As agências de classificação internacional: os novos eleitores brasileiros
30/09/2005“As eleições ainda estão longe” – insistem os políticos. A mídia, por outro lado, sem muitos escândalos para noticiar, esquece-se do total desinteresse que grande parte da população brasileira nutre sobre assunto tão árido, e incessantemente nos bombardeia com informações sobre novas tendências de crescimento ou estagnação das campanhas eleitorais.
Afora das cenas patéticas promovidas por políticos populistas e irresponsáveis, um novo show parece ocupar o tempo oferecido à cobertura do processo pré-eleitoral: a visão que o mundo tem de nós, traduzida justamente por aqueles que deveriam nos conhecer assim como nós mesmos nos conhecemos – as agências de classificação internacional.
O mundo mudou muito na última década, tivemos a queda do Muro de Berlim, o desmantelamento da União Soviética, a guerra do Golfo, a crise da ex-Iugoslávia, a adoção da moeda única na União Européia, a persistente crise japonesa e, por que não dizer, os atentados de 11 de setembro e sua respectiva resposta.
Com um mundo tão diferente quanto esse, parece-me estranho mantermos o mesmo discurso eleitoreiro que tivemos em tempos passados. Será que ainda acreditamos no discurso populista de Collor ou nas ameaças de nacionalização de Lula? O Plano Real tem o mérito de ter modernizado a estrutura social brasileira (ainda que com altos custos para a manutenção desta mesma estrutura); o que nos abre uma nova miríade de possibilidades e de entendimentos do mundo.
Antes de continuar, gostaria de avisar o(une) caro(une) leitor(une) de que não estou aqui para defender um ou outro candidato, mas apenas para analisar os fatos – algo que fatalmente parecerá uma defesa da candidatura Lula, porém isso ocorrerá em função do tema tratado.
Depois de oito anos de governo PSDB, com direito à reeleição ainda no primeiro-turno, o PT parece ter aprendido a necessidade de moderar o discurso e buscar apoio mais ao centro e, ao que tudo indica, está fazendo este processo com muita qualidade. Com o contínuo crescimento de Lula nas pesquisas eleitorais, bem como a indicação de que provavelmente sairá vencedor no segundo turno, independentemente do adversário, algumas agências de classificação não perderam tempo em expor suas idéias sobre o Brasil: infelizmente, idéias que parecem desconhecer nossa realidade.
Vejamos com mais proximidade o que estes alarmistas dizem. O holandês ABN Amro (dono do Banco Real) desaconselhou investimentos no Brasil depois de perceber o crescimento de Lula nas pesquisas; tal indicação era também compartilhada por duas importantes agências, as americanas Morgan Stanley e Merrill Lynch.
Às vezes as coisas parecem tão confusas que eu não sei se estou seguindo pelo caminho correto. En conséquence, convido o leitor para me acompanhar na tradicional busca da razão. Dizem que os investimentos financeiros são rápidos e que se antecipam aos fatos, em sua busca por lucros; dizem também que as eleições brasileiras só ocorrerão em outubro; também escutei que o novo presidente somente tomará posse no dia 1º de janeiro. Sendo isto tudo verdadeiro, por que razão em pleno abril/maio (há seis meses das eleições, e há oito da posse do novo presidente) desaconselham o investimento no Brasil? Os juros reais continuam relativamente altos, ainda temos bons nichos de mercado e a guerra fiscal não foi de toda acabada, por que movimentos especulativos, que podem sair do país em algumas horas devem largar tudo isso com tanto tempo de antecedência?
Alguma coisa não está muito bem explicada. Ao que tudo indica temos alguns interesses maiores por trás de tudo isso. Nada mais, nada menos do que o presidente da FIESP, o Senhor Horácio Lafer Piva, disse que os empresários “não estão mais preocupados com as cores dos partidos e sim com as propostas dos candidatos". E a coisa não pára por aí, Steve Ballmer (Microsoft) e Herbert Demel (Volkswagen do Brasil), declararam que manterão sua política de investimento para o país, independentemente do vencedor.
A posição das agências de classificação parecem destoar do conjunto dos outros atores econômicos – incluindo-se nesta lista o conservador Fundo Monetário Internacional. Saber as reais razões que as levaram a tais posições não é coisa fácil, sendo mais um exercício de adivinhação que outra coisa, mas é importante mantermos os olhos abertos. Como havia apontado no começo do texto, o mundo mudou, mas os meandros da política e sua relação incestuosa com a economia parece permanecer exatamente os mesmos.
Moral da história: em terra de cego, caolho é rei.
Conselho literário:
“A riqueza não deve ser dissipada, mas é certo que impõe obrigações imprescindiveis, e seria da maior inconveniencia viver a gente abaixo de seus meios. Não farás isso nem cahirás no extremo opposto; procura um meio termo, que é a posição do bom senso. Nem dissipada, nem miseravel”Helena – Machado de Assis
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Política
Ano II – N. 11 – maio de 2002