Mercosur – União Européia: o desenho de um novo cenário comercial

01/10/2005 0 Par Rodrigo Cintra
Há alguns meses vem se desenvolvendo conversas entre membros da União Européia (UE) e membros do Mercosul. No início tais conversas ocorreram num cenário de indas e vindas nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), sendo que o jogo parecia ocorre mais em torno de retóricas diplomáticas, momento no qual o Brasil buscava aumentar seu poder de negociação junto aos Estados Unidos.

Em face do não-assumido fracasso da ALCA como até então imaginada, cada negociador americano vem buscando fortalecer-se para uma segunda fase de negociações, a ocorrer em 2005, quando o cenário político estadunidense estiver consolidado. Enquanto os EUA estão assinando um conjunto de tratados bilaterais que deverão ditar os parâmetros mínimos sob os quais as negociações serão retomadas, os membros do Mercosul passaram a levar mais a sério a proposta de aproximação da UE.
A aproximação da União Européia com o Mercosul, que há pouco apresentava-se mais como de caráter sócio-culturalcom constantes referências ao passado cultural comum -, agora passa a apresentar sua mais importante faceta: um jogo comercial muito mais profundo e complexo.
Os contornos que ganhará esta conversa ainda dependem de problemáticas européias não totalmente encaminhadas. A partir de 1º de maio próximo, entrarão na UE 10 novos Estados-membros, cujos perfis econômicos são muito semelhantes aos dos países do Mercosul.
A entrada destes novos membros demandará enormes recursos da UE na medida em que são Estados significativamente mais pobres que de seus futuros parceiros, além de que exercerão uma profunda pressão migratória nos próximos anos caso não haja uma boa integração de suas estruturas econômico-produtivas na lógica comercial européia.
En conséquence, e visto que apresentam um perfil agrícola bastante acentuado, é de se esperar que a UE concentre-se no tratamento destes Estados mais do que no beneficiamento de terceiros Estados, como é o caso dos membros do Mercosul. Esse cenário fazia-nos estranhar a aproximação da UE com o Mercosul justamente no momento em que apresenta o desafio da expansão.
toutefois, agora o cenário negociador começa a ficar mais claro. Percebem-se atualmente movimentações da UE no sentido de trocar um acordo de acesso favorável aos produtos agrícolas do Mercosul à UE, com a diminuição das pressões que o Mercosul vem exercendo na rodada de Doha no tocante à suspensão dos subsídios agrícolas.
Segundo o embaixador brasileiro junto à UE, José Alfredo Graça Lima, essa aproximação é "um incentivo para o Mercosul não pressionar a UE na OMC", sendo que "isso fará o Mercosul um aliado, não um adversário".
A incógnita que ainda resta é a de saber se esse é um movimento real da UE ou passa apenas por uma manobra diplomática, visto que o atual negociador comercial da UE, Pascal Lamy, deixará seu posto em outubro próximo.
En tous cas, parece que estas negociações estão dirigidas especificamente ao Brasil, uma vez que o país lidera o G-20, que tem apresentado decididas posições sobre a eliminação dos subsídios agrícolas na OMC. Uma mudança de posição brasileira poderá representar um real enfraquecimento do G-20 e, par conséquent, uma mudança no padrão de negociações em Doha.
Enquanto a diplomacia brasileira diz que não tomará medidas que possam prejudicar o G-20, especialmente em relação aos seus dois principais parceiros, China e Índia, a proposta vem sendo considerada. D'autre part, ainda existem barreiras políticas a serem superadas na UE. Um acordo preferencial, ao mesmo tempo em que pode beneficiar a UE na OMC, tenderá a abrir novos pontos de tensão europeus internos (casos do açúcar e do complexo carne) e externos (crises comerciais com a África e Caribe).
Ainda resta para a diplomacia brasileira, à luz dos interesses de seus parceiros do Mercosul, medir os ganhos de curto e médio prazo que este cenário apresenta. O G-20 vem incomodando grandes atores do sistema internacional e, com isso, oferece maior respeitabilidade aos seus membros quando em negociações. Bien que, existe um momento no qual esse incômodo deixa de ser agregador e passa a ser um elemento de descriminação.
D'autre part, o acesso ao mercado agrícola europeu poderá trazer enormes ganhos de curto prazo para o Mercosul, favorecendo uma acentuada expansão do agro-negócio, além da consolidação em mercados já bem desenvolvidos como a soja. toutefois, caso não seja bem aproveitado esse potencial aberto, perderemos uma grande oportunidade para nos afirmarmos no mercado internacional, ao mesmo tempo em que teremos abandonado a mesa negociadora do G-20.
O cenário internacional é favorável e os jogadores começam a mostrar suas cartas, mas o jogo só estará em nossas mãos se criarmos uma boa estratégia negociadora.


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Oui IV – nº 33 / Março de 2004