Cidadania, o que é?

29/09/2005 0 Por Rodrigo Cintra

Uma pessoa normal, no mundo de hoje, não pode viver em isolamento, distanciada de tudo e de todos. O ser humano é, por essência, alguém destinado a viver em sociedade, interagindo com a comunidade onde reside habitualmente. Deste modo, a ninguém é lícito fazer o que bem entenda e na hora em que lhe aprouver, principalmente se suas ações atingirem os direitos de outras pessoas ou da própria comunidade. Assim, todos têm que observar o cumprimento de seus deveres e fazer respeitar, igualmente, os seus direitos.

É daí que advém o conceito de cidadania , que vem a ser justamente essa relação de respeito com o meio em que se vive e com as outras pessoas que dele fazem parte. No dicionário do mestre Aurélio encontramos uma definição para cidadania, assim expressa: "é a qualidade ou estado do cidadão”. A palavra cidadão vem de civita , palavra latina que significa cidade. Para os atenienses, cidadania era o direito conferido aos cidadãos livres para tomarem parte nas decisões que envolviam os destinos nas assembléias reunidas na Ágora (praça pública onde se realizavam essas reuniões).

Observemos, então, que da mesma maneira que devemos atentar para as normas que regulam a vida social, seja no ambiente doméstico, nos estabelecimento de ensino, nas lojas, nas repartições públicas, também é essencial que tenhamos plena consciência de nossos direitos e determinação para exigir que eles sejam respeitados. Enquanto os deveres se impõem para que o convívio social seja harmônico e saudável, os direitos constituem o acervo de princípios que garantem a cada cidadão usufruir de uma existência digna, decente e plena de liberdade. São direitos fundamentais inerentes à cidadania, entre outros: o direito à vida, à segurança, ao trabalho, à liberdade, à livre locomoção, à igualdade, à educação, à saúde, à habitação, à livre expressão, à religião, à não discriminação, à propriedade, à intimidade. Esses direitos estão garantidos, em nosso país, na Constituição Federal, nas Constituições estaduais e leis complementares.

Cidadania é, também….

Em síntese, ser cidadão importa em ter direitos e deveres, exigindo aqueles e cumprindo estes. No momento em que, dentro de uma sociedade humana, as pessoas adquirem essa consciência de cidadania, elas começam a ser os atores principais no processo da conquista de seus direitos, agindo, em conseqüência, como vetores determinantes da eliminação de tudo o que possa contribuir para a continuidade de qualquer estrutura de exclusão social.

Mas, para quer isso possa acontecer, torna-se indispensável que cada um de nós esteja inteiramente disposto a participar da vida em comunidade, agindo não apenas em benefício próprio, mas procurando atuar objetivando o bem-estar de todos.

Para RODRIGO CINTRA, Professor de Ética das Relações Internacionais no UNIBERO – Centro Universitário Ibero-Americano, "cidadania, mesmo sendo um conceito muito vago e sem substância, transformou-se numa das bandeiras de luta mais comuns da atualidade. Seu poder interno de legitimação é tão grande que seu simples invocar parece tentar justificar todo um conjunto de objetivos e utopias. A maior confusão que envolve o uso do complexo conceito que é a cidadania é aquele entre cidadania e dignidade humana. Ainda que ambas as idéias tenham uma forte correlação entre si, a dignidade humana está ligada ao indivíduo ao passo que a cidadania ao todo social. Se em uma, ao focalizarmos o indivíduo, devemos nos concentrar primordialmente numa relação Estado/sociedade para o indivíduo; na outra o sentido é invertido: pensamos como este pode fazer parte e atuar naqueles. Existe, também, a tendência a englobar na idéia de cidadania um conjunto de ações voltadas diretamente para as melhorias de condições de vida do indivíduo e seu meio. Esta tendência apresenta alguns riscos ao colocar todo o aparato estatal que está diretamente ligado ao exercício da cidadania a serviço de práticas e objetivos que findam por promover desigualdades no corpo social. Antes de ser o resultado das três gerações de direitos, a cidadania é fruto da tese arendtiana do direito a ter direitos. Quando pensamos na consolidação e no exercício da cidadania, devemos concentrar-nos no pertencimento do indivíduo à cidade (a polis grega). Este pertencimento, de qualquer forma, não deve ser interpretado como posse, mas como a possibilidade de fazer parte de. Quando adotamos essa segunda visão, podemos perceber que cidadania implica em reconhecer-se como membro de um conjunto e, ao mesmo tempo, ser reconhecido como um membro. É justamente uma leitura rápida e descuidada desta segunda condição que leva à confusão entre cidadania e dignidade humana. (…) Um indivíduo, reconhecendo-se como um membro de seu país e sendo por este reconhecido com o mesmo status é automaticamente alçado à condição de cidadão pois passa a ter a sua disposição uma série de canais para participação, controle e influência das instituições político-sociais voltadas para o todo. Estes canais vão do direito de votar ao direito de ser votado; da liberdade de expressão à possibilidade de assumir cargos políticos. Por outro lado, só isso não é suficiente. Para que o indivíduo seja de fato um cidadão, ele precisa considerar-se um membro do país. Mais do que uma mera questão psicológica, isso envolve um intrincado complexo político-social. Garantir a "igualdade perante a lei" não é condição suficiente quando há desigualdade política (sem entrarmos nos problemas que a aguda desigualdade econômico-financeira traz ao Brasil). Incapaz de perceber-se como membro de seu país, o indivíduo desenvolve suas atividades cotidianas à margem dos canais e lugares de participação na vida pública, impossibilitando assim qualquer ação que possa vir a influenciar a sociedade como um todo. Com isso, é forçado a ficar em uma posição reativa, quando não passiva. Desta forma, melhoras em suas condições de vida são vistas mais como benesses, ao invés de serem resultado da sua participação pública. (…) Cidadania para mim hoje se resume a uma palavra, que é a participação. A participação como indivíduo ou como um grupo organizado nas mais variadas áreas de atuação na sociedade, na esfera pública. Então cidadania para mim é sinônimo de participação, ou seja, de não omissão, indiferença etc., em relação ao exercício do poder."

Assim, é preciso que se tenha em mente que conquistas da cidadania, como os direitos humanos, são fruto de árduas, duradouras e, às vezes, sangrentas lutas que, historicamente, os homens travaram para serem reconhecidas. Imagine-se que alguns "detalhes" que podem passar despercebidos no nosso quotidiano (o direito de ter uma idéia e poder livremente expressa-la; poder votar em quem se quiser, sem coações; o direito de não sofrer discriminação racial ou religiosa, por exemplo), constituem direitos só recentemente garantidos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem data de 1948, mas é a Revolução Francesa, no Século XVIII a grande referência nesse histórico processo. No Brasil, até 1888, se praticava a escravidão (embora, hoje, ainda se registre a existência do trabalho escravo, em muitas regiões do país) e, nessa época, o voto era privilégio de alguns. Os direitos das mulheres e dos trabalhadores são, igualmente, conquistas recentes, se considerarmos a idade do mundo.

Foram homens e mulheres, revestidos dos ideais de cidadania, que se engajaram nessas demandas, unidos a outras pessoas que lutavam pelos mesmos princípios. É indispensável que todos tenhamos essa mesma disposição.

Procurando exemplificar um foco atual da luta pela inclusão social – o que significa respeito aos direitos humanos – dos portadores de deficiência física ou de necessidades especiais, consideremos a necessidade que existe de que cada município brasileiro deve ter sua Lei Orgânica perfeitamente adaptada às normas constitucionais, para que se possa exigir a implantação da educação especial; um Código de Obras que obrigue os lugares públicos (inclusive estabelecimentos comerciais, repartições públicas, centros de lazer) a estarem dotados de rampas de acesso, banheiros adaptados, etc. Somente com a existência desses dispositivos é que poderão surtir efeito os direitos dos deficientes. Cumpre aos cidadãos residentes nos municípios onde não existirem tais mecanismos legais pressionarem seus vereadores e prefeitos a promoverem sua imediata implantação.

O portador de deficiência física ou necessidades especiais que se sinta lesado em seus direitos deverá procurar o Ministério Público Estadual ou a Defensoria Pública. Em toda a cidade onde existir um Fórum, além do Juiz existe o Promotor Público a quem incumbe a defesa gratuita dos interesses coletivos da comunidade. Ocorrendo a discriminação, a Justiça deverá ser acionada com o processo sendo iniciado com o depoimento das testemunhas ou a exibição de documentos ou outros instrumentos probatórios.

Outro exemplo é a existência dos diversos órgãos que atuam na defesa do consumidor, inclusive no Ministério Público. Torna-se imprescindível que os cidadãos que se sintam lesados em suas relações comerciais na aquisição de serviços ou bens de consumo, acionem as autoridades na defesa de seus direitos. Quem compra mercadoria estragada ou com defeito e não promove a reclamação competente, estará, além de revelar baixa auto-estima, contribuindo para a existência de maus comerciantes.

Mas é igualmente importante….

Lutar pelos próprios direitos e o dos outros é inerente ao exercício da cidadania. Contudo, convém não esquecer que para ser um bom cidadão não se pode descurar do cumprimento dos nossos deveres, inclusive umas regrinhas essenciais e que revelam, além da cidadania, que temos boa educação:

– não jogue lixo nas ruas, nem nas praias ou nos rios; deposite-o nos locais apropriados e, quando possível, de maneira seletiva (separando plásticos, vidros, metais, madeira, papel, etc.).

– não desperdice água; lembre-se de que a água potável é um bem que pode acabar;

– não piche paredes nem muros, mantenha nossa cidade sempre bonita, para nós e para os que nos visitam; 

– ajude quem necessita de maior atenção: uma pessoa idosa ou deficiente visual a atravessar uma rua; ceda seu lugar a velhinhos e gestantes nos ônibus e em lugares lotados; 

– não agrida o meio-ambiente; ajude a preservá-lo; 

– trate todas as pessoas com respeito e educação, principalmente as de que você julga diferentes; 

– use a sua aparelhagem de som, em casa ou no carro, moderadamente, respeitando o silêncio que outros desejam. 

São essas pequenas/grandes ações que nos tornam Cidadãos , que nos identificam como pessoas educadas, que nos fazem praticantes da Cidadania . Mas são elas que nos transformam em verdadeiros construtores de uma vida melhor para todos. 


Originalmente publicado em:

Portal do Judiciário – Tribunal de Justiça do Estado do Pará

Cidadania e Justiça