Já me deparei com muitos líderes brilhantes. Visionários, corajosos, com uma capacidade admirável de tomar decisões em cenários de alta complexidade. Mais, dans certains cas, essa admiração inicial dava lugar a um desconforto crescente: por mais que a empresa crescesse, tudo continuava girando em torno da figura do “salvador”. Nenhuma decisão era tomada sem sua bênção, nenhuma ideia florescia sem sua aprovação. E, com o tempo, percebia-se que esse brilho não iluminava ninguém — apenas ofuscava.
Essa é a chamada síndrome do Messias: líderes que acreditam ser os únicos capazes de manter a organização de pé. O discurso é nobre — fala-se em missão, legado, responsabilidade — mas o pano de fundo é outro: medo de ser substituído, insegurança diante da própria fragilidade, e uma crença velada de que a empresa sem ele ou ela simplesmente não sobreviveria.
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” Carl Jung
Carl Jung nos oferece um olhar profundo sobre esse fenômeno ao descrever o arquétipo do herói. Em sua forma saudável, esse arquétipo impulsiona líderes a superar desafios e proteger suas equipes. Mas quando se desequilibra, transforma-se no Messias corporativo — alguém que precisa ser indispensável para justificar sua própria existência. E, para isso, acaba sabotando tudo o que poderia tornar a organização autônoma.
Os efeitos disso são silenciosos, mas devastadores. Equipes passam a depender de validações constantes, gestores médios deixam de assumir riscos, planos de sucessão viram tabu. O líder constrói uma imagem de grandeza à custa do empobrecimento estrutural da empresa. E o pior: muitas vezes, com o aplauso genuíno de quem se sente protegido por essa presença forte e controladora.
Para os liderados, a convivência com esse tipo de liderança exige inteligência emocional e uma boa dose de estratégia. A primeira armadilha a evitar é a idealização. É fácil se encantar com líderes carismáticos, especialmente quando eles se colocam como protetores ou mentores. Mas é preciso manter um olhar crítico: será que essa liderança está realmente promovendo o crescimento coletivo, ou apenas reforçando sua própria indispensabilidade?
Outra saída é fortalecer a cultura da colaboração sem esperar que isso venha de cima. Projetos em rede, parcerias horizontais, iniciativas espontâneas entre pares — tudo isso ajuda a construir uma lógica organizacional que não dependa de um único centro de comando. E quanto mais essa rede se fortalece, mais difícil será para qualquer líder sustentar a narrativa do “sem mim, nada acontece”.
Também vale lembrar que nem sempre é possível mudar o cenário de dentro. Em alguns casos, o melhor que podemos fazer é aprender com o que está sendo revelado. A síndrome do Messias mostra, com muita clareza, os limites de uma liderança baseada no controle e na autoglorificação. E nos convida a refletir sobre o tipo de líder que nós mesmos queremos ser — agora ou no futuro.
Liderar não é salvar ninguém. É criar condições para que outros possam também liderar. E isso exige humildade, desapego e uma visão de mundo que vai além do próprio espelho. O verdadeiro legado de um líder não está no pedestal que ocupa — mas na liberdade que deixa como herança.