A “celebrização” da política brasileira: de 2008 para 2010

01/04/2008 0 Por Rodrigo Cintra
As eleições municipais brasileiras se aproximam (1° e 2° turno ocorrendo respectivamente nos dias 5 e 26 de outubro), mas o ritmo eleitoral ainda não afeta a dimensão da opinião pública. Mas isso não significa que as movimentações ainda não começaram, pelo contrário, estão mais ativas do que nunca e muito bem focadas em… 2010.

Enquanto os partidos começam suas movimentações em torno de emendas parlamentares de curto prazo (que garantem a execução de obras que tenham impactos eleitorais), bem como tentam construir unidades para mostrar a força do partido e atraírem quadros, importantes personagens políticas que não estão envolvidas em eleições esse ano (níveis estadual e federal) começam movimentações cada vez mais agressivas.

Em termos gerais é possível dizer que as eleições de 2008 apresentam uma dinâmica política multinivelar. Dessa forma, as movimentações em nível municipal estão respeitando e, ao mesmo tempo, influenciando o grande jogo político brasileiro. Como já discutido aqui em artigo anterior, as campanhas eleitorais municipais se mostram como um importante ensaio político para o nível federal, especialmente para o caso de São Paulo.

No entanto, uma nova condição deixa essa dinâmica política mais explícita. Recentemente o presidente Lula declarou em um programa de televisão que "eu (Lula) estou trabalhando com muita vontade de fazer a minha sucessão, muita vontade". Tal posição amplia oficialmente o jogo político brasileiro.

 

Primeiro nível: municipal

Ainda que a máquina eleitoral não esteja a todo vapor para as eleições de outubro, verdade é que uma série de movimentações importantes já estão ocorrendo, e deverão impactar profundamente as movimentações em Brasília.

Uma primeira razão para esse impacto está na expectativa de alguns analistas políticos com relação ao perfil dos candidatos às eleições. Espera-se que aproximadamente 25% dos deputados federais se afastem de seus cargos para concorrer a prefeituras Brasil afora. Isso significa que em 2009 a Câmara dos Deputados poderá contar com uma renovação de aproximadamente ¼ de seus quadros.

Em termos gerais, os suplentes que assumirão os cargos de deputados federais terão que passar pela fase de aprendizado dos jogos políticos cotidianos, de forma que é, consequentemente, esperada uma maior concentração do poder político nas mãos de poucas lideranças da Câmara dos Deputados. Tal cenário, por sua vez, estreitará as margens de ação política preparatórias para as eleições de 2010.

Alguns partidos sofrerão mais com esse processo, como é o caso do Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente Lula, no qual aproximadamente 1/3 dos atuais deputados deverão se envolver nas eleições municipais. O caso do Partido Comunista do Brasil (PC do B), partido da base governista, é ainda mais grave: mais de 80% dos deputados deverão sair candidatos.

Outra interessante tendência que se percebe nas eleições municipais está diretamente ligada a um fenômeno que já vem se consolidando na política brasileira: a "celebrização" da política eleitoral. Cada vez mais os políticos deixam de ser governantes, quando é mais valorizada a competência administrativa, para serem importantes celebridades.

Muitos partidos estão usando a estratégia de atrair pessoas já conhecidas das grandes massas que tenham a capacidade de atrair muitos votos. Esse fenômeno já foi relativamente forte nas eleições anteriores, como mostra o exemplo do então estilista e apresentador de televisão, Clodovil Hernandes e do apresentador de televisão Celso Russomano, ambos agora deputados federais que estão entre os quatro mais votados do estado de São Paulo.

Na lista de candidaturas já divulgadas por partidos é possível encontrar celebridades de diferentes setores, de atriz de filme pornô a jogador de futebol, passando por vários apresentadores de televisão.

Na medida em que as vagas que cada partido tem são calculadas em função de um coeficiente no qual a quantidade total de votos do partido é um dos fatores centrais, a participação desses grandes puxadores de votos é importante para adensificar a participação de um partido na Câmara dos Vereadores.

Como conseqüência disso, pode-se esperar uma campanha muito mais voltada para grandes performances e pouca discussão sobre problemas políticos reais. A quase totalidade dessas celebridades não tem qualquer experiência política, de forma que não estarão diretamente vinculadas a ações políticas mais profundas.

Numa perspectiva mais ampla, a dinâmica eleitoral municipal esvaziará o conteúdo político no curto prazo e poderá afetar a dinâmica política federal. Especialmente num cenário pós-Lula, que foi, por si só, um show focado mais na performance midiática do que nas atuações políticas, é de se esperar que haja a consolidação dessa tendência de fazer política midiática.

Consequentemente, acredita-se que uma das mais importantes características que devem estar presentes nos candidatos à presidência da República seja sua capacidade de projeção midiática. Posicionamentos mais focados na questão administrativa (como o geralmente defendido pelo governador de São Paulo e eterno pré-candidato à presidência José Serra) deverão perder espaço.  

 

Segundo nível: federal

No nível das discussões federais, especialmente para o nível presidencial, já que o nível estadual ainda dependerá muito do que ocorrer no nível municipal para poder traçar suas principais tendências políticas, o jogo está só começando.

Ainda assim, já é possível perceber algumas das figuras políticas que ganharão proeminência nas próximas fases da política brasileira. Dentre elas destaca-se a ministra-chefe da Casa Civil e atual importante articuladora do presidente Lula, Dilma Rousseff.

Dilma assumiu o papel de articuladora política do presidente Lula, ganhando relevo político especialmente após a saída do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci. Desde então, tem aparecido constantemente ao lado do presidente Lula, sendo alcunhada por Lula de "mãe do PAC" (Programa de Aceleração do Crescimento).

Interessante notar que seu comportamento repete o perfil de grande celebridade, ainda que não seja oriunda dos setores mais midiáticos. Suas falas são bem próximas a de celebridades, buscando sempre um posicionamento mais fácil de ser absorvido pelas mídias. Frases de impacto, fáceis de serem reproduzidas em manchetes, parecem marcar seus discursos.

Num PT que apresenta um vácuo entre Lula e qualquer outro possível candidato para substituição do presidente, novos nomes – como o de Dilma – podem ser interessantes alternativas. Mas a oposição também já percebeu isso e está tentando desgastar desde já a imagem de Dilma.

A principal estratégia desenvolvida pela oposição está ligada à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o uso dos cartões corporativos do governo federal. A idéia é expor Dilma como uma das responsáveis e conhecedoras dos desvios ocorridos por meio dos cartões. Recentemente ela foi chamada a depor na CPI, mas se negou dizendo que tinha coisas profissionais e pessoais mais importantes para fazer.

No momento o PT, e o presidente Lula em particular, resolveram retirar Dilma dos holofotes para que ela não fique muito exposta à crise dos cartões. Se for capaz de passar por essa fase de turbulências sem um grande desgaste em sua imagem, provavelmente se colocará como a candidata mais indicada para o PT lançar.

Enquanto esperamos o desfecho dessa fase de testes de nomes no nível federal e a consolidação das eleições municipais brasileiras, é importante compreender as principais tendências que estão marcando a política a fim de que seja possível antecipar algumas decisões de um futuro não tão distante e que terão impactos num país que se quer cada vez mais forte internamente e mais importante externamente. Por enquanto, é pagar para ver.

 

Publicado originalmente em Revista Autor

Ano VIII – N° 4 – Abril de 2008

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