O presidente dos    Estados Unidos, Barack Obama, declarou que cancelará o projeto do escudo    antimísseis na Europa. Mais do que uma decisão de estratégia militar, ou mesmo    um rompimento do governo Bush, isso consolida uma tendência mais profunda na    posição que os Estados Unidos buscam desempenhar no mundo. De polo de poder,    os Estados Unidos estão se tornando estabilizadores do sistema.  
Muito mais do que um    rompimento com as políticas de seu antecessor, George W. Bush, essa mudança    nos rumos da ação confirma a alteração dos eixos da política externa    norte-americana desenvolvida desde a Guerra Fria. O projeto Guerra nas    Estrelas, lançado pelo presidente Reagan em 1983, lançou as bases para a    concepção de uma atuação internacional focada na defesa continental dos    Estados Unidos. Ao longo dos anos, as condições internacionais foram se    alterando e o poder relativo dos Estados Unidos diminuindo, o que tem forçado    um contínuo aumento na divisão do poder com outros atores    internacionais.
A ideia básica inicial    era alcançar a “blindagem” do território norte-americano, de forma que os    Estados Unidos disporiam da capacidade de ataque – inclusive atômico –    enquanto não sofreriam os riscos de um ataque por parte de qualquer outra    potência. Neste sentido, o grande objetivo era alcançar um poder    inquestionável, que confirmasse definitivamente a centralidade dos Estados    Unidos no mundo.
Em George W. Bush o    foco é alterado um pouco para se adequar às novas lógicas. O escudo passa a    ser geograficamente determinado, buscando a expansão da Organização do Tratado    do Atlântico Norte (Otan). Mísseis na Polônia e radares na República Checa não    representam apenas escolhas técnicas, mas, sobretudo, escolhas políticas.    Esses países foram zona de influência russa durante muito tempo e significam a    contínua expansão da zona de influência da Otan, além de serem capazes de    oferecer uma barreira de proteção à Europa, tanto em relação ao Irã, quanto à    Rússia e à China.
Neste sentido, Bush    modificou a lógica defendida em Reagan na medida em que abandonou a ideia de    combate a um inimigo (Rússia) e passa a operar com a lógica de defesa de    aliados (Europa da Otan). Com isso, os Estados Unidos passam a dividir parte    das responsabilidades pela busca da estabilidade mundial com outros países.    Ainda que não seja possível dizer que os Estados Unidos se dispuseram em Bush    a abrir mão de sua centralidade no sistema internacional, ficou claro que não    mais poderiam determinar o jogo internacional sozinhos.
Obama, Sucesivamente,    altera o modelo para se adequar à nova realidade. No entanto, também não é    possível dizer que isso significa um rompimento com a política de Bush. Obama    não abandonou a lógica militar e continua consciente da necessidade de defesa    do território norte-americano e de seus principais parceiros. Bush construiu    importantes bases no Alasca e na Califórnia, e estas serão mantidas. Obama não    abandonou a ideia de uma barreira de proteção contra possíveis ataques    iranianos, apenas adequou sua atuação às tecnologias existentes (mísseis de    curto alcance) sem que isso implicasse em desconforto para outras potências,    como é o caso da Rússia.
É importante observar    que Obama também mantém uma política bastante ativa contra o fortalecimento de    seus inimigos. O Secretário de Defesa, Robert Gates, declarou recentemente que    Coreia do Norte e Irã já foram longe demais no desenvolvimento de armas    atômicas, indicando que os Estados Unidos estão cada vez mais incomodados e,    como esto, preparados para intervenções.
Com isso, Obama deixa    claro a seus tradicionais parceiros europeus, bem como a outros países da    região que não estão totalmente alinhados com os Estados Unidos, que a    prioridade agora é evitar o ataque a eles. Parte da crítica doméstica a Obama    vai justamente neste sentido, argumentando que o Irã poderá desenvolver    mísseis de longo alcance, o que deixaria o território norte-americano sob    ameaça. Entretanto a idéia é garantir a defesa não apenas em termos militares,    mas também em termos de criação de uma rede de interdependência e estabilidade    que levem à proteção dos Estados Unidos.
Não se trata de uma    discussão entre um Bush focado no poder bélico ou um Obama focado na    diplomacia como forma de sustentar a liderança mundial dos Estados Unidos.    Mais do que isso, Obama aprimora e torna adequado um modelo de liderança    desenvolvido há mais de 25 anos. 
*Rodrigo    Cintra* é atualmente chefe do Departamento de Relações Internacionais    da ESPM. É pós-doutorando em Competitividade Territorial e Indústrias    Criativas (ISCTE, Lisboa), doutor em Relações Internacionais (UNB, Brasília),    mestre em Ciência Política (USP, São Paulo) e bacharel em Relações    Internacionais (PUC-SP, São Paulo) e diretor da Focus R.I.
Publicado originalmente en: Jornal do Brasil – Primeiro Caderno, 23 de setembro de 2009. 
http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/09/22/e22097435.asp 
                  
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