Que Brasil queremos? Política e Economia
01/10/2005O candidato Lula demorou algumas eleições para alcançar a presidência da República. Difícil saber se essa demorada vitória se deu pela maturidade da candidatura ou pelo desgaste de opositor. De qualquer forma, a legitimidade alcançada pelas urnas somou-se ao discurso da mudança e criou um clima de euforia que está sendo transformado em pura decepção. Ainda que retiremos a ingenuidade daqueles que acreditam que em poucos meses a situação pudesse melhorar radicalmente, o governo petista ainda deixa muito a desejar.
Em artigo escrito logo na posse (O governo mudou, será que a sociedade também? – Edição 19/janeiro de 2003) comentava sobre a revolução que significou a posse de um membro não-pertencente às tradicionais elites brasileiras. Em função das primeiras crises políticas, passai a expor (O problema do Brasil não é a troca de governo, mas a falta de elite – Edição 20/fevereiro de 2003) a solidão do governante em meio à ausência de um projeto-país, sobretudo por aqueles que realmente detêm a capacidade para ligar o motor das mudanças; Feito este mapeamento, para melhor compreenderemos o que está acontecendo devemos nos voltar para o Estado.
No Brasil assim como em quase todos os Estados com estrutura político-social débil, o Estado confunde-se com o governante e seu grupo; o objetivo não era somente controlar os aparatos estatais porém transformar sua natureza institucional. Em Getúlio Vargas tivemos o auge deste processo, quando burocracia e presidente se tornaram os juízes últimos da sociedade brasileira.
Desde o governo de Collor – ganhando muita sofisticação no governo Cardoso – o Estado perde esse perfil político-social para ganhar um econômico-político. Até então, a realidade era controlada pelo Estado que só mudava alguma coisa quando esta mesma realidade mostrava ser mais forte, ou seja, nos momentos de crise. Atualmente o Estado é que deve se adequar à realidade. O discurso econômico – bem como sua prática – ocupam não só a argumentação do Poder Executivo, bem como de importante parcela do Legislativo.
O Estado encontra-se de tal forma amarrado pelas limitações de mercado que para executar o "Fome Zero" precisa clamar pela ajuda individual, qual um mendigo a pedir trocados para comprar comida. Em grande medida isso ocorre porque o fortalecimento do discurso econômico acabou por transformar o Estado numa empresa. E como qualquer outra, se não dá lucro, também não pode dar prejuízo.
Ainda que de uma forma difusa, esperava-se que o governo petista fosse capaz de construir (já que inda não existe) uma forma alternativa de organização. Ao para a transformação no meio do caminho acabamos por perder as potencialidades existentes e ficamos à deriva, esperando que o movimento das marés decida o melhor destino.
O racha estrutural do PT-governo (Palocci, Ministro da Fazenda – Dirceu, Chefe da Casa Civil) soma-se à tensão ideológica do PT-partido (Deputado João Paulo Cunha, presidente da Câmara – senador Aloízio Mercadante) e retira o foco da discussão sobre o Estado, concentrando-o na forma pela qual o Estado deve ser conduzido.
Certamente grande parte desta tensão política advém da inexperiência petista na administração federal que teima num modelo ideal de fusão entre Estado e partido. No entanto, quando se pode antever uma crise política mais séria no governo Lula – sob pena de cair num imobilismo vicioso – nos deparamos com a boa notícia de que desde o início do ano já captamos US$ 4,85 bilhões.
Executivos e investidores internacionais se dizem cada vez mais confiantes no Brasil, dispondo-se a aumentar seus investimentos aqui. Deveria estranhar-nos tais declarações justamente quando os fundamentos da crise política tornam-se cada vez mais fortes. Entretanto, quando o Estado é compreendido como uma empresa, as dimensões econômica e política podem se tornar independentes, de forma que esta buscará servir e adequar-se dea melhor forma possível àquela.
A discussão não é fácil, mas o Brasil só determinará o caminho a ser seguido a partir do momento em que governo e sociedade civil estiverem dispostos a refazer o pacto social, o que inclui saber o que queremos ser e quais custos estamos dispostos a pagar. Caso contrário, permaneceremos concentrados na discussão de como um navio é dirigido, esquecendo-nos de olharmos qual caminho ele está seguindo.
Moral da história: se discutindo não se avança muito, em silêncio não se avança nada.
Conselho Literário:
"O desígnio dos homens, causa final ou fim último – que amam
naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros -, introduzindo
restrições a si mesmos conforme os vemos viver nos Estados, é o
cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita"
Leviatã – Thomas Hobbes
naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros -, introduzindo
restrições a si mesmos conforme os vemos viver nos Estados, é o
cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita"
Leviatã – Thomas Hobbes
Originalmente publicado em:
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)
Política
Ano III nº 22 – Abril de 2003