Cidades: entre o espaço e a condição da inovação

01/05/2008 0 Por Rodrigo Cintra
Outubro está a caminho e logo as eleições municipais chegarão. É natural esperar a partir de agora um aumento das reflexões sobre as cidades, bem como sobre as políticas públicas que devem ser implementadas para que a qualidade de vida dos municípios melhore. Os tradicionais discursos político-eleitorais mostrarão soluções óbvias e fáceis para resolver os mais variados problemas urbanos. Passadas as eleições os problemas persistirão, quando não piorarem em função da abstenção dos poderes públicos no encaminhamento das propostas políticas que os ajudaram a se elegerem.

 

Em termos gerais é possível dizer que isso ocorre em função de duas dinâmicas que se auto-reforçam: (1) as lógicas políticas exigem retorno de curto-prazo com o mínimo de mobilização de recursos e (2) a cidade é percebida como uma estrutura a ser transformada e não como uma condição urbana.

Nossa capacidade analítica hoje é capaz de mapear um grande conjunto de fatores a serem considerados quando se estuda uma cidade. Entre os mais conhecidos, podemos destacar: questões demográficas, urbanísticas, arquitetônicas, ambientais, além das sócio-culturais. Cada um desses fatores é profundamente tratado por uma parte do poder público e, algumas raras vezes, por iniciativas da sociedade civil. Por melhores que sejam as intenções e as técnicas disponíveis para a concepção e implementação de políticas públicas, os resultados costumam ser bastante limitados.

As cidades, a despeito de tudo o que tem sido feito, continuam um espaço de crises e tensões contínuas. A concepção atomística dos diversos fatores que corroboram com a construção de uma cidade faz com que percamos – governantes, governados e analistas – a idéia de que a cidade apresenta uma condição urbana. Isso quer dizer que as cidades têm dinâmicas próprias e, ao mesmo tempo, estão inseridas numa rede maior.

A condição urbana fica patente quando se discute uma das dimensões que têm se destacado recentemente: a criatividade urbana. Não são apenas indivíduos e empresas que se apresentam de forma competitiva, as cidades também. Isso, pois as cidades têm a capacidade de atrair ou de afastar atividades, investimentos produtivos, condições de criação, capital humano.

Com isso, as cidades devem desenvolver competências, características que lhes permitam atrair atividades econômicos e sócio-antropológicas que convirjam para os objetivos da cidade, para o seu querer-ser.

O caso da cidade de São Paulo é exemplar nesse sentido: grande metrópole mundial, cidade rica, com grande concentração de postos decisórios, de centros de conferências e exposições capazes de projetar idéias, de universidades produzindo mão-de-obra altamente competitiva. É comum escutar que São Paulo é uma cidade com tendências a se tornar pós-moderna, ou seja, será uma cidade de serviços, de criação, de inovação.

O problema é que os governantes nada fazem para construir as condições para que se alcance essa situação de forma sustentável. Ao contrário, espera-se esse novo modelo chegar e, enquanto isso, basta executar políticas que cuidem dos problemas mais graves. O resultado é uma cidade que apresenta uma condição urbana cada vez mais difícil. Sem um planejamento estratégico urbano de longo prazo, a situação pode ganhar um perfil que seja inclusive contrária ao que se espera, mudando o rumo das mudanças urbanas.

Voltando ao caso de São Paulo, o foco nos serviços – em detrimento das questões industriais-produtivas – exige um conjunto de características que estão cada vez mais ausentes. Em termos gerais os serviços se concentram no capital humano e, se por um lado São Paulo tem uma grande capacidade de criação de trabalhadores altamente qualificados, por outro não dá as condições para que esses mesmos trabalhadores executem seus serviços. O tempo médio gasto nos deslocamentos urbanos, bem como a saturação dos meios de comunicação, faz com que o rendimento dos trabalhadores caia significativamente se comparado a outros centros urbanos mais estruturados.

Ainda é possível também pensar em fatores mais difíceis de medir, mas que têm igualmente importantes impactos na produtividade de uma cidade que se quer focada nos serviços. O desgaste emocional criado pela condição urbana (notadamente a tensão resultante dos altos níveis de violência e de poluição dos mais variados tipos, como a atmosférica, a sonora e a visual) apresenta impactos na capacidade criativa da mão-de-obra.

A cidade do futuro, capaz de equalizar suas condições intrínsecas (como as dinâmicas sócio-econômicas) com suas vocações, somente atingirá essa condição se conseguir se tornar competitiva. Para isso, o primeiro passo é a execução de dois passos fundamentais: (1) a compreensão de sua condição urbana, capaz de indicar as condições atuais e as principais possibilidades de modificação; e (2) a construção das condições necessárias à concepção de um planejamento de longo prazo que seja capaz de ultrapassar a lógica puramente político-partidária.

Com esses dois passos cumpridos, as cidades terão as condições mínimas para estabelecer ações concretas voltadas à competitividade territorial e, em última instância, à capacidade de inovação.

Publicado originalmente em: Revisa Mundo InNova – maio de 2008

http://www.mundoinnova.com.br/001_maio_08/RodrigoCintra.html