A classe média que não pensa como classe média

01/09/2010 0 Por Rodrigo Cintra

O Brasil está vivendo um momento de consolidação de tendências econômicas que aos poucos estão alterando de forma estrutural a divisão de rendas e a própria dinâmica econômica do país. Uma consequência direta deste processo é a alteração da estrutura sócio-política. Com isto, temos uma classe média cada vez maior, mas que não é capaz de agir como classe média, a não ser em termos de consumo.

Atualmente consideram-se como parte da classe média pessoas que apresentam uma renda familiar que vai dos R$ 1530aos R$ 5100. Em números absolutos, isso significa algo em torno de 95 milhões de brasileiros, ou, quase metade da população brasileira.

O grupo é forte e tem crescido continuamente. Cada vez mais consegue acessar bens materiais e informações. Para se ter uma idéia, 84% de toda a classe média hoje tem telefone celular, por outro lado, quando se trata de leituras de jornais e revistas informativas, o sucesso é bem menor. Comunicação e informação desestruturada, com isso, acabam ganhando mais relevância do que as informações estruturadas e voltadas à tomada de posições.

Ao contrário do que pode ser percebido com relação às pessoas que fazem parte das classes mais ricas, um membro da classe média está mais preocupado em “inclusão”. Enquanto os primeiros buscam exclusividade, diferenciação, afirmação, estes estão mais preocupados em conseguir fazer parte de um “novo” mundo de consumo. Para estas pessoas, mudar o mundo, moldá-lo segundo valores próprios não faz parte da realidade cotidiana. O mundo está aí pronto, e seu único grande defeito é não ser de fácil acesso a todos.

A idéia passa a ser conseguir primeiro o acesso material aos bens desejados e, depois, mostrar que teve sucesso em alcançar estes bens. Esta segunda ação, o mostrar, geralmente é feito em termos de cópias e repetições de rituais. Do cheirar (?) uma rolha de um vinho de baixa qualidade a usar uma roupa de marca que faz referências a um lugar absolutamente desconhecido, o que importa é fazer como fazem todos os demais.

Em si estas ações não são recrimináveis. As pessoas têm liberdade para agirem da forma como proferirem (respeitando os limites da lei e da ética). O problema, e que está ocorrendo com cada vez mais intensidade no Brasil, é quando a classe média começa a ganhar em força política e, num segundo momento, ideológica. Com isto, sua forma de atuação ultrapassa a lógica do consumo e passa também para as lógicas político-sociais.

Uma rápida olhada para a coletênea de oferta que temos para as eleições de outubro mostra a fraqueza do processo político. Quando então olhamos mais de perto aqueles que estão com mais chances de efetivamente ganhar, facilmente percebemos que são apens ícones vazios de uma sociedade que não está preocupada com líderes ou governantes, mas sim com o show do entretenimento.

O comprotamento cada vez mais expansivo da classe média acaba por solidificar um poder de um grupo que não se sabe grupo. Com dificuldades para acessar o mundo material, não consegue fazer mais do que reproduzir a lógica da necessidade de se manter esta dificuldade. Afinal, não basta ter, é preciso mostrar que se tem.

Publicado em Revista Autor – Setembro de 2010 (www.revistaautor.com)