do mundo.
É justamente na capacidade que o analista de relações internacionais tem de não só questionar o mundo tal qual percebe, mas também as próprias bases que organizam seu pensamento, que é possível encontrar um bom profissional.
Processo de ensino-aprendisagem
A despeito do discurso multidisciplinar que domina as relações internacionais, é importante reconhecer que os professores têm grandes limitações conceituais e temáticas, de forma que devem se concentrar apenas naquelas áreas nas quais realmente dedicaram atenção especial. Desenvolver um conhecimento multidisciplinar não é ser conhecedor de vários assuntos, é buscar considerar várias perspectivas disciplinares quando se faz uma análise.
Dessa forma, aluno e professor devem desenvolver uma forma de diálogo que permita a ambos compreender suas diferentes perspectivas. Como em toda ciência, a quantidade estocada de conhecimento ultrapassa a capacidade de acumulação por parte de um indivíduo, de forma que é necessário reconhecer a contínua limitação que um professor enfrenta ao trabalhar com um tema. Partindo desse reconhecimento, tem-se que o professor não deve ser entendido como a expressão dos conhecimentos acumulados na área, mas sim como um ponto-referencial, alguém cujas reflexões estão desenvolvidas a ponto de se tornar um estimulador das reflexões. Alguém que traz novas técnicas e exercícios capazes de auxiliar o aluno na busca de suas finalidades.
Mais do que ditar o conteúdo a ser trabalhado, é importante que o professor seja capaz de indicar as razões que levaram à escolha de cada um dos autores trabalhados, das metodologias que serão utilizadas, da importância dos conceitos apresentados. Ao não se preocupar com isso – seja no momento de conceber um curso, seja na própria interação com os alunos – os professores não serão mais do que reprodutores parciais de um conjunto de conhecimentos. Ao mesmo tempo, ao não reconhecerem sua verdadeira função numa sala de aula, o professor acaba por oferecer ao aluno uma falsa percepção de completude no aprendizado, obscurecendo a idéia de que o estudo é algo contínuo.
Diante das várias possibilidades de estudo dentro das relações internacionais, cabe ao professor auxiliar o aluno em sua capacidade de delimitar os campos que lhe interessam e, a partir desse primeiro recorte, alcançar a delimitação do “objeto científico”. O professor deve ser capaz de construir uma agenda inicial de reflexões, estimulando o aluno a construir sua própria sub-agenda.
É dessa forma que uma discussão sobre a intervenção/invasão dos EUA ao Iraque logo pode se transformar numa discussão sobre imperialismo (sistema internacional contemporâneo), controle na produção de petróleo (globalização), promoção da democracia e dos direitos humanos (regimes internacionais), falência dos organismos multilaterais (organizações internacionais) ou sobre um comportamento “inato” dos Estados mais fortes na determinação de regras para os mais fracos (teorias de relações internacionais).
O estudar
Em geral o que se percebe é uma incompreensão por parte do estudante com relação ao sentido de sua formação acadêmica. Ao perguntar para um estudante o conteúdo que estudou em determinada disciplina, ele não terá muitas dificuldades para responder. Por outro lado, quando a esse mesmo estudante for perguntado o porquê do estudo de uma disciplina, ele terá dificuldades em responder. Provavelmente a única resposta que encontrará será que o estudo se deu porque a disciplina estava na grade curricular.
Como resultante do não-conhecimento dos objetivos exógenos da disciplina – algo que nem sempre o próprio professor está consciente – os principais elementos que estimulam o estudo são o diário de faltas, as notas das provas e a necessidade de ser aprovado para que conclua seus estudos.
Quando essa situação acontece, o que se vê é um aluno com baixo comprometimento com a disciplina. Sua participação limita-se ao que é exigido pelo professor, não sendo ele capaz de encontrar motivações que criem um compromisso entre as atividades a serem desenvolvidas e a sua formação. Em última instância, o principal elemento que uma disciplina deve ter é uma ligação declarada entre o conteúdo que deve trabalhar e a percepção do aluno com relação ao que entende como importante.
Isso não significa que a disciplina deva ser aberta e dependente das percepções individuais de cada aluno, o que transformaria em um conjunto caótico de idéias. Em sendo uma disciplina um processo, as reflexões devem seguir uma lógica própria, devem respeitar um crescimento qualitativo da capacidade reflexiva. O aluno deve ser capaz de compreender objetivos coletivos na disciplina ministrada.
Nesse sentido, dois resultados devem estar presentes numa disciplina. De um lado surge a necessidade de exposição dos objetivos da disciplina; de outro, em cada uma das aulas ministradas é importante que o professor apresente o porquê daquela aula. Ao aluno, por sua vez, cabe identificar dentro dos objetivos coletivos da disciplina seus próprios objetivos.
Para superar a condição de acumulação imposta de conhecimentos, o aluno deve ser motivado pela curiosidade frente a situações não-compreendidas e pelo incômodo com respostas encontradas e que não sejam suficientes para explicar a realidade que ele percebe. Mais do que o detentor dos conhecimentos, o professor – nessa perspectiva – passa a ser compreendido como o estimulador de debates e o condutor de linhas de questionamentos.
Tal linha de atuação é especialmente importante quando o objetivo não é a formação técnica, mas sim a formação intelectual. Deve-se ter em mente que a ciência se consolida com o aumento da precisão metodológica, porém seu avanço depende da dificuldade que os cientistas têm com relação a novas questões. A criatividade exerce um papel fundamental dentro da ciência na medida em que permite o desenvolvimento de novas idéias e perspectivas, fundamentais para uma compreensão cada vez maior da realidade.
Essa medida é particularnente importante no caso das relações internacionais, na medida em que o foco da análise é constantemente construído, de forma que a cada nova certeza que se tem, um conjunto novo de incertezas logo surge.
Os chamados “fatos internacionais” são cada vez mais numerosos. Isso não significa que aumentaram em quantidade, mas sim que sua presença no cotidiano é cada vez maior, especialmente em face da facilidade com que as informações circulam na atualidade. Por conseqüência, tem-se que uma quantidade crescente de fatores passam a ser considerados importantes, refletindo na necessidade de novas propostas de modelos analíticos e enfoques.
Enquanto há alguns anos explicava-se o comportamento de um Estado levando-se em conta apenas alguns fatores basilares (capabilities para a Escola Realista), hoje se desenham explicações desses mesmos fenômenos a partir de um conjunto de outras possibilidades, como sendo resultado da capacidade de influência de lobbies domésticos ou de um conjunto de ações não-intencionais que resultam num determinado comportamento, como indicam linhas funcionalistas ao explicar as integrações regionais.
A disciplina
A ciência é uma delimitação artificial de um conjunto de conhecimentos e áreas de estudo, de forma que não deve ser entendida como algo autônomo, mas sim como uma parte do conhecimento que a humanidade tem de si e do mundo no qual está inserida. Tal corte é fundamental para que se possa criar um conjunto de práticas e métodos capazes de orientar as reflexões, porém ao não entendê-la como um corte de um todo maior corre-se o risco de perder novas questões que surgem e que podem desempenhar um papel fundamental no avanço da capacidade analítica.
Mais do que a multidisciplinariedade, deve-se buscar a transdisciplinariedade. Oferecer em um curso de graduação um conjunto de diferentes disciplinas é o primeiro passo, porém não alcançará os objetivos de aumento da capacidade analítica se não for alcançado uma situação transdisciplinar, na qual o tratamento das questões passem a considerar avanços feitos em outras disciplinas.
Em última instância, procurar a conversa entre as várias disciplinas nada mais é do que recuperar o motivo pelo qual uma nova disciplina é criada. A complexidade de um objeto de estudo científico é o elemento demandante das várias ciências e disciplinas. Essa quebra é importante ao permitir um maior foco em determinadas características ou facetas desse objeto. Contudo, o avanço da capacidade analítica de cada uma das facetas deve ser acompanhado do esforço pela compreensão do objeto. É praticamente impossível esgotar um objeto ou conhecê-lo em todas as suas expressões, mas isso não exime o pesquisador de sempre buscar essa análise ampliada.
Uma disciplina, ao não ser entendida como um fim em si mesma, mas como uma parte de uma ciência, deve seguir a mesma perspectiva. Ela faz parte de uma estrutura maior de organização das reflexões. Entendê-la como algo autônomo é um risco na medida em que tende a limitar novos desenvolvimentos que não sejam aqueles que continuem no desenvolvimento das tendências já consolidadas.
Outro risco que corre essa forma de tratar uma disciplina é o de isolar o objeto de estudo, falsamente apresentando-o como único e completo. A conseqüência disso é uma grande limitação na capacidade de compreensão do objeto de estudo na medida em que um conjunto muito grande de variáveis será ignorado. É necessário destacar a incompletude da análise de um objeto científico a partir de uma disciplina a fim de que o aluno possa perceber a necessidade de considerar outros fatores importantes e que são fundamentais para uma melhor análise.
Guerras, integração regional, regimes internacionais, eficácia das organizações internacionais são alguns exemplos de questões que exigem o tratamento aberto. Não só uma grande quantidade de fatores explicativos devem ser consideradas, mas sobretudo a diversidade desses fatores. No caso da atuação das organizações internacionais não é suficiente o estudo que considere apenas os fatores oriundos do direito (estrutura, normas), mas também da ciência política (legitimidade, poder), da diplomacia (opções de política externa), para ficar com algumas.
Considerações Finais
A maior parte dessas reflexões se aplicam a todas as ciências, independente de área. No entanto, o objetivo desse texto era refletir sobre questões ligadas ao ensino e à aprendizagem, com enfoque maior na área das relações internacionais.
Essa área, em particular, ainda encontra-se limitada em sua capacidade analítica na medida em que são colocados muitos objetos possíveis de serem estudados, ao mesmo tempo em que as teorias existentes são totalitárias (aquelas que procuram explicar todos os eventos a partir de um conjunto básico de idéias e propostas) ou são exclusivistas (aquelas que explicam apenas um fenômeno, neutralizando o impacto de outros fatores não-considerados pela teoria).
Desenvolver, tal qual tem sido feito atualmente pela física e pela biologia, teorias e/ou modelos capazes de aglutinar diferentes perspectivas numa mesma lógica analítica tem se colocado como o novo grande desafio para aqueles que se dedicam ao estudo das relações internacionais. No entanto, tal empreitada somente será sustentável a partir do momento em que os pensadores forem capazes de compreender seu papel, ensinando, aprendendo, construindo ou remodelando idéias.
Numa academia de ensino não deve ser diferente. Os alunos, quando ingressam nas faculdades, devem ter em mente que suas finalidades são individuais. As disciplinas, assim como os exercícios, devem ser entendidos como formas de organização das atividades, formas de potencialização dos objetivos a serem alcançados. Lá tonificação corpórea, aqui tonificação reflexiva. Assim, cada disciplina deve contribuir para o desenvolvimento/fortalecimento de uma capacidade analítica, cabendo ao aluno a consolidação daquelas capacidades que mais lhe interessam, construindo seu perfil de atuação. Não deve ser responsabilidade do curso ou dos professores a formação do aluno, mas sim a tonificação específica, dentro daquelas áreas que conhecem.
O cientista
Nada mais perigoso que um intelectual certo de suas verdades científicas, dono de um latifúndio de afirmações que se querem perenes. O verdadeiro cientista não passa de um curioso, de alguém que sabe que cada nova verdade é apenas o caminho que leva a novas dúvidas, a novos questionamentos sobre uma realidade que nunca se mostra completa por ser dinâmica.
Mais do que ir contra a corrente, o objetivo de qualquer ciência é romper continuamente com todo o conhecimento sólido, expondo sua incompletude e acumulando novos desafios. Só devemos confirmar em nossas certezas durante o tempo em que as estivermos conhecendo; depois disso, é fundamental termos a coragem para duvidar.
Todos os conceitos devem ser colocados à prova e mesmo a mais densa base empírica não pode nos servir de garantia da última palavra – sobretudo porque até mesmo o empirismo não passa de uma forma temporária de organizar artificialmente o mundo.
Tal qual um poeta, um cientista deve ser movido por suas paixões, por seu desconforto frente a um objeto que é sempre mutável, dinâmico, temporário. Ser um cientista é temer as teses e se encantar com as hipóteses. É buscar a superação de si mesmo, reconhecendo-se como o deus que cria seu mundo com a dúvida.
Essa perspectiva é especialmente válida para campos do conhecimento que foram apenas recentemente delimitados, como é o caso das relações internacionais. Nele, comumente as teorias são confundidas com afiliações ideológicas, de forma que surgem afirmações como “eu sou Realista” ou “eu sou Neo-liberal Institucionalista”. Tal confusão entre o cientista/pensador e sua ferramenta (a teoria) impacta na própria capacidade de tratamento do mundo.
É justamente na capacidade que o analista de relações internacionais tem de não só questionar o mundo tal qual percebe, mas também as próprias bases que organizam seu pensamento, que é possível encontrar um bom profissional.
Processo de ensino-aprendisagem
A despeito do discurso multidisciplinar que domina as relações internacionais, é importante reconhecer que os professores têm grandes limitações conceituais e temáticas, de forma que devem se concentrar apenas naquelas áreas nas quais realmente dedicaram atenção especial. Desenvolver um conhecimento multidisciplinar não é ser conhecedor de vários assuntos, é buscar considerar várias perspectivas disciplinares quando se faz uma análise.
Dessa forma, aluno e professor devem desenvolver uma forma de diálogo que permita a ambos compreender suas diferentes perspectivas. Como em toda ciência, a quantidade estocada de conhecimento ultrapassa a capacidade de acumulação por parte de um indivíduo, de forma que é necessário reconhecer a contínua limitação que um professor enfrenta ao trabalhar com um tema. Partindo desse reconhecimento, tem-se que o professor não deve ser entendido como a expressão dos conhecimentos acumulados na área, mas sim como um ponto-referencial, alguém cujas reflexões estão desenvolvidas a ponto de se tornar um estimulador das reflexões. Alguém que traz novas técnicas e exercícios capazes de auxiliar o aluno na busca de suas finalidades.
Mais do que ditar o conteúdo a ser trabalhado, é importante que o professor seja capaz de indicar as razões que levaram à escolha de cada um dos autores trabalhados, das metodologias que serão utilizadas, da importância dos conceitos apresentados. Ao não se preocupar com isso – seja no momento de conceber um curso, seja na própria interação com os alunos – os professores não serão mais do que reprodutores parciais de um conjunto de conhecimentos. Ao mesmo tempo, ao não reconhecerem sua verdadeira função numa sala de aula, o professor acaba por oferecer ao aluno uma falsa percepção de completude no aprendizado, obscurecendo a idéia de que o estudo é algo contínuo.
Diante das várias possibilidades de estudo dentro das relações internacionais, cabe ao professor auxiliar o aluno em sua capacidade de delimitar os campos que lhe interessam e, a partir desse primeiro recorte, alcançar a delimitação do “objeto científico”. O professor deve ser capaz de construir uma agenda inicial de reflexões, estimulando o aluno a construir sua própria sub-agenda.
É dessa forma que uma discussão sobre a intervenção/invasão dos EUA ao Iraque logo pode se transformar numa discussão sobre imperialismo (sistema internacional contemporâneo), controle na produção de petróleo (globalização), promoção da democracia e dos direitos humanos (regimes internacionais), falência dos organismos multilaterais (organizações internacionais) ou sobre um comportamento “inato” dos Estados mais fortes na determinação de regras para os mais fracos (teorias de relações internacionais).
O estudar
Em geral o que se percebe é uma incompreensão por parte do estudante com relação ao sentido de sua formação acadêmica. Ao perguntar para um estudante o conteúdo que estudou em determinada disciplina, ele não terá muitas dificuldades para responder. Por outro lado, quando a esse mesmo estudante for perguntado o porquê do estudo de uma disciplina, ele terá dificuldades em responder. Provavelmente a única resposta que encontrará será que o estudo se deu porque a disciplina estava na grade curricular.
Como resultante do não-conhecimento dos objetivos exógenos da disciplina – algo que nem sempre o próprio professor está consciente – os principais elementos que estimulam o estudo são o diário de faltas, as notas das provas e a necessidade de ser aprovado para que conclua seus estudos.
Quando essa situação acontece, o que se vê é um aluno com baixo comprometimento com a disciplina. Sua participação limita-se ao que é exigido pelo professor, não sendo ele capaz de encontrar motivações que criem um compromisso entre as atividades a serem desenvolvidas e a sua formação. Em última instância, o principal elemento que uma disciplina deve ter é uma ligação declarada entre o conteúdo que deve trabalhar e a percepção do aluno com relação ao que entende como importante.
Isso não significa que a disciplina deva ser aberta e dependente das percepções individuais de cada aluno, o que transformaria em um conjunto caótico de idéias. Em sendo uma disciplina um processo, as reflexões devem seguir uma lógica própria, devem respeitar um crescimento qualitativo da capacidade reflexiva. O aluno deve ser capaz de compreender objetivos coletivos na disciplina ministrada.
Nesse sentido, dois resultados devem estar presentes numa disciplina. De um lado surge a necessidade de exposição dos objetivos da disciplina; de outro, em cada uma das aulas ministradas é importante que o professor apresente o porquê daquela aula. Ao aluno, por sua vez, cabe identificar dentro dos objetivos coletivos da disciplina seus próprios objetivos.
Para superar a condição de acumulação imposta de conhecimentos, o aluno deve ser motivado pela curiosidade frente a situações não-compreendidas e pelo incômodo com respostas encontradas e que não sejam suficientes para explicar a realidade que ele percebe. Mais do que o detentor dos conhecimentos, o professor – nessa perspectiva – passa a ser compreendido como o estimulador de debates e o condutor de linhas de questionamentos.
Tal linha de atuação é especialmente importante quando o objetivo não é a formação técnica, mas sim a formação intelectual. Deve-se ter em mente que a ciência se consolida com o aumento da precisão metodológica, porém seu avanço depende da dificuldade que os cientistas têm com relação a novas questões. A criatividade exerce um papel fundamental dentro da ciência na medida em que permite o desenvolvimento de novas idéias e perspectivas, fundamentais para uma compreensão cada vez maior da realidade.
Essa medida é particularnente importante no caso das relações internacionais, na medida em que o foco da análise é constantemente construído, de forma que a cada nova certeza que se tem, um conjunto novo de incertezas logo surge.
Os chamados “fatos internacionais” são cada vez mais numerosos. Isso não significa que aumentaram em quantidade, mas sim que sua presença no cotidiano é cada vez maior, especialmente em face da facilidade com que as informações circulam na atualidade. Por conseqüência, tem-se que uma quantidade crescente de fatores passam a ser considerados importantes, refletindo na necessidade de novas propostas de modelos analíticos e enfoques.
Enquanto há alguns anos explicava-se o comportamento de um Estado levando-se em conta apenas alguns fatores basilares (capabilities para a Escola Realista), hoje se desenham explicações desses mesmos fenômenos a partir de um conjunto de outras possibilidades, como sendo resultado da capacidade de influência de lobbies domésticos ou de um conjunto de ações não-intencionais que resultam num determinado comportamento, como indicam linhas funcionalistas ao explicar as integrações regionais.
A disciplina
A ciência é uma delimitação artificial de um conjunto de conhecimentos e áreas de estudo, de forma que não deve ser entendida como algo autônomo, mas sim como uma parte do conhecimento que a humanidade tem de si e do mundo no qual está inserida. Tal corte é fundamental para que se possa criar um conjunto de práticas e métodos capazes de orientar as reflexões, porém ao não entendê-la como um corte de um todo maior corre-se o risco de perder novas questões que surgem e que podem desempenhar um papel fundamental no avanço da capacidade analítica.
Mais do que a multidisciplinariedade, deve-se buscar a transdisciplinariedade. Oferecer em um curso de graduação um conjunto de diferentes disciplinas é o primeiro passo, porém não alcançará os objetivos de aumento da capacidade analítica se não for alcançado uma situação transdisciplinar, na qual o tratamento das questões passem a considerar avanços feitos em outras disciplinas.
Em última instância, procurar a conversa entre as várias disciplinas nada mais é do que recuperar o motivo pelo qual uma nova disciplina é criada. A complexidade de um objeto de estudo científico é o elemento demandante das várias ciências e disciplinas. Essa quebra é importante ao permitir um maior foco em determinadas características ou facetas desse objeto. Contudo, o avanço da capacidade analítica de cada uma das facetas deve ser acompanhado do esforço pela compreensão do objeto. É praticamente impossível esgotar um objeto ou conhecê-lo em todas as suas expressões, mas isso não exime o pesquisador de sempre buscar essa análise ampliada.
Uma disciplina, ao não ser entendida como um fim em si mesma, mas como uma parte de uma ciência, deve seguir a mesma perspectiva. Ela faz parte de uma estrutura maior de organização das reflexões. Entendê-la como algo autônomo é um risco na medida em que tende a limitar novos desenvolvimentos que não sejam aqueles que continuem no desenvolvimento das tendências já consolidadas.
Outro risco que corre essa forma de tratar uma disciplina é o de isolar o objeto de estudo, falsamente apresentando-o como único e completo. A conseqüência disso é uma grande limitação na capacidade de compreensão do objeto de estudo na medida em que um conjunto muito grande de variáveis será ignorado. É necessário destacar a incompletude da análise de um objeto científico a partir de uma disciplina a fim de que o aluno possa perceber a necessidade de considerar outros fatores importantes e que são fundamentais para uma melhor análise.
Guerras, integração regional, regimes internacionais, eficácia das organizações internacionais são alguns exemplos de questões que exigem o tratamento aberto. Não só uma grande quantidade de fatores explicativos devem ser consideradas, mas sobretudo a diversidade desses fatores. No caso da atuação das organizações internacionais não é suficiente o estudo que considere apenas os fatores oriundos do direito (estrutura, normas), mas também da ciência política (legitimidade, poder), da diplomacia (opções de política externa), para ficar com algumas.
Considerações Finais
A maior parte dessas reflexões se aplicam a todas as ciências, independente de área. No entanto, o objetivo desse texto era refletir sobre questões ligadas ao ensino e à aprendizagem, com enfoque maior na área das relações internacionais.
Essa área, em particular, ainda encontra-se limitada em sua capacidade analítica na medida em que são colocados muitos objetos possíveis de serem estudados, ao mesmo tempo em que as teorias existentes são totalitárias (aquelas que procuram explicar todos os eventos a partir de um conjunto básico de idéias e propostas) ou são exclusivistas (aquelas que explicam apenas um fenômeno, neutralizando o impacto de outros fatores não-considerados pela teoria).
Desenvolver, tal qual tem sido feito atualmente pela física e pela biologia, teorias e/ou modelos capazes de aglutinar diferentes perspectivas numa mesma lógica analítica tem se colocado como o novo grande desafio para aqueles que se dedicam ao estudo das relações internacionais. No entanto, tal empreitada somente será sustentável a partir do momento em que os pensadores forem capazes de compreender seu papel, ensinando, aprendendo, construindo ou remodelando idéias.