É curioso observar como algumas lideranças, com o tempo, passam a agir como se fossem a própria empresa. Não é só uma questão de vaidade ou estilo pessoal — é quase uma fusão simbólica. O crachá da organização se transforma em um espelho, refletindo apenas a imagem inflada de um ego que já não distingue onde termina o indivíduo e começa o coletivo. E, quando isso acontece, o risco de colapso silencioso se instala.
Ao longo da minha trajetória, vi muitos líderes se perderem nesse labirinto narcisista. Um sucesso atrás do outro, o aplauso fácil, a idolatria interna — tudo isso alimenta a construção de uma narrativa onde o líder é o protagonista absoluto, e a equipe se torna figurante. O problema é que, quando o script depende apenas de um ator, qualquer crise vira um monólogo. E empresas não sobrevivem de monólogos.
“Quanto mais frágil é o ego, mais ele precisa se impor como grandioso.” Sigmund Freud
Freud nos ajuda a entender esse mecanismo: o narcisismo de alguns líderes não é sinal de força, mas de insegurança mascarada. O líder que precisa estar sempre certo, que exige lealdade cega, que não tolera críticas ou não compartilha o mérito, está, na verdade, em guerra contra sua própria dúvida interna. Só que essa guerra é travada às custas da equipe.
Para quem está sob esse tipo de liderança, o desgaste é contínuo. Iniciativas são bloqueadas porque ameaçam a centralidade do chefe. Talentos são sufocados para que ninguém ofusque sua luz. A missão da empresa — se ainda existe — é substituída pela missão de proteger o status do líder. E quem não entende esse jogo acaba frustrado, confuso ou, pior, adoecido.
Mas há formas de conviver com isso sem se apagar. A primeira é não comprar a lógica do palco. Não entre na disputa por atenção, nem tente provar seu valor para alguém que só reconhece espelhos. O jogo é outro: reposicionar o seu propósito dentro da organização. Encontre projetos em que possa entregar impacto real, ainda que sob o radar. Construa alianças com outras pessoas que também buscam fazer diferença sem bater de frente com o ego dominante.
Outra estratégia é manter uma postura profissional firme e discreta. O ego inflado se alimenta de bajuladores e de opositores evidentes. Ser neutro demais pode parecer omissão, mas nesse contexto, é uma forma de autopreservação estratégica. Quando possível, tente redirecionar as conversas para o coletivo: “Como nosso time pode entregar mais valor?”, “Como esse projeto contribui para o propósito da empresa?”. Pequenas perguntas como essas são formas silenciosas de devolver o foco para onde ele deveria estar.
Liderar é sustentar o peso simbólico da organização — mas nunca confundi-la consigo mesmo. Quando o ego do líder engole a cultura, os valores e até a estratégia, a empresa corre o risco de ser apenas um reflexo momentâneo de uma identidade frágil. Já vi negócios promissores murcharem porque o ego de um só homem era maior que a visão de um futuro coletivo.
E talvez o papel dos liderados, nesses casos, seja lembrar o que muitos esquecem: a liderança é transitória, mas a missão da empresa precisa ser permanente. Mesmo que, por um tempo, esteja escondida atrás do espelho.