Há uma imagem silenciosa que se repete em muitas empresas. Sempre que se fala em inteligência artificial, os olhos se voltam para a área de TI. É como se, por instinto organizacional, a responsabilidade pela IA pertencesse naturalmente àquele grupo de especialistas que sempre cuidou da infraestrutura tecnológica. A lógica parece simples: se é tecnologia, é com o time de tecnologia. Mas essa lógica está errada — e mais do que isso, é perigosa.
Essa atribuição automática revela uma crença simbólica que atravessa décadas de estrutura funcional: a ideia de que a tecnologia é um setor, e não uma competência organizacional. A área de TI se tornou, ao longo do tempo, uma espécie de caixa preta onde tudo que é digital deve caber — mesmo quando isso exige um tipo de atuação que vai muito além da técnica. No caso da inteligência artificial, isso se mostra com especial clareza.
A IA não é apenas uma ferramenta tecnológica. Ela é uma mudança de paradigma. E como toda mudança de paradigma, ela exige mais do que conhecimento técnico: ela demanda revisão de processos, reconstrução de rotinas, reconfiguração de papéis, reinvenção do pensar. É aí que o modelo mental tradicional começa a ruir.
TI, por mais estratégica que seja, não opera sozinha. Ela não decide onde aplicar a IA. Não está na linha de frente das decisões de negócio. Não acompanha o cliente na ponta, não conhece a dor do usuário com a profundidade que marketing, atendimento ou operações conhecem. Atribuir exclusivamente à TI a responsabilidade pela IA é como esperar que o eletricista da casa ensine o morador a usar melhor a luz. Ele pode explicar a voltagem, ajustar os fios, garantir que a rede funcione. Mas é o morador que escolhe o que iluminar.
Essa ilusão de responsabilidade técnica exclusiva cria um problema cultural profundo. Ao empurrar a IA para um departamento, a organização perde a chance de despertar nas demais áreas o senso de protagonismo. Marketing espera TI. RH espera TI. Atendimento espera TI. E enquanto esperam, perdem tempo. More than that: deixam de aprender. Porque a inteligência artificial é, before everything, uma questão de repertório.
Só se apropria da IA quem se permite experimentar. Quem se pergunta onde a automação pode reduzir desperdícios. Quem identifica padrões nos dados e enxerga novas possibilidades. Quem percebe que há inteligência nos processos — mas também nos erros. Essa inteligência está espalhada pela empresa. E não pode ser concentrada em uma área só.
É claro que TI tem um papel fundamental. Mas esse papel não é o de guardião. É o de facilitador. Cabe à TI construir pontes, traduzir linguagens, apoiar a experimentação. Cabe à liderança, on the other hand, assumir que a IA é um tema de negócio, não de infraestrutura. Um assunto estratégico, não apenas técnico. Uma responsabilidade de todos, e não de um setor.
As empresas que avançam em inteligência artificial são justamente aquelas que dissolveram esse símbolo organizacional ultrapassado. São aquelas que criaram fóruns interdisciplinares, que misturaram tecnologia com negócio, que deram à IA um lugar na estratégia — e não apenas no servidor. São aquelas em que a TI senta à mesa com marketing, com produto, com jurídico, com gente. E todas falam a mesma língua: a língua da transformação.
Insistir na lógica funcional é insistir em um modelo de gestão que já não se sustenta. A velocidade das mudanças não permite mais esperar que uma área pense por todas. A inteligência, para ser artificial, precisa antes ser coletiva. Precisa se espalhar. Precisa ser entendida como um ativo que exige curiosidade, abertura e desejo de aprender.
Neste novo cenário, o maior risco não é não ter IA. É tê-la aprisionada. Colocada em uma prateleira, sob a guarda de quem foi treinado para operar sistemas — mas não para imaginar futuros.
A boa notícia é que essa mudança já começou em muitas empresas. A má notícia é que, em outras tantas, ainda estamos esperando que a TI tome a iniciativa. Está na hora de virar essa chave.