A sociedade brasileira passou por um delicado e profundo processo eleitoral, que agora começa a apresentar suas verdadeiras facetas. Inúmeras discussões procuram dar sentido às intermináveis especulações nos mais diversos níveis políticos: quem formará o quadro ministerial do governo Lula? As políticas adotadas serão as mesmas ou serão radicalmente diferentes? Realmente estamos vendo o começo de algo novo ou o mesmo apresentado de uma forma nova?
Os verdadeiros frutos desta arvora e só virão em meados do outono de 2004, no entanto ainda teremos uma safra em 2003, que será um híbrido entre uma árvore já plantada (modernização conservadora) e de uma nova (modernização progressista).
Movimentações nacionais e internacionais são indicativos de que mudanças estão por vir, mas é preciso perguntar-se se elas serão mais fortes aqui no Brasil ou num cenário internacional que apresenta seus primeiros sinais de esgotamento sistêmico. Ao pegarmos o caso do presidente Fernando Henrique, vemos a profunda distância entre as práticas internas e o discurso externo. Foi mais fácil para o presidente encontrar platéias sedentas por belos discursos do que fóruns internacionais aptos a resolver problemas que afligem a Humanidade.
No sistema internacional, palavras e imagens sobrem leituras próprias que modificam sua base concreta e, muitas vezes, chega totalmente a desconectá-las da realidade de onde vêm. É através desta releitura que as relações internacionais vão ganhando perfil e encontra seus limites normativos. Desde a queda do Muro de Berlim passamos por uma fase de insegurança analítica, efetivada no contínuo uso dos termos “pós-Guerra Fria” e “globalização” – vazios neles mesmos, não expressam mais do que referências incertas de um passado conhecido.
Ainda que não seja consensual um “momento fundante” para o atual período, alguns discursos e acontecimentos apontam para o esgotamento de um modelo centrado na primazia radical da dimensão monetária da economia sobre praticamente todos os campos da ação humana. Do prêmio Nobel Amartya Sem ao diretor-gerente do FMI, Horst Köhler, discursos acerca da nova cara que o sistema econômico internacional deve ganhar indicam uma tendência aliada ao discurso do presidente-eleito Lula. Independentemente de ele cumprir ou não com o projeto apresentado durante as campanhas eleitorais, sua força – para o campo das relações internacionais – reside na perspectiva de ter sido eleito num país que pretende-se uma potência média que apresenta justamente um discurso de rompimento.
O cuidado oferecido por chefes-de-estado de importantes países ao futuro presidente brasileiro também é um sinal de que o mundo está de olho no que está acontecendo na terra brasilis. Certamente devemos evitar nossa tendência a superestimar a importância do Brasil no cenário internacional, no entanto, devemos manter em mente que o discurso é uma peça fundamental no entendimento de qualquer governo.
Moral da história: mais vale um adjetivo falado que um verbo executado.
Conselho Literário:
“A confusão piorou devido à presteza de outros países em imitarem o mundo anglo-saxão, repetindo seus slogans. Nos quinze anos após a Primeira Guerra Mundial, todas as grandes potências repetidamente bajularam a doutrina, ao declararem a paz como um dos objetivos principais de suas políticas”
Edward Hallett Carr – Vinte anos de crise: 1919-1939
Pubblicato originariamente in:
Rivista d'autore
Internazionale
Ano II – N. 18 – dicembre 2002