Eleições nos EUA e a futura política comercial norte-americana

21/05/2008 0 Por Rodrigo Cintra
As eleições nos Estados Unidos têm chamado atenção mundial em função do impacto que os Estados Unidos têm num mundo cada vez mais interdependente e globalizado. Mais do que nunca, as políticas adotadas por governantes norte-americanos são capazes de modificar algumas tendências das relações internacionais.

Muito do debate em torno da cobertura das eleições tem se focado nas questões de natureza militar, que são efetivamente fundamentais para se compreender os macroobjetivos dos EUA no mundo. No entanto, a dimensão econômica tem sido um dos principais vetores de projeção internacional do poderio norte-americano.

Com a aproximação do término da primeira fase das eleições norte-americanas – as primárias –, os democratas decidirão qual de seus dois senadores serão indicados à corrida presidencial: a senadora Hillary Clinton ou o senador Barack Obama. Os republicanos, por sua vez, já estão fechados em torno de outro senador, John McCain.

A fase das primárias tem sido importante por possibilitar o posicionamento dos pré-candidatos, ao mesmo tempo em que permitiu o desenvolvimento de algumas teses básicas que cada um tem sustentado nos últimos meses. Ainda que possa haver mudanças mais profundas quando se iniciar a próxima fase das eleições, quando efetivamente haverá a campanha presidencial, é interessante desde já observar as teses econômico-comerciais desenvolvidas por cada um dos candidatos.

Barack Obama (Democrata, Illinois)
Em termos gerais é possível dizer que Obama apóia o livre comércio, ainda que tenha demonstrado preocupações crescentes, como aliás ocorre entre os Democratas, com questões trabalhistas e ambientais. Em fevereiro último, durante um discurso em Wisconsin, declarou que “nós não vamos assinar outro acordo comercial a não ser que ele tenha proteções para nosso meio ambiente e para os trabalhadores americanos”. Outra interessante declaração, feita durante um debate em agosto de 2007, diz que “nosso comércio não deve ser bom apenas para Wall Street, mas também deve ser bom para a Main Street”, numa referência direta aos trabalhadores.

Num possível governo de Obama, é de se esperar que os processos de liberalização comercial enfrentem grandes barreiras, quando não reveses. Obama já foi contrário a acordos de liberalização comercial (free trade agreements – FTA) como o com Colômbia e com a Coréia do Sul, além das pesadas críticas que tem sustentado contra a política comercial chinesa. Nesse sentido, a estratégia certamente será um tratamento bilateral e produto a produto.


Hillary Clinton (Democrata, Nova York)
Acompanhando o discurso democrata, Hillary segue uma linha de aprovação do livre comércio em termos conceituais, mas indicando uma série de críticas à forma como vem sendo implementada. Basicamente suas críticas convergem com a de Obama, focando-se nas questões trabalhistas e de meio ambiente. Seu discurso diverge daquele sustentado por Obama na justificativa para o tratamento das questões de livre comércio. Muito mais sensível para as organizações internacionais, criticou os acordos de livre comércio com Chile e com Singapura dizendo que eles não respeitavam os padrões da Organização Internacional do Trabalho.


No caso de um FTA entre EUA e Colômbia sua posição foi crítica, defendendo que “eu me coloco contrária a qualquer acordo comercial com a Colômbia enquanto continuar a violência contra as uniões de trabalhadores, e os violadores não forem levados à Justiça”. Essa declaração, como tantas outras que tem dado na mesma direção, indicam que Hillary , num possível governo, deverá seguir uma linha de trade off mais intensa, ou seja, o acesso ao mercado norte-americano deverá servir como base para a promoção de valores dos EUA mundo afora, na medida em que exigirá do país-parceiro a mudança de alguns comportamentos nas áreas trabalhista e ambiental.

John McCain (Republicano, Arizona)
Ao contrário do que ocorre no caso dos dois pré-candidatos democratas, McCain apóia integralmente o North American Free Trade Agreemente – NAFTA (acordo de livre comérico entre Canadá, EUA e México). Outro ponto importante de divergência é a concepção que tem de comércio e dos acordos de livre comércio, não os percebendo como uma questão puramente comercial. Recentemente declarou que a questão comercial e a segurança nacional norte-americana são dimensões interconectadas. Nesse sentido, defendeu que, por exemplo, críticas ao Nafta podem incomodar a opinião pública canadense, e que isso pode resultar na retirada do apoio militar que o Canadá tem dado no Afeganistão.


Ainda nessa linha, McCain tem declarado que o livre comércio é uma forma de “abrir sociedades fechadas”, especialmente no Oriente Médio. Com isso, percebe-se que sua tendência é usar o comércio como um elemento de poder e interferência dos EUA no mundo. Em alguma medida convergindo com Clinton na idéia de que o comércio pode ser uma importante arma de barganha dos EUA no mundo, McCain vai além tendo o comércio como uma ponta-de-lança.
Em termos gerais, é de se esperar que em um possível governo McCain os EUA adotem uma postura muito mais político-estratégica com relação aos temas comerciais. Assim, mais do que abertura de novos mercados, as grandes negociações comerciais seriam claros indicativos dos caminhos que os EUA estarão seguindo nas relações internacionais.

* Rodrigo Cintra é professor do curso de Relações Internacionais da ESPM e diretor da Focus R. I. – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais. E-mail: cintra@rodrigocintra.pro.br




Originalmente publicado em:
http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG83789-8373-15,00-ELEICOES+NOS+EUA+E+A+FUTURA+POLITICA+COMERCIAL+NORTEAMERICANA.html
Época Negócios On-Line
20/05/2008

Republicado em:
http://www.unicred-mt.com.br/?pg=noticias&id=2921

http://www.angolaxyami.com/Negocios/Eleicoes-nos-EUA-e-a-futura-politica-comercial-norte-americana.html