O líder que não ouve: a ilusão da onisciência

Um dos efeitos mais traiçoeiros do ego em cargos de liderança é a crença silenciosa — e persistente — de que “eu sei mais que todos aqui”. Não é arrogância explícita. Às vezes, vem em tom cordial, num “já vivi isso antes” ou num “confia em mim, eu sei o que estou fazendo”. Mas o que se esconde por trás dessas frases é uma armadilha muito perigosa: a autoconfiança inflada que se alimenta da posição de poder.

É nesse ponto que a escuta verdadeira desaparece. O líder deixa de buscar informações novas, de considerar ideias divergentes ou até de perceber que a realidade mudou. Não é só que ele não ouve — ele não acredita que precise ouvir. Porque, em algum momento, passou a confundir experiência com infalibilidade. E é aí que a organização começa a tropeçar.

“Ficamos mais confiantes em nossas opiniões do que os fatos muitas vezes justificam.” Daniel Kahneman

O psicólogo Daniel Kahneman, ao estudar o comportamento humano em decisões complexas, mostrou que o excesso de confiança é um viés cognitivo — não uma virtude. Líderes tomados por esse viés acreditam que enxergam o todo, When, as a matter of fact, estão vendo apenas a versão que cabe no próprio espelho. E quando o time percebe que suas ideias não serão realmente consideradas, instala-se o silêncio. Não o silêncio respeitoso — mas aquele que esconde desistência, medo e conformismo.

Já presenciei reuniões em que ninguém ousava discordar, mesmo diante de decisões claramente equivocadas. O clima era de consenso, mas o que existia ali era um campo minado de inseguranças. Porque quando a escuta morre, a inovação adoece. E o engajamento também.

Para quem lidera de baixo para cima — e sim, isso é possível — a saída está em criar pequenas brechas de influência, mesmo quando o canal direto está bloqueado. Uma tática que já vi funcionar é a construção de “propostas reversas”: em vez de confrontar, oferecer alternativas em forma de perguntas. Algo como: “Você acha que valeria testar outro caminho em paralelo?” ou “Como você vê os riscos de seguir só com essa abordagem?”. Perguntas que não desafiam o ego, mas que plantam dúvidas criativas.

Outra estratégia é criar alianças com outros profissionais que também sentem essa limitação. Often, um líder que não ouve uma voz isolada pode se abrir ao perceber que há um padrão. A construção de legitimidade coletiva pode quebrar, pouco a pouco, a bolha da certeza absoluta.

Lastly, é preciso decidir até que ponto vale permanecer nesse ambiente. Quando a ilusão da onisciência vira cultura, o espaço para desenvolvimento individual se esgota. Não é fraqueza reconhecer isso — é maturidade profissional. Há contextos em que a nossa energia faz mais sentido investida em lugares onde o aprendizado é mútuo e a escuta é viva.

Liderar não é ter razão — é ter abertura. Um líder que escuta é aquele que entende que sua autoridade cresce na mesma medida em que permite que outras vozes também brilhem. Já aquele que só escuta a si mesmo, um dia, se verá falando sozinho. E talvez nem perceba.