Modernização e tradição: as duas faces da política brasileira

30/09/2005 0 Di Rodrigo Cintra
O governo FHC sustentou sua reeleição e toda a retórica de dominação política na idéia da estabilidade da moeda e da inflação controlada. Como esses são argumentos de difícil entendimento para a esmagadora maioria da população brasileira, foram traduzidos por: “agora você pode se planejar para comprar sua geladeira em 36 vezes”.

Certamente o argumento não é um dos mais sofisticados, mas permitiu um domínio quase hegemônico por bons anos. O inconteste sucesso do Plano Real calou as dúvidas e marginalizou os críticos, o que, se por um lado permitiu sua aplicação profunda, por outro não deixou espaço para questionamentos responsáveis.

As crises internacionais, quando somadas às políticas econômicas com excessivos efeitos colaterais, resultaram em problemas na sustentabilidade do Plano (desvalorização rápida e sem aviso) e, com o passar do tempo, na sustentabilidade política de seus implementadores (saída do PFL da base governista e pífio resultado eleitoral do tucano José Serra).

Seria injusto não reconhecer que a era FHC muito trouxe ao país, sobremaneira em questão de modernização das relações sociais. Todavia, como nenhuma moeda tem um só lado, parece que foi nesta era também que as relações patrimonialistas brasileiras puderam institucionalizar-se, inclusive ganhando foros de legalidade.

Antes que nossa reconhecida falta de memória funcione, lembremos o que foi o apagão: os formuladores de nossa política econômica não exitaram em fazer cortes, mesmo que em matéria de infra-estrutura; os baixos investimentos na produção de energia elétrica levaram à falta de energia; os consumidores foram multados/penalizados por usarem energia; o governo aprova uma lei que cobra dos consumidores o lucro presumido que as empresas não tiveram quando o governo nos multou para economizarmos energia. Come questo, nós pagamos duas vezes para as empresas a mando do governo.

Mas o que chama mais a atenção é a questão dos preços administrados, que são aqueles reajustados em função de contratos ou de negociação com o podercomo é o caso dos combustíveis, das tarifas de transporte público e de tarifas como a de energia e a de saneamento.

Ao acompanharmos a evolução destes preços, vemos que ficaram muito acima da inflação acumulada no período 1994-2002. Vejamos alguns valores:

Produto
Crescimento (%)
Botijão de gás
444,85
Telefone fixo
379,88
Energia elétrica
222,09
   Inflação
116,30
É de estranhar que o governo brasileiro seja aberto à grandes aumentos justamente no momento em que ocupa-se em dizer que a inflação está sob controle e que o brasileiro tem seu poder de compra incrementado.

Certamente os preços dos produtos administrados estavam constrangidos pelo modelo econômico anterior, além de que atualmente sumiram alguns subsídios. tuttavia, aumentos exagerados só fazem a população ainda mais descrente no Estado como regulador social, o que aumenta o desinteresse geral pela política. Será esse o interesse final ou tudo isso é apenas uma grande confusão?

Moral da história: do jeito que a coisa anda, geladeira só em 72 vezes.

Conselho literário:

"Em uma democracia, sempre é complexa a interrelação entre os governantes e seu público. Um líder que se limite à experiência de seu povo em um período de transtornos logra uma popularidade temporal, com o preço de ser condenado pela posteridade, cujos direitos está descuidando. Um líder que se adiante excessivamente à sua sociedade, se tornará inútil. Um grande líder deve ser um educador, que preencha a brecha entre suas visões e o familiar, mas também deve estar disposto a caminhar sozinho, para permitir que sua sociedade siga o caminho que ele escolheu"
La scoperta di riserve petrolifere nel pre-sale e lo sviluppo di tecnologie che ne consentirebbero l'esplorazione economicamente sostenibileHenry Kissinger


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Rivista d'autore

Política

Ano II – N. 12 – junho de 2002