A força do Leviatã brasileiro

01/10/2005 0 Por Rodrigo Cintra
A história da sociedade brasileira é marcada por uma intensa presença do aparato estatal. Mais ainda do que criar profundas distorções econômicas, tal presença levou à formação de padrões sociais e comportamentais que deixam uma sustentada herança social, cuja dinâmica insiste em criar um processo nefasto no desenvolvimento e modernização brasileiros.

Sabe-se que à exceção de indivíduos carismáticos, a potencialização dos intereses particulares são dependentes do acesso que as pessoas têm às estruturas e ao processo de estabelecimento das normas sociais, sendo que as mais poderosas são aquelas que podem contribuir para sua estruturação de forma a convergir com seus intersses. Por outro lado, a fragmentação das sociedades modernas faz com que os indivíduos tenham que buscar coligações setoriais a fim de alcançarem a legitimidade necessária para sustentação dos interesses.

No caso brasileiro, como a presença do Estado foi (é) intensa, as coligações setoriais findaram por se articular em torno do acesso e controle das estruturas burocráticas. Desta forma, discussões que deveriam ocorrer no bojo social acabaram internalizadas no Estados e seguem rituais institucionais que o sustentam, fazendo com que o Estado deixe de ser um instrumento com relativa autonomia, para consolidação das transformações demandadas pelo debate público para se transformar num ente participativo e interessado nas resultantes do debate.

Algumas forças privadas recebem crescentes estímulos para forçar uma mudança do âmbito da negociação a fim de atuarem em cenários mais propícios às suas demandas. Contudo, os cursots desta transição são altos (tanto em recursos materiais quanto políticos), algo que exige uma disposição sustentada.

Quando analisamos os debates em torno das reformas político-institucionais, tanto no governo FHC quanto no governo Lula, o que podemos ver é a existência de um debate voltado à preservação dos interesses privados dentro do aparato estatal. Neste sentido, a discussão está praticamente restrita à sustentação do Estado colocando as questões de objetivos nacionais de longo-prazo e promoção de determinadas estruturas sociais num plano de apenas retóprica discursiva.

A superação deste impase sócio-histórico dependerá do estabelecimento de um novo pacto ético, no qual todos os grupos sociais brasileiros percebam que a identidade máxima brasileira deve, necessariamente, sobrepor-se às identidades menores. De outra forma, a sociedade brasileira será assaltada por um sentimento fragmentado de forma a só prevalecer interesses específicos e imediatos, sem a devida contextualização.

Um bom começo para isto pode ser justamente o debate sobre a reforma da previdência, mais especificamente com uma mudança por parte dos magistrados, que devem assumir um posicionamento mais condizente com seu perfil, sob o risco de se igualarem aos motoboys das grandes cidades que solidarizam-se na violência sem ao menos ter idéia do que realmente está acontecendo.

Moral da história: No Brasil, interesse coletivo é sinônimo de interesse corporativo.

Cotidiano: Os magistrados brasileiros, que parecem aprender a importância do corporativismo ainda nos bancos universitários, estão cientes de seu papel especial na garantia da justiça formal brasileira, só parecem esquecer que, na qualidade de cidadãos, também são co-responsáveis pela administração da justiça social; e isso implica em colocar o país acima de seus interesses setoriais imediatos.

Conselho Literário:

"A democracia também toma uma posição ambivalente frente aos exames especializados, tal como frente a todos os fenômenos da burocracia (…). Exames especiais, por sua vez, siginficam ou parecem significar uma seleção dos que se qualificam, de todas as camadas sociais, ao invés de um Governo de notáveis. Mas, por outro lado, a democracia teme que o sistema de mérito e títulos resulte numa casta privilegiadas. Daí, lutar ela contra o sistema de exames especiais"
Ensaios de Sociologia/Burocracia – Max Weber



Originalmente publicado em:

Revista Autor (www.revistaautor.com.br)

Política

Ano III  nº 26  – Agosto de 2003