Nacionalismo efêmero

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
Desde o começo do ano o governo brasileiro decidiu iniciar o fichamento de americanos que desembarcassem no Brasil. As conseqüências desta determinação bem como suas motivações despertaram uma atenção especial da sociedade brasileira e a cada novo fato os ânimos se acirraram e mostraram interessantes questões como o surgimento de um nacionalismo efêmero e acrítico.

Logo no dia 08 de janeiro, o secretário de estado Colin Powell havia telefonado para o chanceler Celso Amorin para questionar sobre o fichamento dos americanos no Brasil, algo que ele classificava como "discriminatório". A conversa encaminhou-se aparentemente num tom amigável ainda que o chanceler brasileiro tenha reafirmado seu pedido de suspensão por parte do governo americano do US-Visit, prática semelhante à adotada pelo governo brasileiro, ou melhor, pela justiça como tentou explicar o chanceler.

À parte dos exercícios retóricos de cada lado, certamente esta questão ultrapassa a meras formalidades jurídicas do governo brasileiro. Isso pode ser facilmente percebido quando da publicação da portaria interministerial publicada em edição extra do Diário Oficial da União que anulava a posição contrária ao fichamento apresentada pelo desembargador Catão Alves, presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª região. Assim, a identificação foi novamente requerida em função do princípio da reciprocidade.

A prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, aparentemente preocupada com o desconforto dos turistas americanos diante dos fichamentos apressou-se em recuperar o mesmo clima vivido durante a chegada dos portugueses ao Brasil e passou a distribuir os mais variados badulaques no Aeroporto Internacional Tom Jobim.

Numa belíssima demonstração de subalternidade e desconhecimento das questões realmente envolvidas neste imbróglio, o subsecretário estadual de Turismo Nilo Sérgio Félix afirmou que essa "é uma forma carinhosa de dar boas-vindas. Queremos mostrar ao turista americano que sabemos recebê-lo".

A recepção calorosa a que se refere o sub-secretário, além de envolver as bugigangas também conta com uma apresentação de samba, bem ao estilo turístico de pouca roupa e muito rebolado. Ao que tudo indica, parece ter sido uma boa recepção já que agradou a grande parte dos turistas, que declararam agora conhecer um pouco mais sobre o Brasil: um Brasil caraicato, que não tem respeito por si mesmo e que transforma sua própria desgraça em motivo de orgulho nacional.

O posicionamento adotado pelo comandante Dale Robbin Hersh da American Airlines e sua tripulação (que se recusaram a passar pelo processo de identificação e tiveram suas entradas proibidas no Brasil) são fatos que atrapalham ainda mais uma análise mais séria sobre o que está acontecendo. A versão mais comum que ouvimos sobre isto tudo é a do tipo vingança: "se eles podem fazer isso conosco, nós também vamos fazer com eles". Caso levemos este pensamento ao extremo, tomaremos a liberdade de matarmos assassinos ou fazer qualquer coisa que outrem já tenha feito, independente do mérito da questão.

O princípio da reciprocidade deve estar muito mais ligado ao respeito mútuo do que a justificativa para fazermos o que quisermos. Certamente a atitude do piloto e dos demais americanos não é a indicada e as autoridades brasileiras agiram corretamente ao fazer a lei ser respeitada e proibir a entrada destas pessoas no Brasil. No entanto, enquanto teimarmos em ver tais ações com um gostinho de vingança e satisfação por finalmente termos respondido à altura, continuaremos com esse nacionalismo efêmero e piegas.

O Brasil e os brasileiros devem ser valorizados pelas suas qualidades – que, aliás, são muitas – e não por respostas. A grandeza de um povo está na sabedoria que acumula para resolver seus problemas e na ajuda que oferece ao progresso da Humanidade. Achar que hoje somos um país melhor porque tivemos a coragem de responder aos americanos na mesma moeda é perder-se nos pequenos fatos que serão esquecidos na próxima estação.

Cotidiano: enquanto a imprensa e as pseudo-elites se orgulham da resposta que demos aos americanos e o governo carioca demonstra sua subalternidade, o Brasil continua a espera de um projeto de país.

Moral da História: ao que tudo indica, o Brasil real ainda não está à altura do Brasil turístico.

Conselho Literário:

A maior parte das administrações tem sido desligada, e até pelo que parece algumas vezes inimigas umas das outras, e obrando cada uma como lhe apraz, e segundo caprichos momentâneos, ou interesses individuais: daqui vem que todas as providências e desejos dos nossos augustos soberanos se têm malogrado; que os imensos cabedais consignados se têm muitas e muitas vezes dilapidado, servindo de prebendas hereditárias e benefícios simples a muitos homens inúteis e incapazes.
Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal- José Bonifácio de Andrada e Silva


Originalmente publicado em:
Revista Autor (www.revistaautor.com.br)

Política

Ano IV – nº 32 / Fevereiro de 2004