O lado perigoso do Terceiro Setor
01/10/2005A sociedade brasileira enfrentou na década de 1990 um profundo processo de modernização em algumas de suas estruturas básicas, algo que expôs contradições entre grupos relativamente bem organizados. As reformas de cunho econômico – sobretudo aquelas ligadas ao aumento da exposição brasileira à economia internacional – serviram como pressões promotoras de uma nova posição adotada pelo Estado perante a sociedade.
Entre outras conseqüências, o que se viu foi a emergência de grupos altamente organizados na sociedade civil e que buscam atingir seus objetivos por meios alternativos à prática do lobby. Estas grupos, reunidos nas chamadas Organizações Não-Governamentais (ONGs), concentram-se em questões tópicas e procuram disponibilizar os recursos necessários a seu equacionamento.
Conforme as ONGs foram crescendo em quantidade e qualidade de ação, desenvolveu-se a idéia da formação de um Terceiro Setor. Assim, as ONGs encontraram um espaço na lógica sócio-econômica e, em face de seu perfil, ganharam um significativo destaque junto à mídia.
Hoje não faltam exemplos de ONGs e fundações provendo parcelas de bem-público. De publicações dos louváveis balanços sociais à propagandas expondo os resultados alcançados, que se percebe é a fetichização das ações deste Setor.
A divulgação de resultados sociais não é em si mesma problemática, a não ser quando alcança o grau pirotécnico hoje visto. Muito mais do que divulgar o resultado de uma ação, o que se busca hoje é aumentar o destaque de uma ONG (capacitando-a para o recebimento de outros recursos) ou colar uma boa imagem à empresa que sustenta uma fundação.
Desta forma, aquilo que foi inicialmente concebido como uma forma de contribuir para a melhora do quadro social, logo se vê transformado numa peça de marketing.
A igualmente louvável profissionalização do Terceiro Setor certamente está levando a uma ação muito mais profissional e racionalizadora do Setor.. Entretanto, não é perceptível um avanço nas discussões éticas das obrigações e funções das ONGs e fundações. Com isso, o Setor se vê cada vez mais prisioneiro do comportamento sócio-econômico que marca a maior parte das sociedades contemporâneas: a competição.
Aqueles que atuam no Terceiro Setor vêem-se em constante competição por fontes de recursos e espaços na mídia, transformando ações que deveriam se colaborativas em ações individualistas e restritas a partes dos quadros administrativos. Esta competição entre ONGs rompe com a lógica inicial do Terceiro Setor, transformando-o em mais um novo campo econômico.
Antes de mais nada, o Terceiro Setor deve ser encarado como um espaço para aprendizado da que vem a ser o verdadeiro exercício da cidadania. Sua lógica nos ensina que uma sociedade é feita por mais do que impostos e eleições. É feita pela participação ativa de seus cidadãos e pela tomada de consciência de que a sociedade que temos é responsabilidade de todos.
Concentrar-se exclusivamente na profissionalização do Setor, descobrindo e explorando os meios para inflacioná-lo, não só será nefasto para sei desenvolvimento no longo prazo, como também aprofundará a equivocada concepção segundo a qual o Terceiro Setor deve ocupar aquelas áreas em que o Estado está impossibilitado de o fazer.
Cotidiano: em época de publicação de balanços sociais, vale lembrar que no capitalismo moderno o diferencial de marketing de hoje nada mais é que uma obrigação amanhã, quando novos diferenciais devem surgir.
Moral da História: quando a esmola é muita, o santo desconfia.
Conselho Literário:
O desequilíbrio entre a capacidade de descobrir qual é o problema, ou pelo menos uma pista dele, e a capacidade de descobrir o que deve ser feito para aliviá-lo não se limita, na pesquisa sobre os países novos, à questão da reforma agrária: ela é geral.
Nova luz sobra a antropologia – Clifford Geertz
Nova luz sobra a antropologia – Clifford Geertz
Ano IV – nº 31 / Janeiro de 2004