Existe mercado de trabalho para relações internacionais?
01/02/2006
Em verdade, ainda que ambos tenham sua parcela de culpa, nenhum deles pode ser culpado, mesmo porque não se trata de achar culpados, mas de entender o processo que está acontecendo na área das relações internacionais no Brasil.
Um primeiro ponto a ser discutido envolve a formação dos alunos na graduação. Cada faculdade tem um perfil, uma grade curricular que privilegia diferentes perspectivas, e é justamente essa diferença que indica um dos pontos a ser analisado. As diferenças nos cursos indicam – ainda que não determinam – diferentes perspectivas profissionais. Alguns cursos são mais voltados para a dimensão política, enquanto outros dão preferência para a história ou para a economia.
Quando se pensa na inserção do profissional de relações internacionais no mercado de trabalho é possível encontrar no perfil da graduação cursada uma dica de onde cada um poderá atuar. Fazer um curso com vocação política certamente não será muito adequado para alguém que quer atuar na área de logística internacional de uma empresa, mas poderá ser útil caso a pessoa queira trabalhar com a área de atendimento a clientes internacionais nessa mesma empresa.
Assim, a partir da perspectiva da formação acadêmica, não é possível fazer uma separação mecânica entre o tipo de formação e o local de trabalho. Mas é possível fazer referências com relação ao perfil do curso e o perfil da área de atuação. Por outro lado, é importante destacar que o perfil do aluno é também um elemento fundamental nessa análise, ainda que não seja abordado aqui por ultrapassar os limites desta reflexão.
O segundo ponto é um desdobramento do primeiro e está ligado ao enfoque das disciplinas. Ao mesmo tempo que o curso como um todo apresenta um perfil, as disciplinas também podem ser trabalhadas das mais diversas formas. Nesse sentido, a formação do professor e, principalmente, sua área de atuação e pesquisa são elementos fundamentais para se compreender como o marco-objeto das relações internacionais será tratado.
Mais do que uma costura entre as disciplinas numa grade curricular lógica, aqui se fala sobre a capacidade que os professores têm em fazer com que suas leituras do objeto de suas disciplinas convirjam para um todo único. Introdução à Ciência Política, por exemplo, é uma disciplina que costuma aparecer na maior parte das grades dos cursos de relações internacionais, assim como nos de ciências sociais, economia e direito. Mas isso não significa que todos devem ser dados da mesma forma, com as mesmas leituras e enfoques.
Nos cursos de relações internacionais as discussões dos Contratualistas não deve ser direcionada tanto para as diferenças existentes na concepção de Estado de Natureza, mas sim para questões que serão relevantes no desenvolvimento dos estudos futuros na área de relações internacionais.
Ao mesmo tempo, é importante observar que o destaque dado a Thomas Hobbes, em detrimento de John Locke, não é fortuito e sem maiores consequências. Ele vai fortalecer, num segundo momento, a força da leitura Realista, o que terá impactos na forma como o aluno compreenderá as relações internacionais. Dessa forma, os professores assumem parte da responsabilidade – como, aliás, ocorre com todos os demais cursos de graduação – pelo perfil de seus alunos, como fica claro nesse exemplo da Introdução à Ciência Política.
Como a pergunta aqui é sobre o profissional de relações internacionais, o importante agora é inverter o foco, ou seja, caso o aluno queira saber qual o perfil que está ganhando ao longo da graduação, procure olhar também como os professores encaram suas disciplinas.
É possível deixar como hipótese a idéia de que quanto mais afastados da área estiverem os professores, mais ortodoxa tenderá a ser a formação. Por afastamento entende-se que as relações internacionais não são área de atuação ou interesse direto dos professores; e por ortodoxa entende-se leituras calcadas em premissas nem sempre bem trabalhadas nas relações internacionais, mas que sejam mais sólidas em outras ciências (esse é notadamente o caso da idéia de anarquia).
Esses dois pontos indicam questões a serem analisadas se o que se objetiva é entender um pouco mais do perfil dos egressos de cursos de relações interncionais. Ainda assim, não são suficientes para encaminhar a questão do mercado de trabalho. Aqui é necessário juntar um outro ponto e que está diretamente relacionado com o campo de atuação propriamente dito.
O maior problema aqui está na forma como é colocada a pergunta ou, na sequência, a forma como a resposta é construida. Em geral a visão que é apresentada é “não consigo encontrar emprego em relações internacionais”. A questão é que isso não é exclusividade das relações internacionais, é um problema enfrentado pela quase totalidade das profissões. Um médico trabalha com medicina, é verdade, mas ele trabalha mais especificamente com alguma coisa dentro da medicina (cardiologia, oncologia, ortopedia…). O engenheiro também tem várias áreas de atuação (elétrica, mecratrônica, civil…). O advogado também apresenta suas especializações (civil, criminal, trabalhista…).
Quando se leva em conta a lógica das especializações na atuação profissional, quais razões permitiriam ao profissional de relações internacionais não se preocupar com elas? Pode ser correto dizer que um diplomata trabalha com relações internacioanis, mas mais do que isso, ele trabalha com diplomacia. O mesmo ocorre com um negociador internacional de paz, com um negociador comercial internacional ou com um responsável por uma conta internacional.
Buscar um emprego em relações internacionais parece ser uma perspectiva excessivamente ampla. Exatamente do que se está falando? De qual área de atuação? A resposta passa pela identificação das competências da pessoa, competências essas ligadas tanto à formação acadêmica quanto ao perfil individual de cada um. Assim, o importante nesse momento é identificar o instrumental desenvolvido pela pessoa e que está direcionado para sua atuação profissional. Se essa questão se esgotasse apenas na formação acadêmica não existiriam tantos profissionais das mais diversas áreas atuando com relações internacionais.
Não existe o mercado para relações internacionais, ao contrário, existem várias possibilidades de atuação com relações internacionais. Da perspectiva do mercado de trabalho não se deve buscar uma área reservada para profissionais formados nas graduações de relações internacionais. Deve-se buscar vagas que exigem o domínio sobre o instrumental das relações internacionais. Essas vagas podem estar numa empresa de cosméticos ou numa trading, no departamento de comércio exterior ou no atendimento ao cliente. Saber identificar essas vagas pode ser a diferença entre alguém que atue na área e alguém que sonha em um dia atuar.
** Rodrigo Cintra é Diretor da Focus R. I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais (www.focusri.com.br); professor do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Ibero-Americano (www.unibero.edu.br); e Vice-Presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo (www.camarbra.com.br). As opiniões emitidas aqui são de exclusiva responsabilidade do autor, não representando, necessariamente, aquelas das instituições às quais está vinculado.
Publicado originalmente em:
Revista Autor (http://www.revistaautor.com.br/)
Ano VI – nº 56 – Fevereiro de 2006
Seção: Internacional
RelNet (http://www.relnet.com.br/Arquivos/html/2006/08020610cintra-trab.html)
Colunas de RelNet no. 13, mês 1-6, ano 2006
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI
Nº 65, dezembro de 2006. ISSN 1518-1219