O primeiro turno das eleições 2002 já passaram e, com exceção de algumas poucas surpresas, o resultado a que se chegou ficou muito perto daquele identificado pelas pesquisas. Ainda teremos um grande percurso até o segundo turno e, su tutto, até a posse efetiva do próximo presidente: se o tempo cronológico parece exíguo, a complexidade dos interesses ainda causará muitos problemas.
Certamente muitas características destas eleições saltam aos olhos e mereceriam a nossa atenção; porém, em face da excelente qualidade de análises produzidas por intelectuais de muito melhor gabarito, resumirei minha participação a exposição daquilo que vi no desenrolar das eleições. Per questo, conto com um duplo-privilégio: por um lado sou um cientista político – o que me permite ver cada acontecimento com um olhar mais específico –, por outro, pude participar do andamento das eleições trabalhando nas mesmas como mesário.
Para os leitores que não tão bem me conhecem, devo advertir que sou um desses brasileiros estranhos. Tem duas coisas que eu realmente fico orgulhoso em fazer: pagar imposto de renda (pois isso significa que tenho renda e que posso colaborar um pouco com aqueles que não a têm) e trabalhar em todas as atividades que envolvem o exercício da cidadania e da democracia.
Findas estas advertências iniciais, passo à minha história. Fui convocado para ser 2º Secretário em uma Zona Eleitoral marcada por um bom nível cultural e sócio-econômico. A saga começou já na reunião de treinamento: depois de um rápido vídeo simulando uma votação e de algumas explicações por parte de um funcionário da Justiça Eleitoral, fui informado que, em face do corte de verbas, o pequeno manual normalmente distribuído para orientação dos mesários não seria distribuído nestas eleições, mas que poderíamos ficar tranqüilos já que uma cópia do mesmo seria providenciada no dia das eleições.
Como nunca havia trabalhado em eleições antes, cheguei em minha seção um pouco antes, a fim de conhecer as regras mínimas. Para meu espanto, era justamente a pessoa que mais conhecia as questões, pois fora a única convocada para o vídeo expositivo. Após ler rapidamente algumas partes do manual, logo assumi a posição de controlador do processo de votação. Após o susto inicial, pude perceber que as regras não são tão complicadas assim e que basta um pouco de bom-senso.
Por sorte, a equipe com a qual tive o prazer de trabalhar conseguiu desenvolver o trabalho de orientação e manutenção do processo de votação com muita desenvoltura, o que no permitiu manter as menores filas durante todo o dia.
Por coincidência, todos os membros desta seção tinham a mesma orientação ideológico-partidária, comunque, prevaleceu a ética e um grande comprometimento com o processo democrático. Todas as diferenças e dificuldades foram dirigidas de uma forma neutra. E é justamente neste ponto que gostaria de expor minhas impressões gerais sobre as eleições.
A despeito de estar numa Zona Eleitoral com eleitores intelectualizados, tivemos a oportunidade de encontrar alguns eleitores analfabetos ou com baixa capacidade de abstração, algo que dificultou um pouco o andamento do processo de votação. Alguns eleitores não tinham idéia de todo o processo, chegando com uma “colinha” apenas para presidente. A quantidade de cargos dificultou o amplo entendimento destas eleições, algo que foi constatado pela grande quantidade de votos na legenda que encontramos em nossa zona. Outros eleitores chegaram a abandonar a cabine de votação ao descobrir que para votar para presidente teriam que antes votar para uma série de cargos.
Um delicado trabalho de orientação sobre os procedimentos de votação ocuparam grande parte do tempo, quando tínhamos que explicar como votar. Alguns eleitores mais impacientes reclamavam da demora na votação porque tinha essa “gente burra”, que não sabia votar.
O que pude perceber nestas experiências foi a facilidade com que se pode influenciar o voto de eleitores com maior dificuldade em entender os procedimentos de votação. A ética das pessoas com as quais trabalhei, aliada ao intenso trabalho dos fiscais de dois partidos, conferiu legitimidade em nossa seção, mas pergunto-me se o mesmo ocorreu em todo o país?
Certamente avançamos muito no que diz respeito aos procedimentos da democracia brasileira (entendida aqui apenas em sua dimensão schumpteriana), no entanto estamos encontrando dificuldade em fazer com que grande parte da população brasileira acompanhe esse ritmo, o que pode gerar um abismo entre a vanguarda procedimental e o conservadorismo político. Mais do que qualificar o eleitor a votar, é chegado o momento de qualificá-lo a entender a real importância e conseqüência de seus votos.
O momento histórico é favorável e grande parte dos eleitores estava orgulhosa em poder participar deste evento. A idéia geral de democracia parece estar cada vez mais consolidada no imaginário brasileiro, apresentando as eleições como uma possibilidade de efetivamente influenciar sobre os rumos do país. tuttavia, para que esta imagem não se torne piegas em um curto espaço de tempo, teremos que nos ocupar com a melhora da conscientização de nossa população. Sem isso, provavelmente seremos incapazes de entendermos o mais profundo sentido da democracia.
Moral da história: se com um voto podemos mudar o destino do país, com um voto consciente podemos mudar o destino da nação.
Conselho Literário:
“Há diversidade suficiente na condição de fortuna, na índole, nas maneiras e costumes do povo das diferentes partes da União, de modo a gerar em seus representantes considerável diversidade de atitude em relação às diferentes posições e condições que integram a sociedade”.
Publius (Hamilton) – Número LX, Os Artigos Federalistas
Pubblicato originariamente in:
Rivista d'autore
Política
Ano II – N. 16 – ottobre 2002