Procurem um “artista” para presidente

30/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra
As eleições estão cada vez mais próximas e o país ainda vive num clima de incertezas políticas. As instituições político-democráticas não parecem estar em perigo e, ainda assim, as eleições não apresentam qualquer atrativo para a massa da população – incluindo-se aqui mesmo aquela parcela geralmente mais participativa e ideologisada.

Muitos intelectuais e politólogos jogaram a culpa desta apatia política na Copa do Mundo, que serviria como uma distração das verdadeiras discussões sobre os rumos do país. Finda a Copa e verificada a ainda mais profunda apatia política, tendeu-se a dizer que tudo isso era culpa dos eleitores brasileiros que não sabem a importância da participação política.

Em grande medida, realmente ainda temos muito que aprender em termos de participação política democrática; no entanto, estas eleições só estão aprofundando um fenômeno que já esteve presente nas eleições de 2000, a saber: o distanciamento entre as instituições políticas e o cotidiano das pessoas.

O discurso fatalista – as tais forças inexoráveis da globalização e a necessidade de nos adequarmos a elas – tirou da política sua alma, que é a possibilidade de oferecer utopias. Com essa avalanche de mercado, os governantes se auto-impuseram procurar a melhor administração econômica possível. A questão deixou a de se fazer um governo voltado para o futuro e passou a ser de uma administração das crises.

O plano tucano de 20 anos no poder para mudar a face arcaica do Brasil foi (deliberadamente?) abandonado no segundo ano do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, quando foi substituído pelo projeto da re-eleição. Depois disto, o tempo e os esforços foram destinados a concertar os erros desta escolha que o tempo mostrou infeliz.

Perdido, o governo vem navegando segundo a maré. A maior prova disto é que o seu “seguidor” além de não deslanchar nas campanhas presidenciais (vacilando entre a segunda e a terceira posição) tem enormes dificuldades para apresentar um plano de governo consistente e que explique afinal o que significa essa tal “continuidade sem continuísmo”. Até o momento, parece que não ultrapassa muito a retórica populista que nada diz, dizendo um monte de besteiras incompreensíveis.

Quando saímos do reino do governo e nos colocamos do lado da tradicional oposição petista, infelizmente não é-nos oferecida a possibilidade de desenvolvermos maiores esperanças. Ao contrário do que dizem algumas pessoas mais apressadas e desinformadas, a prefeitura petista de São Paulo está indo bem. Os projetos estão alcançando sucesso, ainda que a conservadora mídia brasileira tenda a não tirar fotos das periferias salvo em casos de chacinas. Por outro lado, atitudes políticas desta mesma prefeitura parecem repetir exatamente o que faziam seus adversários, quando detinham o poder.

Assim, se por um lado a tal oposição executa bons projetos quando no poder, também executam as artimanhas do poder. Aqueles que acompanham a política (ao contrário daqueles que a fazem) espantam-se com uniões como a dos petistas com os empresários ou a de Ciro com ACM. Alguma coisa não está muito bem por aqui. Enquanto o candidato do governo não apresenta os motivos para a manutenção do poder, a oposição angaria apoio em todos os lados que consegue, esquecendo-se de qualquer base ideológica real.

É neste quadro neurótico e esquizofrênico que a população tem que se inserir. Devo confessar ao meu caro leitor que, mesmo sendo um politólogo, tenho muitas dificuldades para me inserir aqui. Será que essa apatia política do brasileiro, especialmente nestas eleições, são resultado de seu total desinteresse em discutir os futuros da nação? Depois de agüentar 8 anos de um governo que dizia nada poder fazer a não ser adequar-se a uma realidade externa a seu poder de influência e de acompanharmos um início da campanha eleitoral no qual todos os principais candidatos aceitam esse papel de gestor de crises, será que realmente devemos nos ocupar da atual política brasileira?

Mais do que educar politicamente o povo brasileiro, talvez tenha chego à hora de reeducarmos os próprios políticos. O cenário político brasileiro, se realmente for capaz de preservar as instituições democráticas, sairá com saldo zero desta experiência eleitoral. Da direita à esquerda – ou dos conservadores aos quase-progressistas brasileiros, para usar uma terminologia mais adequada – o que vemos são apenas diferenças de retórica, ou até mesmo de estilística.

O Brasil parece ter alcançado sua maturidade em termos de democracia schummpteriana (formal), contudo ainda está muito aquém do desejado em termos de democracia participativa. Precisamos de um novo tipo de político. Um político não deve apenas apresentar as explicações gerenciais para o país, ele deve deixar-nos apaixonados, empolgados em viver e trabalhar para um país que certamente terá uma cara diferente se trabalharmos para isso.

Troquemos o candidato-administrador pelo candidato-artista. Não precisamos apenas de explicações racionais acerca das mais variadas questões de administração pública (isso deve ser o prato principal dos ministérios e equipes de governo); precisamos de um presidente sensível, capaz de entender que a descrença na política brasileira é resultado da contínua exposição que tivemos às imbecilidades administrativas.

Enquanto este presidente não chega, continuemos a votar e a cobrar de nossos políticos. Mas guardemos um horizonte mais amplo para a política brasileira sob pena de nunca conseguirmos sairmos de um presente medíocre.

Moral da história: mais vale dormir sonhando que viver num pesadelo.

Conselho Literário:

"Nas democracias, os homens nunca estão fixos; mil acasos os fazem mudar constantemente de lugar, e reina quase sempre não sei que de imprevisto, e, por assim dizer, de improvisado, na sua vida. Por isso, são muitas vezes forçados a fazer o que mal aprenderam, a falar o que não compreendem bem, e a entregar-se a trabalhos para os quais não os preparou um longo aprendizado"
A Democracia na América – Alexis de Tocqueville


Originalmente publicado em:

Revista Autor

Política

Ano II – N. 15 – setembro de 2002