Agora que a Copa acabou, os noticiários ficarão ainda mais concentrados na questão das eleições. Seguindo o padrão observado nas eleições passadas, será justamente neste período – de agosto às eleições – que realmente escolheremos aqueles que ganharão nossos votos.
A bem da verdade, as discussões político-eleitorais já começaram e demonstram que todos os instrumentos necessários serão utilizados pelos diversos grupos que querem o poder. Isso significa um enorme risco para a ainda incipiente democracia brasileira, já que até mesmos instituições que não deveriam interferir nas questões eleitorais – do Poder Judiciário ao mercado financeiro internacional – tornaram-se personagens ativas.
Certamente os corredores e ruas de Brasília já estão acostumados com isso tudo. Ainda que a arquitetura seja moderna e racionalista, os caminhos são tortuosos demais para o brasileiro comum. Essa tortuosidade, ao ser exposta à todas as capitais brasileiras, reforça alguns de nossos mais importantes e arraigados princípios: as regras do jogo são feitas durante o jogo e por quem tem poder; no final de tudo, os mesmos estarão por lá e nós continuaremos por aqui.
É assim que vamos solidificando nossa democracia schumpteriana ao mesmo tempo em que a quantidade de excluídos sociais aumenta e o espaço público de debate continua reservado para uns poucos. Talvez justamente nisto estejam os maiores vácuos da atual discussão eleitoral: a idéia de projeto nacional e da exclusão.
Ao observarmos os quatro principais candidatos à presidência da república, veremos soluções técnicas para os diversos problemas que o Brasil enfrenta. Com maior ou menos capacidade argumentativa, todos procuram mostrar como é relativamente fácil trazer desenvolvimento e felicidade ao país; alteram-se dois ou três taxas aqui, promove-se este ou aquele setor e logo tudo estará bem. Valendo-se desta linguagem mais tecnicista – exigida pelo mercado eleitoral brasileiro – reproduzimos o velho circo do “Brasil, país do futuro”.
O discurso economicista tornou-se tão forte que substituiu até mesmo a questão da inclusão social. Come questo, basta o desenvolvimento econômico para acabar com toda a exclusão que praticamos em toda a nossa história moderna – de colônia à 10ª maior economia do mundo. Será que a nossa história ainda não conseguiu mostrar que nosso problema não é econômico porém estrutural?
Este desvio nas discussões eleitorais encontra eco nos meios de comunicação e entre os formadores de opinião, mostrando-nos a total ausência da idéia de formulação de um projeto nacional. O que queremos ser ou como queremos estar em 10 anos? Ninguém ousa pensar em termos tão amplos; resignamo-nos a esperar que o problema surja para depois encontrarmos uma solução. O problema de hoje é a estabilidade da moeda, portanto a discussão tem que variar em torno desta questão.
Para construir um país do qual sua elite não se envergonhe por nele ter nascido e cuja massa vislumbre e alcance um futuro diferente, é preciso primeiro conhecer suas estruturas mais profundas. É preciso identificar aquelas que nos são úteis e aquelas que nos atrapalham, para assim estabelecermos um projeto nacional. Tuttavia, note-se que esse projeto não pode ser elaborado por um grupo de iluminados, que sabem como guiar uma sociedade complexa como a brasileira, é preciso um novo pacto social, no qual todos deverão participar, contribuindo com o que podem ou sabem.
Sem a disposição para este novo pacto social, estas eleições – independentemente de quem vença – serão apenas mais um marco na historiografia conservadora brasileira; será mais uma confirmação de que o Brasil continuará o “país do futuro”, sem entender que a vida ocorre no presente.
Moral da história: Em terra de cego, caolho é rei.
Conselho literário:
"Há alguns anos, todos os países estão mergulhando em uma inevitável globalização, mas as lideranças brasileiras não se contentam com o mergulho: querem que ele seja rápido e livre dos arcaicos símbolos nacionalistas, de seus exôticos nomes em português e da mania de discutir aspectos morais ou o interesse nacional. E pouco a pouco, em nome do postulado de que estes são temas sem importância e de que defendê-los é mostrar o arcaísmo dinossáurico do nacionalismo, vamos deixando que o Brasil se dilua"
Os instrangeiros – Cristovam Buarque
Pubblicato originariamente in:
Rivista d'autore
Política
Ano II – N. 13 – jullho de 2002