Obsolescência da estrutura de poder

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
A dinâmica político-social desenvolvida no governo FHC, resultante de tendências plantadas no governo Collor de Mello, encontrou seu ápice nas eleições de 2002, quando o discurso das modificações conservadoras prevaleceu. O fato de o governo Lula não estar alterando profundamente a dinâmica do governo anterior parece indicar-nos o início de mudanças na estrutura oficial que cada vez mais mantêm contato responsivo com a parcela da sociedade brasileira que é capaz de se manifestar.

Até o começo da redemocratização, que se via era uma releitura da realidade social brasileira feita pelos mesmos grupos que dominam o Brasil nos últimos séculos. Já essa necessidade de responder à sociedade faz com que tais grupos tenham que compartilhar o poder. Visto que tal processo não é resultante de uma nova articulação social porém do esgotamento do modelo anterior (tanto no tocante aos recursos materiais quanto aos espirituais), percebe-se que os tradicionais grupos de poder tenderão a paulatina e irremediavelmente perder seu poder.

O amadurecimento do tecido social, devido ao aumento da consciência cidadã, ou seja, de pertencimento à sociedade num dado espaço público, fortalece a necessidade de os governantes se adequarem à dinâmica social, e não o oposto. O surgimento de diversos movimentos da sociedade civil, que se organizam na busca de interesses privados com perfil público ou mesmo público, faz com que os cidadãos passem a compreender melhor seu papel na gestão da res publica, bem como aprendem as melhores formas de conduzir seu poder decisor.

As classes dominantes brasileiras que não conseguirem ser abertas à influência social passarão a ser cada vez mais marginalizadas e substituídas por novos grupos. No espaço que separará o distanciamento das pseudo-elites conservadoras da aproximação das novas elites com tendências modernizadoras, o debate político nacional ficará preso por idéias ligadas à ruptura ou continuismo. Passada essa fase, ingressaremos numa discussão sobre sustentabilidade e estratégias para o desenvolvimento nacional (agora entendido em sua amplitude social).

Certamente o governo Lula será refém desta dinâmica e possivelmente só a consolidará no momento das campanhas eleitorais de 2006, que nos colocarão mais claramente os novos limites da discussão política. Ainda assim, hoje suas ações são interessantes na medida em que, conscientemente ou não, procuram resgatar o moral da população brasileira. Devemos notar que isso ocorre essencialmente na projeção internacional do Brasil, que é justamente o espaço privilegiado para a contraposição com o tu, portanto a afirmação do eu brasileiro. Se o perfil e a respeitabilidade internacional de FHC fez com que descobríssemos o mundo, ~e no governo Lula que percebemos, ironicamente, a necessidade de nos arrumarmos em nossa exposição ao mundo.

Desta forma, se até pouco tempo atrás agregavam aqueles brasileiros que não tinham vergonha de o ser (enquanto a grande maioria envergonhava-se), hoje agregam aqueles que têm orgulho de ser brasileiro (pois a grande maioria, hoje, já não mais tem vergonha). Fica apenas um lembrete: se antes cabia às elites forjar uma nação, hoje cabe à população construir uma sociedade.

Moral da história: quando um não quer, dois não fazem

Cotidiano: enquanto os tucanos (PSDB) e seus aliados não param de dizer que o governo Lula é mentiroso e não faz as mudanças que prometeu; e os petistas repetem incessantemente que as mudanças devem ser lentas e sustentadas, tem um Brasil avançando para muito além desta discussão. A continuar nesta lenga-lenga, ambos ficarão para trás.

Conselho Literário:

"El sistema político de la América Latina de nuestros días está inmerso em la conspiración. Conspiran los gobiernos para mantenerse em el poder. Conspiran los civiles y los militares. Conspira la derecha y conspira la izquierda. Esta irrupción sediosa no es uma enfermedad em sí sino el síntoma de um mal más grande: la obsolescencia de la estructura de poder"
El dilema de América Latina – Darcy Ribeiro


Originalmente publicado em:
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)

Política

Ano III  nº 28  – Outubro de 2003