Diplomacia das canhoneiras?
01/09/2008A 4ª Frota norte-americana volta a patrulhar nossos mares. Para quê?
Há 170 anos, seis veleiros partiram de Nova York para uma viagem de circunavegação do globo. un USA. Exploring Expedition, comandada pelo oficial Charles Wilkes (1798-1877), mapeou costas e ilhas de todos os continentes durante quatro anos. Era o pontapé inicial para a expansão militar dos Estados U
nidos pelos mares do mundo. Mas devido à forte concorrência de ingleses no Atlântico Norte e dos russos no Pacífico, os norte-americanos se voltaram principalmente para os mares da América Latina.
De lá para cá, a história é conhecida: conflitos como a guerra hispano-americana (1898) e a invasão da Guatemala (1953) garantiram ao Tio Sam u
m bom punhado de protetorados na região. Não é de espantar, perciò, a reação do governo brasileiro e de seus vizinhos à
reativação, em julho último, da temida 4ª Frota Naval (U.S. 4th Fleet).
Criada em 1943 na cidade de Norfolk (Virginia), a unidade de combate foi transferida no mesmo ano para Natal (RN). Sua missão era escoltar, junto com a 16ª Esquadrilha da Força Aérea, navios mercantes ameaçados por submarinos alemães. Na capital potiguar, ficou baseada no Parnamirim Field, a maior instalação militar norte-americana fora dos EUA.
A unidade foi desativada em 1950, mas voltaria às águas brasileiras em março de 1964, às vésperas do golpe militar. Postou-se de tocaia no litoral santista, preparada para ajudar na derrubada do governo João Goulart. A operação secreta “Brother Sam”, revelada pelo jornalista Marcos Sá Corrêa no Jornal do Brasil em dezembro de 1976, visava garantir um governo pró-EUA no país, afastando a ameaça comunista. Como não houve reação e nem um só tiro foi disparado, os norte-americanos voltaram para casa e foram incorporados à 2ª Frota, responsável pelo patrulhamento de todo o Atlântico.
Seu atual ressurgimento gera uma onda de desconfiança no continente. O cônsul norte-americano no Brasil, Clifford Sobel, assegura que as missões da 4ª Frota serão meramente humanitárias. Uma intenção não muito condizente com o perfil do oficial destacado para comandá-la: o contra-almirante Joseph Kernan, egresso da força de elite dos Fuzileiros Navais, tem no currículo obscuras operações no Afeganistão e no Iraque.
Para o governo brasileiro, eles estão atrás do nosso petróleo. As recentes descobertas na camada pré-sal (águas profundas) do Campo de Tupi, na Bacia de Santos, parecem confirmar o temor. Rodrigo Cintra, formado em Relações Internacionais e professor do Centro Universitário Ibero-Americano, diz que o grande irmão do norte também pode estar de olho nas reservas aqüíferas e nas terras agricultáveis, as maiores do planeta. “São elementos essenciais para a produção de alimentos, atualmente em crise”, justifica. Numa espécie de atualização do trabalho de Wilkes entre 1838 e 1842, os mariners estariam mapeando as rotas mercantis, portos e bacias hidrográficas navegáveis. Afinal, “é pelo transporte marítimo que a valiosa mercadoria agrícola é exportada”, alega Cintra.
Se a segurança dos mares do Sul representa uma volta à Diplomacia das Canhoneiras, só o tempo dirá. O problema é que eles têm canhões e nós, não.
Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional
http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1954