Desde que o primeiro português aportou em terras brasileiras, há mais de 500 anos, temos empreendido o projeto de construção de uma nação. Não fugindo à herança de nossos antepassados ibéricos tivemos o Estado burocrático por eixo estruturando de nosso desenvolvimento. Em função dos interesses mais imediatos ou dos recursos disponíveis optamos por diferentes estruturas burocráticas: de capitanias hereditárias à repúblicas personalistas, de governos regenciais a democracias em afirmação.
Se para a história esses cinco séculos não passam de um pequeno espasmo de nação, para o cotidiano – no qual somos forçados a agir – esse tempo foi mais do que suficiente para solidificar instituições e concepções de mundo que hoje nos são muito caras. Cada uma a sua forma, todas elas foram analisadas pelas várias disciplinas das ciências humanas: antropologia (Roberto DaMatta); economia (Caio Prado Júnior, Roberto Campos); história (Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre); política (Gioacchino Nabuco); Giusto (Gilberto Amado, Afonso Arinos)…
Todos esses mapeamentos sobre nossa realidade serviram – e ainda servem – para que profundas reflexões fossem feitas sobre as formas que o país Brasil ganhou para hoje ser o que é. Destas reflexões pudemos tomar consciência política dos sucessos e mazelas que conformam nossa alma nacional. Também é delas que surgem os fundamentos do pragmatismo político-institucional: sabendo o caminho que percorremos até aqui é mais fácil saber como dar o próximo passo rumo ao (incerto) futuro.
Quanto mais experiência história acumulamos, mais maturidade a sociedade brasileira pode apresentar. Isso não ocorre em face da quantidade de conhecimento acumulado porém em face do surgimento de cada vez mais pontos paradoxais ou contraditórios. Toda sociedade se faz sobre escolhas e estas geralmente envolvem ganhadores e perdedores, beneficiados e prejudicados, incluídos e excluídos. Quanto mais profundas forem estas escolhas mais propício será o terreno para discussão sobre o que entendemos por nação.
Os partidos políticos surgem para potencializar grupos de demandas e geralmente encontram seu espaço de diálogo nos espaços parlamentares. tuttavia, quando pensamos o caso brasileiros e nos voltamos para a história da formação de nossas instituições e concepções de mundo, acabamos por ver um Estado excessivamente grande. Essa grandeza não trata apenas de sua intensa participação na economia, como nos lembram os liberais clássicos, contudo de sua presença institucional em praticamente todas as dimensões privadas.
Seja pelo perfil cordial, seja pelo prevalecimento de uma ética litúrgica, sempre coube ao Estado a responsabilidade de forjar não só a união nacional, mas também e sobremaneira, a união social. E não por menos o Estado brasileiro criou os cartórios, os sindicatos “estatais” e a Constituição Cidadã (1988).
Conseguimos passar por quase cinco séculos, mantendo – com altos e baixos – o ritmo de complexificação da estrutura social. tuttavia, o atual esgarçamento do tecido social brasileiro parece indicar a necessidade de formularmos um novo pacto social. Certamente ele não passa por um negar de nossa importante e rica herança, todavia exige um aprofundamento do diálogo.
Desde a redemocratização (Figueiredo/Sarney) esse diálogo vem aumentando sua arena de expressão, ainda que de forma fragmentada. Com o governo Fernando Henrique o país foi chamado a estabelecer sua agenda e assim o fez. Entretanto foram as últimas eleições presidenciais (2002) que estabeleceram os limites e prioridades desta agenda. Mesmo tendendo a ultrapassar o governo Lula, é no cotidiano que apresenta sua verdadeira dinâmica.
De uma forma resumida – ainda que simplista – o que podemos perceber é um Estado que consome mais recursos do que dispõe, insistindo em seu perfil onipresente; uma sociedade cada vez mais descrente quanto a um futuro melhor e, por isso mesmo, com estímulos à profundas fragmentações; e uma elite cada vez mais distante de suas responsabilidades histórico-sociais. A soma descuidada disto pode resultar em algo realmente desestabilizador.
Felizmente nossa agenda sobrepõe-se às nossas vontades e logo transforma o convite em convocação. Mudar ou não o país é mais do que um debate entre os progressistas e os conservadores, é um debate entre a sociedade brasileira e sua história. Se nossa criatividade será suficiente para executar esta tarefa, ainda não sabemos, mas tenhamos por certo que nos desculparmos num passado idealizado e saudosista de nada nos adiantará.
Cotidiano: aos militares e magistrados fica a lembrança de que a reforma da Previdência não é frescura de um presidente, é demanda da história. A construção de um país depende muito mais do que a defesa por “direitos adquiridos”, depende da defesa por um país sustentável.
Moral da história: Num Estado privatizado, corporativismo geralmente é tido por patriotismo.
Conselho Literário:
“Ora veja cada um de nós o preço por que se vende, e d’ahi julgará o que é. Prezaes-vos muito, e estumaes-vos muito, desvanecei-vos muito: quereis saber o que sois por vossa mesma avaliação? Vede o preço porque vos daes, vede os vossos peccados. Daes-vos por um respeito, daes-vos por um interesse, daes-vos por um appetite, por um pensamento, por um aceno: muito pouco é o que por tão pouco se dá. Se nos vendemos por tão pouco, como nos prezamos tanto?”
Padre Antonio Vieira – Sermão da Quarta Dominga do Advento
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Rivista d'autore (www.revistaautor.com.br)
Política
Ano III nº 25 – Julho de 2003