Quando o reconhecimento vira moeda de controle

Todo mundo gosta de ser reconhecido. Sentir que seu trabalho faz diferença, que seu esforço é notado, que suas ideias ecoam. O reconhecimento, quando sincero, fortalece a autoestima, ativa o senso de pertencimento e multiplica o engajamento. Mas, em ambientes onde o ego do líder é a força dominante, até o elogio pode ser usado como ferramenta de manipulação.

Já observei líderes que, em vez de reconhecer o mérito como parte da cultura, distribuem elogios como uma forma de domesticação. O profissional que entrega mais — e de forma mais autônoma — é, sutilmente, ignorado. Já aquele que demonstra lealdade cega, ou que reafirma publicamente a autoridade do chefe, recebe atenção e afeto profissional. Não se trata de gestão de desempenho, mas de gestão da narrativa.

“O comportamento é moldado por suas consequências.” B. F. Skinner

O psicólogo B. F. Skinner, ao estudar o condicionamento operante, mostrou que o comportamento humano pode ser reforçado por recompensas. Líderes que usam o reconhecimento como moeda aprendem isso na prática: elogiam apenas o que desejam repetir — mesmo que o que desejam não seja o melhor para a empresa, mas apenas para manter sua imagem de controle e prestígio.

O efeito disso sobre os liderados é perverso. Profissionais passam a trabalhar não pelo propósito, mas pela recompensa simbólica. Medem suas palavras, seus posicionamentos, até suas ideias, com base no que pode agradar. E o ambiente, que poderia ser criativo, livre e potente, se torna um jogo de agradar e agradar-se. O desempenho vira performance política.

Se você está nesse cenário, vale refletir: o seu reconhecimento está vindo por mérito real ou por alinhamento estratégico ao ego de quem lidera? E mais — o que você está deixando de ser ou fazer para continuar sendo “reconhecido”? Essas perguntas podem doer, mas libertam.

Uma forma de sair dessa armadilha é construir uma fonte de reconhecimento mais ampla. Busque feedbacks reais com colegas, com clientes internos, com áreas parceiras. Reconheça você mesmo os seus avanços — documente, celebre, compartilhe. Quando a validação não vem apenas de cima, o poder do elogio condicionado se dilui.

Outra atitude poderosa é aprender a não se deixar capturar por elogios vazios. Um líder que reconhece só quando convém a ele não está construindo confiança — está fazendo barganha. E barganhar sua autenticidade por aplausos é um preço alto demais.

O verdadeiro reconhecimento fortalece, não controla. Ele liberta, não prende. Quando a liderança entende isso, a cultura floresce. Mas quando o reconhecimento se transforma em armadilha, cabe ao liderado proteger o que há de mais valioso: sua liberdade interna de continuar sendo inteiro.