Livre mercado Vs. barreiras: quem ganha?

30/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra
“O senhor vai atender aos interesses estrangeiros, cujas únicas
preocupações estão no exterior? Ou vai ouvir aos metalúrgicos
de West Virginia, Ohio, Pensilvânia, Indiana, Illinois e outros
grandes produtores estaduais de aço?”

Jay Rockefeller – senador de West Virginia[1]
Num mundo onde globalização, mercados abertos e produtividade são os únicos processos tidos como concretos – no sentido que Karl Marx dava ao termo na sua Contribuição para a Crítica da Economia Política [2] – parece complicado entender o que realmente está acontecendo. Com um pouco de atenção, conseguimos ver diariamente chefes de Estado e de governo irem a público para defender a abertura dos mercados, sempre argumentando com a já caricata "inexorabilidade da globalização".
Impressionados com belas palavras e detalhadas descrições do mundo, desligamos a televisão ou deitamos o jornal, e eis que voltamos à realidade. A realidade a que me refiro é aquela produzida não pelas palavras pronunciadas, porém por aquelas escritas, especialmente quando se tratam de memorandos, recomendações e assinaturas presidenciais.

Nem mesmo a garganta descansou de ter feito um discurso liberalizante, e a mão já pega a caneta para assinar os mais variados tipos de barreiras e limitações ao livre fluxo de capitais e mercadorias (nem coloquemos a mão-de-obra nesta lista para não passarmos à utopia).

Dois exemplos rápidos e que dizem respeito ao Brasil. Soja. Em 2001 exportamos US$ 5,2 bi aos EUA, ao passo que aquele governo ofereceu um subsídio de US$ 2,8 bi aos produtores estadunidenses de soja. Com isso, exportamos US$ 1 bi a menos do que poderíamos. Outro exemplo: laminados de aço a frio. Exportamos àquele país US$ 54 mi (o equivalente a 185 mil toneladas) em 2001. No começo do mês rondava a possibilidade de imposição de tarifas alfandegárias de 40% sobre o nosso aço, algo que acabou por se concretizar com a não menos escandalosa tarifa de 30%.

A soja e o aço mais baratos são bons para o consumidor e empresas-consumidoras estadunidenses, para estas porque diminui o valor final de seus produtos, aumentando sua competitividade internacional e para aqueles porque gastarão menos para comprar o produto, sobrando um troco para as outras coisas. Para o Brasil também é bom: aumenta os lucros das empresas exportadoras e ajuda a equilibrara a balança de pagamentos.

Então, a quem interessam subsídios e barreiras? Aos grupos que perdem com a entrada de produtos estrangeiros, ou seja, aqueles que têm um produtividade menor. É justamente aqui que mora o mistério. São apenas grupos produtivos ineficientes que vivem num tempo de globalização e abertura de mercados e que estão fadados a desaparecer. Será mesmo?

Soja, aço e suco de laranja nos EUA; setor do agro-business na Europa; e aviões no mundo parecem demonstrar um cenário um pouco diverso. O desaparecimento do Estado, tão divulgado por alguns homens de negócios da moda (para saber alguns nomes, basta olhar os best sellers nas áreas de negócios e marketing), parece não passar de declarações de intenções ou sonhos simplistas.

Por que existe essa diferença entre o dito e o feito? Muito provavelmente não é porque os Estado querem que seus cidadãos paguem mais caro nos produtos que comprar e nem porque deixaram de acreditar nas “vantagens comparativas relativas” de David Ricardo. O ingrediente que parece faltar nisto tudo é justamente o que sustenta o Estado e a economia: a sociedade.

Ao pensarmos o papel da sociedade nisso tudo, veremos que os governantes não são burros nem tão hipócritas, como parecem. No nível do discurso eles soltam os valores mais gerais (globalização, livre mercado, integração econômico-produtiva) enquanto que na prática soltam ações (defesa de suas sociedades, uma vez que ela sustenta a realidade na qual busca-se alcançar os valores).

Moral da história: no mundo de hoje, mais vale uma sociedade estável comendo cenoura à R$ 1,00/cada, do que uma sociedade dilacerada comendo cenoura à R$ 0,70!

 

Notas
[1] Citado em “Bush avalia opções para proteger siderurgia” in Gazeta Mercantil, 01 de março de 2002. Página A-9.

[2] "O concreto é concreto porque é a síntese de vários determinandes, ou seja, a unidade do diverso"

Originalmente publicado em:

Revista Autor

Economia

Ano II – N. 9 – março 2002